Viomundo e NaMariaNews perguntam: Kassab o que mais você sabe?
por Conceição Lemes
Em 7 de setembro, o Estadão e o JT denunciaram que o governo paulista mantinha contrato sem licitação há três anos com a Fence Consultoria Empresarial para a realização varreduras contra escutas telefônicas na Companhia de Processamento de Dados do Estado (Prodesp).
A mais recente renovação foi em julho de 2011. Alegação da Prodesp para não licitação: a Fence era a única empresa no mercado que atendia a todas as suas necessidades.
No dia seguinte, porém, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que havia rescindido em 1 de setembro, mas que o encerramento não fora ainda publicado no Diário Oficial. A decisão teria sido após a reportagem do Estadão e do JT procurarem a assessoria de comunicação da Prodesp, da Secretária de Gestão Pública e do próprio governo.
Alckmin disse ainda: “Eu não tinha a informação [sobre o contrato]. Quando tomei conhecimento, mandei rescindir, pela simples razão de que tem uma determinação do governo que é não contratar sem licitação”.
“Como não sabia?!”, reage, estupefata, NaMaria, do Blog NaMariaNews, em entrevista a esta repórter. “É absurdo completo o Alckmin dizer que desconhecia o contrato, pois a Prodesp, que mantém o Intragov [internet governamental] cuida de TODA a rede de dados do Estado de São Paulo. Incompetência? Conveniência? Falta de sinceridade? Ignorância? O que fez a equipe de transição que não ‘pegou’ esse contrato? Como diz não saber e não aprovar tais condutas (contratos sem licitação) se o Tribunal de Contas alega total normalidade neste tipo de negócios?”
De fato, em sentença do conselheiro-relator Cláudio Ferraz de Alvarenga, publicada em 21 de dezembro de 2010 no Diário Oficial do Estado, afirma: Julgo regular o termo de prorrogação e ratificação e legal o ato ordenador das despesas decorrentes.
E agora, governador?
A Prodesp está presente em praticamente toda a administração pública estadual paulista, incluindo os poderes Legislativo e Judiciário. Também fazem parte da carteira de clientes da empresa várias prefeituras, entre as quais a de São Paulo. Dêem uma olhada nesta lista. Vai da Assembleia Legislativa aos tribunais de Contas e de Justiça, passando pelo Poupatempo, Junta Comercial, Hospital das Clínicas de São Paulo.
Segundo a matéria do Estadão e do JT, “a contratação se deu sem licitação porque a Prodesp avaliou tratar-se da única empresa no mercado que atendia a todas as suas necessidades”.
“A Fence atuou antes no Ministério da Saúde, no caso Lunnus, nos grampos do TSE”, lembra NaMaria. “Vem da época em que Serra [José Serra, ex-governador] era ministro da Saúde, não à toa a empresa reaparece aqui em São Paulo. Serra trouxe para o governo Estado de São Paulo o esquema montado no Ministério da Saúde.”
“Se foi contratada e recontratada pela Prodesp sem licitação por ‘notório saber’ ou porque era a ‘única empresa que atendia às suas necessidades’, por que o contrato foi desfeito diante da perspectiva de uma reportagem?”, avança NaMaria. “O ‘notório saber’ então era cascata?”
“Além da falta de licitação e do valor, o mais interessante desse contrato entre a Fence e a Prodesp é o seu objeto”, aponta NaMaria. “Visa à ‘detecção de intrusões eletrônicas nas instalações da Prodesp ou em outras localizações de seu interesse’. Prevê ‘execução de trabalho em áreas fora de sua sede – ou em outras localizações de seu interesse – em caráter emergencial ou não, em até 48 horas’. A título de quê?”
Curiosidade. No artigo Alckmin cancela “varreduras” da Prodesp, publicado em 9 de setembro, o leitor Nico Guillon comentou:
“Só pra vocês terem a memória refrescada, é bom ir ao excelente NaMaria News, porque ela foi a primeira a dar esta informação em toda “imprensa” , NÃO FOI O ESTADÃO (primeiro em 17/setembro/2010, segundo em 22/setembro e terceiro em 25/outubro). Entre outras obscenidades e maravilhas ela revela pontos obscuros dignos de maiores investigações”.
Na mosca.
MOMENTO RELOAD NAMARIANEWS: SERRA, ITAGIBA E FONTENELLE
NaMaria News foi o primeiro veículo a mostrar os contratos feitos pela Prodesp – Serra era ainda governador mas já candidato à Presidência da República – e a Fence Consultoria Empresarial, do ex-dirigente do SNI, o coronel reformado do Exército Ênio Gomes Fontenelle.
