Miguel do Rosário: Uma reflexão importante
O baitasar compartilha essas reflexões do Miguel do Rosário que encontrou no Viomundo.Esclarecimentos sobre minha ideologia
por Miguel do Rosário, no Óleo do Diabo
Nos últimos tempos, tenho sido bastante polêmico, divergindo bastante de muita gente, amigos, de outros blogueiros progressistas, em diversos temas. Como é de praxe na política, as pessoas acabam levando isso para o lado pessoal. Uma vez um comentarista me acusou de fazer polêmica apenas para chamar a atenção.
Agora um outro disse estar surpreso pelo meu blog ainda estar linkado aos blogs “de esquerda”. Preciso esclarecer algumas coisas.
Não faço polêmica pela polêmica. O que eu afirmo aqui é porque eu acredito. Contudo eu gosto de polêmica. Não tenho medo de ter uma opinião diferente, que contrarie a maioria, ou pelo menos um grupo que se considere (mesmo que não seja) a maioria. O que eu vejo, sempre, são as pessoas tentando ganhar no grito. Não constituem a maioria, mas são os mais barulhentos, e que usam determinada circunstância política para falarem mais alto. Assim que as circunstâncias mudam, são forçados a baixar o volume da voz, e aí vemos outros comentaristas emergirem.
Acredito na social-democracia, ou pelo menos no que isso significava antes do PSDB difamar a expressão. Ou seja, um regime democrático deve ter saúde e educação públicas gratuitas e universais, ponto.
De resto, minha única posição mais radical à esquerda refere-se ao sistema bancário: acho que os bancos privados são uma reminiscência medieval. Se a moeda é única e estatal, o crédito também deveria sê-lo. Os Estados deveriam ter apenas um banco público e estatal. Com isso, evitaríamos esse absurdo que é termos uma crise bancária a cada dez anos, forçando os governos a se endividarem para salvar o mundo de uma bancarrota.
Gosto muito da ideia de autarquias públicas, independentes do governo. Tipo assim, um Instituto Nacional de Educação, onde os diretores das filiais nos estados seriam eleitos pelos próprios professores, com participação da sociedade como um tudo. Eu vi isso funcionar muito bem na Colômbia, com a Federación Nacional de Cafeicultores.
Tenho, porém, opiniões muito próprias e até, diríamos, originais sobre o que seria o socialismo, o capitalismo, direita ou esquerda. Já escrevi muito sobre isso ao longo dos últimos oito anos.
Por exemplo, não acho que o capitalismo exista. Para mim existe um problema conceitual que vem confundindo há séculos as lutas trabalhistas. Neste sentido, sou crítico da filosofia marxista. O capitalismo não é uma ideologia. Quer dizer, existe uma ideologia capitalista, mas não se pode confundi-la com o processo histórico-econômico. Ao dizer que o mundo de hoje é o que é em virtude do capitalismo, a esquerda confere ao capitalismo uma força muito maior do que ele tem na verdade. O mundo hoje é simplesmente mundo, sem adjetivos ideológicos. Ele é o que é em virtude do desenvolvimento natural das forças produtivas, do desenvolvimento da vida. Dizer que a nossa civilização é capitalista é como dizer que os macacos e as aves também são capitalistas. O homem é um animal, e como tal se organiza em função de suas possibilidades cognitivas e existenciais.
Da mesma forma, o conceito de esquerda também não existe. Não existe um conceito definido sobre o que é ser de esquerda. A coisa mais palpável são frases do Norberto Nobbio sobre “estar ao lado dos oprimidos”, o que é vago demais. Qualquer evangélico conservador ou político populista alega ser de esquerda pelos mesmos motivos. O presidente do DEM ao assumir, recentemente, declarou-se de esquerda. Roberto Freire repetia que o Serra estava muito mais à esquerda que Lula e Dilma. E durante muito tempo Lula repetiu que não se considerava “de esquerda”, mas apenas um torneiro-mecânico; mais tarde sofisticou a informação dizendo que era um homem “com tendências socialistas”.
No entanto, a gente consegue sempre, no ambiente concreto da luta política, identificar as forças de esquerda ou direita. As diferenças acentuam-se durante um embate eleitoral, mas sempre haverá confusão.
Eu me considero de esquerda, mas isso não quer dizer que eu ache maravilhoso todos os lugares comuns esquerdistas. Ao contrário, um dos focos do meu trabalho é a – digamos – elevação espiritual da esquerda, no sentido de aprimorar seus conceitos, estratégias e objetivos. Isso é uma luta, no seio da qual seus representantes costumam agredir-se mutuamente.
Eu não agrido ninguém, quer dizer, também dou minhas bordoadas aqui e ali, mas quase sempre em legítima defesa, e sobretudo procuro não julgar os outros como se eu fosse dono da razão.
