As razões do Procurador
Tijolaço

Brizola Neto
Existe um crime, tipificado no Código Penal, chamado “exercício arbitrário das próprias razões”, que consiste em pretender “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. Metaforicamente, creio que temos de lembrar disso, sempre, ao julgar as pessoas. Porque, embora não seja formal como o de um tribunal, o julgamento político tem que guardar limites, mesmo quando se trate de “pretensão, embora legítima” que tenhamos.
Não se pode, mesmo sofrendo prejuízos políticos, cuidar da função pública sem zelar por fazer aquilo e “quando a lei o permite”.
Como tenho afirmado aqui – e por isso acho que a novela que envolve o Ministro Palocci não vai terminar com a decisão do procurador em arquivar o pedido de investigação apresentado pela oposição – a questão que está posta é política e não jurídica. Politicamente, é inegável que a posição de Palocci se enfraqueceu e isso nada tem a ver com a eventual culpa que, muito menos de estar provada, nem mesmo lhe é apontada concretamente.
Para analisar se o Procurador Roberto Gurgel tem ou não razão técnica em sua decisão, recomendo que antes de opinar a gente tenha a paciência de ler as 27 páginas de seu parecer (acesse aqui).Até para que nas nossas conclusões, dependendo de nossas convicções políticas (lembrem-se, embora eventualmente legítimas), julguemos sem base nos fatos e nas leis, elementos dos quais um membro do Ministério Público jamais pode fugir.
Vou me ater em sua argumentação final, onde ele expõe sua convicção de que não poderia agir de outra forma e que, ao faze-lo de forma diferente estaria, aí sim, cometendo uma violação legal.
Transcrevo alguns parágrafos do texto:
“(…)com a mesma firmeza com que sustentei oralmente, no plenário do Supremo Tribunal Federal, a acusação contra o representado na PET 3.898 ( o caso Francenildo, quando denunciou Palocc ao STF), entendo que os elementos trazidos pelas representações dos eminentes parlamentares e mesmo pelas matérias jornalísticas são absolutamente insuficientes para um juízo de reprovação no campo penal, ainda que em momento de prelibação.
A enorme repercussão do caso, que tem estado nas primeiras páginas dos grandes jornais há semanas, em razão da notória importância do representado no cenário político nacional, talvez recomendasse, como caminho mais simpático para o Ministério Público que, a despeito da insuficiência absoluta de indícios, promovesse a continuidade da investigação, porque “procurando, vai achar”, porque “certamente há algo de errado” e outras trivialidades.
A Constituição e as graves responsabilidades da instituição e do seu cargo não autorizam, porém, o Procurador-Geral da República a ceder a tais bordões. Como destaquei em meu
discurso de posse, reiterando compromisso assumido perante o Senado, o Ministério Público, a despeito de não se afastar do exato cumprimento do dever de apurar desmandos e desvios na conduta dos agentes públicos, não se prestará a servir de instrumento do enfraquecimento institucional de qualquer dos poderes, por todos os motivos indesejável para a democracia e, por isso mesmo, contrário aos mais altos interesses da sociedade brasileira.
discurso de posse, reiterando compromisso assumido perante o Senado, o Ministério Público, a despeito de não se afastar do exato cumprimento do dever de apurar desmandos e desvios na conduta dos agentes públicos, não se prestará a servir de instrumento do enfraquecimento institucional de qualquer dos poderes, por todos os motivos indesejável para a democracia e, por isso mesmo, contrário aos mais altos interesses da sociedade brasileira.
A instauração de inquérito tem por pressuposto a existência de indícios da ocorrência de um crime. Cuida-se de exigência decorrente do próprio conceito de investigação criminal e da
finalidade a que se propõe o inquérito.(…)
finalidade a que se propõe o inquérito.(…)
O conceito de justa causa encerra noção que engloba, além da existência de suporte probatório mínimo apto a justificar a demanda penal, a tipicidade do fato, que deve corresponder a um tipo legalmente definido.
Em suma, a despeito da possibilidade de investigar-se condutas ilícitas a partir de representações, é imprescindível que a notícia aponte a existência de elementos, ainda que mínimos, da prática de algum crime.
77. Na ausência desses elementos e na impossibilidade de extrair-se da representação dados capazes de ensejar a realização de atos investigatórios para a apuração do fato, a instauração de inquérito representa inegável afronta aos princípios que norteiam a atividade persecutória do Estado, por absoluta ausência de justa causa.
77. Na ausência desses elementos e na impossibilidade de extrair-se da representação dados capazes de ensejar a realização de atos investigatórios para a apuração do fato, a instauração de inquérito representa inegável afronta aos princípios que norteiam a atividade persecutória do Estado, por absoluta ausência de justa causa.
Ressalto, mais uma vez, que o Ministério Público Federal, tendo presentes os mesmos fatos que motivaram as representações ora analisadas, instaurou inquérito civil para apurar eventuais atos de improbidade de autoria do representado.
Ante o exposto, determino o arquivamento dos procedimentos administrativos em causa, ressalvado o que dispõe o art. 18 do Código de Processo Penal (este artigo permite a reabertura de investigação, caso surjam fatos novos).
E a nós, na política, cabe considerar com responsabilidade a ausência de elementos legais que possam influir nas nossas ações, mas saber que o interesse de nosso projeto político sobrepuja e deve sobrepujar – embora não para contrariar – a simples observação das implicações legais.
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