As relações entre eles datam de 2000.
Serra, ministro da Saúde, chamara Marcelo Itagiba para montar um “aparato de inteligência” na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de seu ministério. Itagiba tinha cacife: eram amigos de priscas eras e havia coordenado o Centro de Inteligência da Polícia Federal. Ele então encarregou para a tarefa mais alguns delegados da Polícia Federal. Quando o esquema começou a feder e vazar demais, Serra, em dezembro/2000, contratou Ênio Fontenelle e sua Fence Consultoria, terceirizando e ampliando as “sondagens”.
Coincidentemente, o contrato feito entre o ministro da Saúde, José Serra, e a Fence, também previa “a verificação de intrusões eletrônicas”. Igualzinho ao da Prodesp.
O serviço de R$1.872.576,00 foi rompido no começo de 2003 por Humberto Costa, ministro da Saúde do primeiro governo Lula. Só que antes disso, em 2002, estraçalhou a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República. Estávamos no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e Serra também queria ocupar o Palácio do Planalto.
O contrato da Prodesp com a Fence em 2008 tem outras coincidências com o da época de Serra ministro da Saúde: mesmas bases, mesma configuração legal, mesmo período crítico pré-eleitoral, até quase na mesma faixa de preço. Resultado: a Fence desembarca em pleno governo de São Paulo, trazida pelo mesmo homem que a levou à Brasília na era FHC.
Dois contratos foram assinados em poucos dias, com início em 2008.
O primeiro, 005/2008, no valor de R$69.120,00, publicado em DO 26/abril, rezava:
1- O valor e reajustes – pág. 5. Para executar os serviços, o pagamento mensal será da seguinte forma:R$384,00 para cada um dos 180 itens elencados:
Mas, se houver pedidos extras, emergenciais, a coisa fica assim: paga-se R$2.000,00 por visita, não inclusos no valor total do contrato.
O segundo contrato, 014/2008, saiu publicado em DO em 5/julho/2008, mas foi assinado em 27/maio (conforme DO), portanto antes do encerramento do primeiro. E, claro, livre de licitação.
A grande diferença é que o valor passou para R$858.640,08, sendo R$69.120,00 mensais (fora os extrasem custos operacionais por serviço).
Em 18/junho/2010, mais uma prorrogação do 014/2008. Tudo sem licitação no PRO.002.5436. Proc.: 84906. O valor continuou o mesmo: R$ 858.640,00. Até o momento, a Fence recebeu dos cofres públicos paulistas R$2.645.040,24,
quantia bem superior àquela de 2002, quando prestou serviços ao Ministério da Saúde.
quantia bem superior àquela de 2002, quando prestou serviços ao Ministério da Saúde.
Contrato: PRO.002.5436. Processo: 84906. Fornecedor: Fence Consultoria Empresarial Ltda.
Assinatura: 27/05/2010. Prorrogação
- Obj.: Serviço Técnico Especializado em Segurança de Comunicações.
Valor: R$858.640,00. Vigência: 12 meses.
Modalidade: Inexigibilidade nº.014/2008
- Obj.: Serviço Técnico Especializado em Segurança de Comunicações.
Valor: R$858.640,00. Vigência: 12 meses.
Modalidade: Inexigibilidade nº.014/2008
DO 19/agosto/2011Contrato: PRO.003.5436. Processo: 84906. Fornecedor: Fence Consultoria Empresarial Ltda..
Assinatura: 08/07/2011. Prorrogação
- Objeto: Serviço Técnico Especializado em segurança de Comunicações.
Valor: R$858.640,00. Vigência: 12 meses.
Modalidade: Inexigibilidade nº.014/2008.
- Objeto: Serviço Técnico Especializado em segurança de Comunicações.
Valor: R$858.640,00. Vigência: 12 meses.
Modalidade: Inexigibilidade nº.014/2008.
POR QUE SÓ UM ANO DEPOIS A GRANDE IMPRENSA “DESCOBRE’’ A FENCE?
“Rescindir o contrato com a Fence não basta”, ressalta NaMaria. “É preciso escancarar essa caixa-preta, para esclarecer questões até hoje nebulosas.”
O deputado estadual Simão Pedro (PT) entrará na próxima semana com uma representação nos ministérios públicos do Estado de São Paulo e Federal, pedindo a investigação dos contratos da Fence. Enquanto isso, ele tenta recolher assinaturas na Assembleia Legislativa para instalar a CPI do Grampo. São necessárias 32.
Com ajuda inestimável de NaMaria, seguem algumas perguntas que achamos fundamentais para o esclarecimento desse imbróglio arapongo-tucano:
* Não existiriam mesmo outras empresas semelhantes no mercado? Ou foi por “notório saber”? Como se aplica o “notório saber” neste caso?