O fato é que ser de esquerda não nos faz inteligentes. Muito pelo contrário, as pessoas ditas de esquerda costumam abraçar-se facilmente a clichês, jargões ideológicos.
Em “A estrutura ausente”, de Umberto Eco, há um capítulo que fala sobre “as interações entre retórica e ideologia”.
“Mas se retórica e ideologia estão tão intimamente ligadas, poderão os dois movimentos proceder independentemente um do outro?”, pergunta-se Eco.
Segundo Eco, a ideologia é “a conotação final da totalidade das conotações do signo ou do contexto dos signos”. Ou seja, a ideologia tem uma substância, um conteúdo, mas também possui uma forma. Não se trata, precisamente, de uma definição acerca de ideologia política. É uma ideologia de forma geral. Mas a ideologia política, hoje e sempre, confunde-se com a ideologia comum das pessoas. Com um pouco de sensibilidade e sorte, consegue-se adivinhar a ideologia da pessoa apenas por alguns gestos e frases. Até mesmo expressões faciais nos permitem intuir (às vezes) a que facção ideológica ela pertence.
É justamente isso que às vezes confunde os meus leitores. Eu combato a necrose ideológica decorrente do uso de lugares comuns. Por exemplo, ser de esquerda não é ser contra os Estados Unidos. Acho isso uma tolice. A pessoa está lá, digitando no Twitter, no Blogspot, usando a Internet, e querendo expulsar o Obama do território brasileiro! Além disso, ao apegar-se somente à frase feita, ao lugar comum, a pessoa perde o poder de análise. Nestes imbróglios sobre o oriente médio, por exemplo, culpa-se os EUA por tudo. Certo, os americanos têm culpa no cartório, mas a culpa principal é das próprias elites árabes, que venderam-se facilmente à ideologia americana, de um lado, ou abraçaram com volúpia sistemas de governo ditatoriais.
Aqui nas Américas, a mesma coisa. A culpa da ditadura militar que vivemos não é dos EUA, embora eles tenha ajudado. É nossa, de nossas elites. Durante muito tempo canalizamos mal a nossa revolta. Tínhamos que focá-la nos verdadeiros culpados pelo golpe de Estado: os donos da mídia, as elites econômicas e a classe média moralista e manipulável.
Um dos grandes avanços propriamente ideológicos trazidos por Lula foi justamente o de pararmos de culpar os países ricos por nossa pobreza e passarmos a olhar de frente nossos próprios defeitos, para corrigi-los. Toda a novidade trazida por Lula veio de sua ideologia original, quase anti-esquerdista. Lula quase não usava jargões esquerdistas, e apenas por isso conseguiu conquistar o povão e, mais tarde, todas as classes sociais.
O jargão, o lugar comum, o clichê, só fazem sucesso entre um grupo reduzido de militantes.
Eu queria saber tambem qual a explicação, dentro da ciência política, para a emergência dessa ideologia impaciente, radical, irritadiça, sempre que um governo de esquerda ganha uma eleição. Aconteceu no Chile, lembrou-me Wanderley Guilherme dos Santos. Allende foi emparedado pelo radicalismo. Aconteceu na República de Weimar, na Alemanha do entreguerras. Aconteceu no governo de João Goulart. O resultado sempre foi desastroso.
A defesa do meio ambiente é algo fundamental no mundo de hoje, e no Brasil em particular. Mas não é propriamente uma bandeira da esquerda, ainda mais num país que precisa desesperadamente se desenvolver para superar mazelas sociais. É uma bandeira da civilização. Não pensem que eu ponha o meio-ambiente em segundo plano. Evidentemente sou contra o desmatamento, qualquer um, seja de grandes ou pequenos.
Não acho, porém, que este será resolvido com aplicação de multas para 3 ou 4 milhões de proprietários rurais, que era o estava em vias de acontecer. Acho a ideia do Aldo Rebelo bastante sensata, que é forçar o produtor, em troca da anistia, a ingressar num programa de regulamentação ambiental. Em vez do governo tomar um calote, e a floresta continuar desmatada, ele ensinará o produtor o que fazer e como fazer. Também não podemos expulsar os pequenos produtores de suas terras por causa de uma legislação draconiana. O resultado seria desastroso: os pequenos não sairiam, haveria um problema social, e não resolveríamos igualmente o impasse ambiental. A solução, mais uma vez, é monitorar, regulamentar, ensinar o produtor a respeitar o meio ambiente.
Tenho esperança que o Congresso Nacional, depois que o Código Florestal for revisado pelo Senado, passar pelos últimos ajustes na Presidência e voltar à Câmara dos Deputados para se tornar lei, será um Código bastante sensato, que contemple as necessidades do agronegócio, do produtor familiar e do meio ambiente. E se não for perfeito, será melhor do que o anterior, e sempre poder-se-á aprimorá-lo ao longo do tempo. Talvez seja ingenuidade, sim, ou talvez seja simplesmente esperança!
