terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jorge Amado já foi uma literatura proibida, você sabia que houve esse tempo(?)

Florival Scheroki: Os subterrâneos da liberdade

Viomundo

por Florival Scheroki, psicólogo


“A cerimônia de posse de Dilma Rousseff foi emocionante. Eu, particularmente, acho muito simbólico ver uma ex-presa política sendo empossada presidente da República. Talvez pelo fato de que minha casa foi invadida algumas vezes, nos anos 60 e 70, por policiais sem mandado, para apreender “perigosos” livros (Jorge Amado, por exemplo)”.

[O autor se refere a frase que escrevi neste texto do Viomundo]


Suas palavras me recobram lembranças paralelas e talvez alguns sentimentos comuns. Principalmente pela sua alusão a Jorge Amado como literatura proibida, uma forma de expressão do pensamento interditada inclusive nas escolas. Olhando para trás, nas cenas que o retrovisor destas tuas palavras me mostram, vejo-me num final de manhã de aula no segundo grau, em uma escola pública em Rio Claro/SP, surpreso porque só a minha redação não havia sido entregue pela professora de português, senhora A.

Terminada a aula procurei por ela no pátio para saber o que tinha acontecido com minha redação. Ela me pediu para sentar-me e perguntou-me o que eu andava lendo. Não entendi nada. Como assim? Você está lendo algum livro? Quase sempre era um dos piores alunos de português nos anos escolares. É bem verdade que melhorei entre a graduação é o doutorado. Não sabia se era porque entrei no primário (fundamental –I) em 1964, clima difícil que autorizava o desnecessariamente mau por parte de alguns professores. Imagino que entenda do que falo. Mas voltemos ao Jorge Amado.

Como se não bastassem as reguadas na cabeça por pequenos erros de escrita em meados da década de 60, estava, novamente, de frente com a tortura sutil. Interessante que esta professora de português a que me refiro, do início da década de 70, havia nos indicado “Jubiabá” de Jorge Amado. Foi tão fascinante a viagem na leitura que fui em busca de outros livros, entre os quais os trilogia de “Subterrâneos da Liberdade”. E eu disse a ela que estava lendo Jorge Amado e quais livros.

Ainda sentados no banco de cimento, no pátio da escola, ouvi, aterrorizado, as palavras da professora A. “Sabia que eu poderia mandar te prender por isto!?!” – com minha redação em suas mãos.

Conto isto para confirmar que Jorge Amado e suas ideias eram perigosos mesmo, e que não apenas moradias físicas – como a tua – eram invadidas. Mentes – como a minha e de outros tantos – querendo se acostumar com a criação de textos pensados, falados e/ou escritos, necessários ao caminho da liberdade, eram vasculhadas por uma polícia ideológica ubiquitária, que em quase tudo via uma ameaça à “liberdade imposta”.

Nesta ocasião eu tinha 15 anos e a redação era sobre a percepção que os jovens tinham sobre o mundo de então. Optei por discorrer sobre como via a necessidade de mais liberdade e informação sobre comportamento sexual – âmbito moral. Como percebi, e parece que persiste, a intolerância – à humana sensação de desconforto que diferentes formas de expressão nos evocam – pode levar a ações de brutalidade aniquiladora, de pessoas e ideias políticas, religiosas, científicas e de outras manifestações culturais, em nome da liberdade que alguns rogam ser verdade e expressão única do bem comum.

Seu texto introdutório, assim como a posse de Dilma, me fizeram lembrar do jaleco branco da Professora A., nos subterrâneos de minha liberdade. Há muito não temo Jalecos brancos.

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