A escola Murdoch de jornalismo patife
Poder em pane
No último domingo, um dos jornais de maior tiragem no Reino Unido deixou de circular. Criado há 168 anos, o tabloide "News of the World" fechou as portas depois de descoberta a maneira peculiar com que conseguia seus furos de reportagem.
Especializado em escândalos políticos ou de alcova, destruição de reputações, furos sensacionalistas, o jornal contratava, desde há muito, um detetive particular para grampear e ter acesso a telefones de políticos, celebridades e mesmo gente comum.
Por trás do jornal estão as marcas de seu dono, Rupert Murdoch (foto). Proprietário do maior conglomerado de mídia do mundo, a News Corporation, Murdoch representa o jornalismo em seu processo de degradação.
Seus canais de comunicação, como a rede de TV Fox News, conseguiram impor o modelo de um jornalismo a serviço das opiniões mais conservadoras, repetidas com a sutileza de quem está em guerra contra qualquer sombra de divergência.
Sua figura representa, ao mesmo tempo, a oligopolização do mercado de mídia e a imposição de uma agenda caricata de debate. Basta lembrarmos do nível dos argumentos dos ditos "âncoras" da Fox News. Basta lembrarmos também de como um dos editores do "News of the World" acabou parando na campanha do atual primeiro-ministro britânico David Cameron.
Que um de seus jornais seja pego aplicando táticas fora de qualquer padrão mínimo de respeito à privacidade, eis algo que não deve nos estranhar. Murdoch tornou a produção de notícias setor de uma luta política onde reina a seletividade do escândalo.
Todos, em algum momento, fizeram algo que não gostariam de mostrar na esfera pública. Mas cabe ao jornal decidir quem vai ser exposto e quem será conservado, quem vai para a primeira página e quem vai para a nota do canto.
A lei "dois pesos, duas medidas" transforma-se em uma regra, adequando-se às exigências de uma sociedade do espetáculo.
Nesse sentido, o fechamento do "News of the World" deveria servir para uma autorreflexão da imprensa mundial. Muito já se disse a respeito da imprensa como quarto poder, mas o que acontece quando esse poder entra em pane?
Pode-se dizer que quem empenha sua credibilidade a serviço da luta política acaba por pagar um preço alto, como nesse caso. Mas quanto tempo é necessário esperar para que a conta seja paga?
Durante anos, o jornal de Murdoch usou da invasão criminosa da privacidade para influenciar a pauta dos escândalos. Mesmo descoberto, o estrago já foi feito.
A população tem o direito de perguntar se não existiria outros veículos que agem como o tabloide de Murdoch.
Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.
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Aqui no RS, a escola Murdoch de jornalismo patife tem seguidores. Vocês não lembram que no governo Yeda (2007-2010) havia profissionais de imprensa que tinham acesso privilegiado ao sistema Guardião administrado pela Secretaria da Segurança para escutas autorizadas pela Justiça? O caso foi abafado, por motivos óbvios, mas o método by Rupert Murdoch de "jornalismo investigativo" também está plenamente consagrado na pequena pátria de bombachas.
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