Outro ponto que gerou atrito entre este blog e alguns leitores foi um post sobre Bin Laden. Mais uma vez, acho que as pessoas se deixaram levar pelo lugar-comum de culpar os americanos. Bin Laden era o cabeça de uma organização militar não-convencional. Um julgamento justo para Bin Laden apenas seria possível se a Al Qaeda depusesse as armas, como fez o Ira, na Irlanda. Como aconteceu, tratava-se de uma situação de guerra, onde os soldados americanos que invadiram a casa do terrorista enfrentaram risco e portanto podiam perfeitamente alegar legítima defesa. O Chomsky escreveu um texto falando que seria como um outro país invadisse a Casa Branca, assassinasse o presidente e lançasse seu corpo ao mar.
Ora, foi exatamente isso que a Al Qaeda tentou fazer. Um dos aviões sequestrados no 11 de setembro (se não me engano), seria jogado contra a Casa Branca. Acho um erro, enfim, que a esquerda assuma a defesa de Bin Laden, porque isso a afasta do bom senso comum e a põe na marginalidade política. Escrevi já milhões de artigos detonando os EUA, detonando a guerra no Iraque e no Afeganistão. Mas entendo que Bin Laden era o inimigo número 1 dos EUA, e que sua morte foi justificada por ser o homem mais perigoso do mundo, um verdadeiro homem-bomba. A violência sempre existirá entre os homens, mas a ideologia democrática define que esta deva ser monopólio dos governos. No futuro, o combate ao terrorismo deve ser tocado apenas pelo exército da ONU, e não de nenhum país em particular.
Por fim, quero deixar claro que não tenho certeza absoluta de nada. Meu ídolo na filosofia é Sócrates e seu jeito irônico, sua dialética e simplicidade. ἓν οἶδα ὅτι οὐδὲν οἶδα. Só sei que nada sei. (Escrevi em grego só para tirar onda, não sei grego. Ainda. Daqui a uns sessenta anos, talvez aprenda. A frase pronuncia-se assim: hen oída hoti oudén oída). Sou apenas um blogueiro diletante e presunçoso, que gosta de dar pitaco sobre tudo. Não me odeiem, por favor.
Pra ser franco, eu sofro à beça quando me vejo obrigado a discordar de meus colegas “de esquerda”, mas não posso agir de outra maneira. Tenho que dizer o que penso. De qualquer forma, todos nós morreríamos de tédio se houvesse sempre o consenso. E há um ponto bastante positivo em nossas divergências. A gente está começando a esquecer a grande mídia. Nossos debates tem, aos poucos, escapado da simples crítica ao “PIG” e ganhado independência. Em alguns casos, nem damos mais bola ao que diz a imprensa, e fazemos o debate entre a gente, com informações que colhemos diretamente na realidade, através desse maravilhoso “portal” que é a internet.
Juro que estou disposto a mudar de opinião, sempre que me forem apresentados argumentos convincentes. Nem tenho ideia fixa. Também não tenho nenhuma obrigação com o governo Dilma. Às vezes dá vontade até de falar um palavrão, tipo: quero que o governo se… que a Dilma se… Mas isso seria ridículo. Pode parecer piegas e demagógico, e talvez seja mesmo, mas meu único interesse é o bem do povo brasileiro. A gente que gosta de política parece que tem um gene a mais (ou a menos) e sente na carne o que acontece a nosso redor, na sociedade.
Frequentemente falo besteira, sobretudo no Twitter, onde estou exposto aos repuxos do meu sarcasmo, irritação, desejo de ser “engraçadinho”, etc. Tanto que às vezes prometo a mim mesmo que não usarei mais o Twitter. Peço que sejam tolerantes comigo nessa rede social, onde geralmente boto meu bom comportamento de lado e ajo como um verdadeiro delinquente. Estou tentando me cuidar, porque o número de seguidores está crescendo e a responsabilidade aumentando, mas nunca deixarei de ser irreverente (ou tentar sê-lo).
E já que abri os portões da pieguice, seguem os primeiros versos de Tabacaria, um poema piegas, batido, mas lindíssimo de Fernando Pessoa, que uso à guisa de conclusão e para resumir como eu me sinto:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
PS do Viomundo: Sou leitor diário do excelente Óleo do Diabo. Concordo com algumas opiniões do Miguel, discordo de outras. Acho importantíssimo que a blogosfera reflita a pluralidade de opiniões existente na sociedade, inclusive dentro da esquerda — na qual, por falta de embasamento teórico, não me incluo.
Caso contrário, refletiremos o porre que é o pensamento único. O combate ao pensamento único foi uma das forças motrizes da blogosfera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário