quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

liberdade de expressão... já ouvi isso por aí

Falha de São Paulo: A história da ofensiva judicial da Folha e a mobilização pela liberdade de expressão

o biscoito fino e a massa

Quem defende a liberdade de expressão?

A Folha de São Paulo se lançou a um ataque judicial desproporcionado, autoritário e, acredito eu, tremendamente infrutífero a longo prazo contra dois jornalistas que montaram um site de clara e óbvia paródia do jornal. Trata-se do caso, já conhecido da maioria, da Falha de São Paulo. Mesmo que se considerasse a possibilidade de mérito na reclamação da Folha–que é sobre a apropriação de uma marca--, há que se concordar que todo o processo tem sido marcado por uma enorme e desnecessária truculência. O jornal dá mais um tiro no pé no quesito liberdade de expressão.

Como se sabe, a Falha replicava o formato do produto da Barão de Limeira, avisando, com letras garrafais, ao leitor, que ele chegava à FALHA de São Paulo. As manchetes satirizavam a direitização do jornal, lançando pérolas como Falha definirá em 2010 o que é a liberdade de expressão. O trabalho de Lino e Mario Bocchini era eminentemente paródico, movido por animus jocandi e em nenhum momento “induzia o consumidor a erro”, como afirma o processo [pdf] movido pela Folha da Manhã. A afirmativa de que, além da marca, a Falha utilizava “conteúdo” da Folha—também presente no processo--me parece absurda, posto que em nenhum momento a Falha copiou notícias da Folha. A Folha fez manchetes absurdas. A Falha inventou outras e elevou-as ao quadrado, com efeito cômico. Foi isso.

Lino e Mario esperavam, evidentemente, que o faziam com a mesma liberdade de que gozam Casseta e Planeta ou CQC para parodiar, pastichar e imitar Lula, Dilma, um produto ou o que/quem seja.

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Erundina se diverte com Josiane Tucanhêde Otavinho Vader (daqui)

O Caso

A Folha não enviou aos Bocchini, como alternativa ao processo, nenhuma notificação extra-judicial (a solicitação da retirada do conteúdo que supostamente infligiria a lei). Lino e Mario já foram recebendo, de cara, no dia 30 de setembro, o baque da liminar que os obrigava a retirar o site do ar, sob pena de R$ 1.000 diários de multa (na ação, a Folha pedia módicos R$ 10.000). Talvez escaldada pela intimidação judicial ao Arlesophia, caso em que Folha conseguiu, com a notificação extra-judicial, a retirada imediata do conteúdo, mas recebeu terrível publicidade na internet, desta vez eles partiram direto para o processo.
Naquele momento, o Falha oscilava entre 500 e 1000 visitas diárias, não exatamente números altos para padrões de hoje na internet. O processo foi noticiado na Carta Capital, mas o resto da grande imprensa silenciou sobre ele-- a mesma imprensa que bradou horrores sobre a “liberdade de expressão” jamais violada pelo governo Lula com nenhum veículo brasileiro.

Mas a Folha não parou aí. Lino e Mario tiveram o gesto transparente de publicar no seu site a liminar desfavorável, acompanhada de um texto de protesto, informando o leitor do que acontecia. A Folha da Manhã conseguiu, judicialmente, a retirada também dessa publicação. Este material está salvo no Biscoito. Independente dos irmãos Bocchini, há também um Tumblr que reproduz todo o texto do site original, mas sem o trabalho gráfico. Há também, independente deles, um gerador de manchetes da Folha.

No dia 15 de dezembro, foi julgado o Agravo de Instrumento da Falha (pedido de derrubada da liminar que os tirou do ar) e eles perderam por 3 x 0, tendo o magistrado usado a pérola "concorrência parasitária" como justificativa da decisão. O processo continua correndo, e em primeira instância quem julga é Nuncio Teophilo Neto, diretor da Faculdade de Direito do Mackenzie, que concedeu a liminar pra Folha. Em segunda instância, a coisa iria para a mesma trinca de desembargadores que votou com Folha por 3 X 0 no dia 15 de dezembro… O absurdo transcendeu as fronteiras do Brasil e virou matéria na Wired.

