terça-feira, 6 de março de 2012

"... a laicidade é a garantia, pelo Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos..."


TJ-RS determina retirada de símbolos religiosos dos prédios da Justiça gaúcha

Foi acatado o pedido sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha.
Samir Oliveira no SUL 21
Atualizado às 17h34
Uma decisão unânime do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou nesta terça-feira (6) a retirada dos símbolos religiosos das dependências da Justiça gaúcha. Foi a etapa final de um processo que havia começado no dia 7 de novembro de 2011, quando diversas organizações ligadas à defesa dos direitos dos homosexuais e das mulheres protocolaram no TJ o pedido de retirada dos crucifixos de suas repartições.
A primeira manifestação sobre o tema veio somente no dia 27 de janeiro deste ano, quando o então presidente do TJ-RS, desembargador Leo Lima, acatou o parecer do juiz-assessor Antonio Vinícius Amaro da Silveira, que utilizou o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 para justificar a presença dos símbolos, sendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que esse trecho da Carta Magna não possui força normativa.
No preâmbulo, está escrito que a Constituição foi promulgada “sob a proteção de Deus”. O juiz-assessor também argumentou que a permanência dos crucifixos “se justifica em raízes predominantemente cristãs, que amoldaram a cultura deste país”.
Os autores da ação recorreram da decisão, que parou nas mãos do segundo vice-presidente do TJ-RS, desembargador Cláudio Baldino Maciel, que decidiu submeter o tema ao Conselho da Magistratura, entidade formada pela cúpula administrativa do Judiciário gaúcho. Maciel leu seu voto na sessão de hoje do conselho, que acompanhou integralmente a decisão de retirar os símbolos religiosos das dependências da Justiça no Estado.
Acompanharam a posição os desembargadores Marcelo Bandeira Pereira (presidente do TJ-RS), André Luiz Planella Villarinho, Liselena Schifino Robes Ribeiro e Guinther Spode. O tribunal irá esperar a decisão transitar em julgado para determinar a remoção dos símbolos religiosos na sede estadual do TJ e nas comarcas no interior do Rio Grande do Sul.
“É uma decisão histórica”, comemora Liga Brasileira de Lésbicas
A decisão do TJ-RS de retirar os símbolos religiosos das dependências da Justiça gaúcha foi provocada por uma ação de seis organizações ligadas à defesa dos direitos dos homossexuais e das mulheres: a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), o grupo Nuances, a ONG Somos, a ONG Themis, a Rede Feminista de Saúde e a Marcha Mundial de Mulheres. Junto com o pedido no TJ-RS, essas organizações também requisitaram a retirada de símbolos religiosos da Câmara Municipal de Porto Alegre, do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa.
Ana Naiara Malavolta, integrante da LBL no Rio Grande do Sul, avalia que a decisão do TJ-RS é “histórica” e irá reforçar os pedidos já feitos nos outros órgãos públicos. “É uma decisão histórica para a tratativa deste tema em nível nacional. Será positiva, inclusive, para avançarmos na cobrança nos outros espaços do Estado”, anima-se.
Ela acredita que o fortalecimento da laicidade do Estado é “fundamental para a continuidade da democracia no país”. E aponta que o maior desafio será pautar o assunto em nível nacional. “Há partidos políticos organizados em torno de religiões. No Congresso Nacional, que deveria ser o local de discussão mais profícuo, é onde temos menos espaço. As bancadas religiosas se organizam de forma muito articulada para que esse e outros debates não avancem”, critica.
A integrante da Liga Brasileira de Lésbicas destaca que o principal objetivo das ações protocoladas nos órgãos públicos é gerar a discussão sobre a presença dos símbolos religiosos nos espaços estatais e, portanto, a própria influência da religião no Estado brasileiro. “Por trás de um simples símbolo, há toda uma ideologia que trava um embate muito desleal com diversos segmentos, como o dos homossexuais. Até que ponto a moral religiosa deve influenciar de forma direta o Estado brasileiro em sua tomada de decisões?”, questiona. Malavolta cita como exemplo da influência religiosa no Estado a escolha, pela presidente Dilma Rousseff (PT), do senador e bispo evangélico da Igreja Universal, Marcelo Crivella (PRB-RJ), para ocupar o ministério da Pesca.
Na Câmara Municipal de Porto Alegre, o pedido de retirada dos símbolos religiosos está com a assessoria jurídica desde do dia 5 de novembro do ano passado. Na Assembleia Legislativa, a solicitação foi repassada pelo ex-presidente Adão Villaverde (PT) a todas as bancadas e o assunto não foi mais debatido. No governo gaúcho, o pedido aguarda um parecer da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos.
Confira abaixo trechos do voto do desembargador Cláudio Baldino Maciel
“Embora sejam ouvidas algumas vozes apontando para a irrelevância do tema ora tratado quando cotejado com as graves questões enfrentadas pelo Poder Judiciário brasileiro, não hesito em afirmar, em primeiro lugar, que o tema deste expediente é muito relevante, especialmente porque diz respeito a matéria regida pela Constituição Federal e porque se trata de refletir a respeito da relação entre Estado e Igreja em um país republicano, democrático e laico.”
“(…) hoje é fácil constatar a existência de uma política de concessão de rádios e televisões que, além de criar outros graves problemas (…), proporcionou a criação e a manutenção de uma bancada evangélica no Congresso Nacional, hoje com número e força suficiente para barrar a tramitação de qualquer projeto de lei que contrarie elementos de sua doutrina religiosa.”
“Ora, a laicidade deve ser vista, portanto, não como um princípio que se oponha à liberdade religiosa. Ao contrário, a laicidade é a garantia, pelo Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos, sem preferência por uma ou outra corrente de fé. Trata-se da garantia da liberdade religiosa de todos, inclusive dos não crentes, o que responde ao caro e democrático princípio constitucional da isonomia, que deve inspirar e dirigir todos os atos estatais (…).”
“(…) não se trata de julgar forma de decoração ou preferência estética em ambientes de prédios do Poder Judiciário, senão de dispor sobre a importante forma de relação entre Estado e Religião num país constituído como república democrática e laica.”
“Nada impede que um magistrado, no interior de seu gabinete de trabalho, faça afixar na parede um símbolo religioso ou uma fotografia de Che Guevara.(…) no entanto, à luz da Constituição, na sala de sessões de um tribunal, na sala de audiências de um foro, nos corredores de um prédio do Judiciário mostra-se ainda mais indevida a presença de um crucifixo (ou uma estrela de Davi do judaísmo, ou a Lua Crescente e Estrela do Islamismo).”
“Ora, o Estado não tem religião. É laico. Assim sendo, independentemente do credo ou da crença pessoal do administrador, o espaço das salas de sessões ou audiências, corredores e saguões de prédios do Poder Judiciário não podem ostentar quaisquer símbolos religiosos, já que qualquer um deles representa nada mais do que a crença de uma parcela da sociedade (…).”
“Causaria a mesma repulsa à idéia de laicidade estatal, por exemplo, a ostentação, em um altar de Igreja católica, do brasão do Estado do Rio Grande do Sul.”
“O cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão, é tão brasileiro e detentor de direitos quanto os cristãos. Tem ele o mesmo direito constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação, em local estatal e por determinação do administrador público, de expressivo símbolo de uma outra religião, ainda que majoritária, que não é a sua.”
Mais informações em instantes.

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