* Como se faz o tal rastreamento de intrusões eletrônicas? E como se faz o mesmo serviço fora da Prodesp?
* O que acontece caso sejam encontrados os tais intrusos eletrônicos? O que se faz com a “informação”?
* Como conseguiram colocar os intrusos eletrônicos dentro da fortaleza que é a Prodesp (ou outros órgãos estaduais)?
* Por que os contratos com a Fence foram assinados somente a partir de abril de 2008? Antes não havia o mesmo risco?
*Por que (pelo menos no Diário Oficial) aparecem dois contratos da Prodesp com a Fence? Como se vê acima no texto, o segundo foi assinado antes do primeiro ter terminado e seu valor é ainda maior, supostamente para fazer a mesma coisa que rezava o objeto do primeiro.
*Além das “intrusões telefônicas”, seria possível também rastrear pela WEB os computadores dos órgãos do governo ligados à Prodesp? Por exemplo, as máquinas de qualquer Secretaria – já que qualquer uma delas está ligada ao Intragov e, consequentemente, à Prodesp?
Agora, há um “mistério” midiático que urge ser esclarecido por nossos colegas jornalistas.
Em 17 de setembro de 2010, o NaMariaNews denunciou as estranhas “coincidências” entre o esquema de grampos montado por Serra no Ministério da Saúde e os contratos da Fence com o governo de São Paulo.
Por que somente um ano depois, por sinal usando os cálculos do NaMariaNews, a grande imprensa atentou para os contratos da Fence com a Prodesp?
Será por que há um ano a bomba explodiria no colo de José Serra que era o candidato da mídia à Presidência da República?
E por que só agora em 7 de setembro de 2011?
Há quem ache que foi devido à publicação de matérias pelo Azenha, Rodrigo Vianna e Paulo Henrique Amorim, em 5 de setembro sobre o livro Privatas do Caribe, do repórter Amaury Ribeiro, que será lançado até o início de novembro.
Já NaMaria, pelo seu conhecimento do modus operandi dos tucanos na administração pública paulista, acha que o prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP) tem a ver com a “descoberta” da Fence pela grande imprensa.
Realmente, é uma das hipóteses a ser, no mínimo, cogitada. Primeiro, porque a decisão de O Estadão e JTfazerem a matéria é anterior àquela sobre o livro do Amaury, publicada em 5 de setembro. De acordo com os jornais paulistas, no dia 22 de agosto, o repórter procurou as assessorias de comunicação do governo do estado e a reportagem saiu no dia 7 de setembro. Segundo, porque o Kassab, que até outro dia vivia de amores com o grão tucanato paulista, parece que resolveu jogar algumas penas no ventilador.
Nota do blog Poder Online, do portal IG, de 17 de junho de 2011, em 23 de maio, nas Faculdades Metropolitanas Unidas, durante palestra sobre bullying, diz que Kassab travou o seguinte diálogo com o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP):
- Eu vou quebrar o seu pescoço, o do [Geraldo] Alckmin, do Alexandre [Moraes] e o do Rodrigo [Garcia].
- O que é isso Kassab? – teria dito Chalita, surpreso com a agressividade do prefeito.
- Tá tudo grampeado – respondeu Kassab.
- Grampeado o quê? Você está me ameaçando? – devolveu o deputado.
Outras hipóteses de NaMaria para a “descoberta” da Fence:
* O sistema foi usado por todos aqueles ligados a Serra, inclusive o Kassab, até o momento em que isso poderia virar-se contra ele. Daí ele ter chiado na discussão com o Chalita, dizendo que estava “tudo grampeado”?
* O Serra continua a ter acesso aos grampeamentos da Fence e o Alckmin resolveu denunciar na imprensa e, dessa forma, justificar o término do contrato, sem desagradar muito ao Serra?
* O Alckmin assumiu os benefícios do contrato e o Serra resolveu queimar através do Estadão?
* Todos eles – Alckmin, Chalita, Kassab e Serra – sabiam dos trabalhos de grampeamento da Fence, afinal ela havia sido contratada para isso. Agora, com a luta entre eles e todos sabendo da existência dos grampos, o grampeamento beneficiaria a quem?
* Se fizermos uma linha do tempo da esculhambação massiva do Kassab pela grande imprensa, onde se encaixaria a “descoberta” da Fence?
Independentemente da hipótese, tudo indica que o Kassab sabe. E já que o prefeito começou a jogar penas no ventilador, nós, do Viomundo, e o NaMariaNews, perguntamos humildemente: Kassab o que mais você sabe?
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