Ao longo do processo, Lino e Mario tem mantido uma postura de total transparência. Logo depois da segunda derrota no indefectível judiciário paulista, eles montaram o Desculpe a Nossa Falha. O site tem uma explicação completa do processo, detalhes mais absurdos do texto da ação da Folha (“imparcialidade e objetividade”, alegação de que os irmãos da Falha queriam fazer “explícita e intencional confusão” no leitor etc.), uma lista da repercussão na internet, os pdfs com o processo e a defesa, além de declarações de figuras que vão de Gilberto Gil a Claudio Manoel até mesmo a Marcelo Tas. Gil lembra que "Falha de São Paulo" é uma expressão de Caetano:





Casos comparáveis:

Posto que a alegação da Folha não é a censura à liberdade de expressão mas o uso da marca, vejamos alguns casos comparáveis. Em primeiro lugar, como apontam Lino e Mario, já que os EUA são tão evocados (e, em certa medida, com razão) como paradigma de jurisprudência pró-liberdade de expressão, valeria a pena lembrar o caso Faux News, que parodia a Fox. Esse site não só não foi e não seria censurado. Não sou da área, mas me preocupei em ouvir alguns que são, e um processo como o da Barão de Limeira contra a Falha—digo com quase nenhum medo de errar--, nos EUA, correria o sério risco de levar na cara uma chapuletada de volta chamada frivolous lawsuit, uma derrota jurídica na qual não só você não só tem que pagar as custas, mas é adicionalmente punido por encher o saco da Justiça com coisa frívola, tipo uma paródia ao seu jornal.

Também no Brasil abundam os exemplos em que usos parecidos de marca, com objetivo paródico, foram feitos sem nenhum problema. Que tal as próprias páginas da Folha, onde Angeli fez uso humorístico do logo do McDonald's com inversão de uma mera letra, igualzinho ao caso Falha?

Angeli-Mc.jpg

Entrevista:

Anteontem, Lino Bocchini me atendeu para um longo papo no telefone. Explicou-me os passos do processo: ele ainda vai a julgamento, mas quem julga é a mesma turma da liminar. Não há expectativa muito positiva enquanto se estiver no ... indefectível judiciário paulista. Tendo lido tanto a ação da Folha como a defesa da Falha, eu queria, muito mais, além de ter dados como a visitação do Falha, sentir o estado de espírito de Lino para a luta. A coisa é difícil em aspectos que vão muito além do desgaste em termos de tempo, dinheiro e disposição. Por exemplo: Sergio Dávila, o editor-executivo da Folha que está se prestando a esse papel (e a quem já elogiei, na época do furacão Katrina), tem quase 100 amigos em comum com Lino no Facebook. É complicado também em nível pessoal.

Apesar de não estar nada fácil para ele, senti o Lino incrivelmente lúcido, consciente do que este processo representa para a causa da liberdade de expressão e de paródia. Está pronto para a batalha até Brasília, se for o caso. Ele não me disse isto nestes termos, mas senti alguém com perfeita clareza de que este é um caso histórico, único, que vale a pena lutar até o fim.

Mobilização:
Diante do quadro exposto, o Biscoito Fino e a Massa propõe a abertura de uma conta—cujo número poderia ser divulgado em blogs, Twitter, Facebook etc.--na qual os internautas contribuíssem com a defesa. A iniciativa é minha, sem participação ou sequer ciência do Lino Bocchini. Mas vou falar com ele para que me sugira um nome para a conta, talvez o dele próprio. Aí eu a divulgaria aqui. De novo: não sou advogado, mas a avaliação de muitos é que, em Brasília, na instância superior, a liberdade de expressão e paródia vencerá a truculência da “proteção ao logo”. Ajudemos o Lino na batalha, então. Pintando um número de conta, eu divulgo aqui.

PS: Sabendo que há advogados que concordam comigo na leitura do caso, mas que há outros que não, procurei ouvir o contraditório. Bati ótimo, longo papo com Lady Rasta, que me atendeu, gentil, no Gtalk. Continuo pensando como penso, mas o ponto de vista dela pode ser lido aqui e aqui. Valeu a interlocução, Flavia.

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