sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Com a palavra a Câmara de Vereadores de Porto Alegre


Minha casa, teus lucros

by Marco Aurélio Weissheimer no RS Urgente


Por Felipe Drago – ONG Cidade

Sobre o texto de Paulo Muzell: “Minha casa, gordos lucros” (publicado aqui no RS Urgente, ver abaixo).

Paulo Muzell fala de um “personagem” que não sabe bem como qualificar por causa de uma declaração ao Jornal do Comércio de 11/10/2011: excessivamente franco, despudorado, ou “burro”? Trata-se do diretor do Departamento Municipal de Habitação de PoA, Humberto Goulart. Resumindo as declarações de Goulart, o JC escreve:

O diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Humberto Goulart acredita que esse será o momento de dar andamento aos projetos paralisados pelas incorporadoras, esperançosos em uma maior taxa de retorno nas construções. O lucro maior para as empresas, no entanto, Goulart atribui à redução de impostos municipais e o avanço em relação ao não desconto dos terrenos doados pela prefeitura – atualmente, são 12 áreas para doação -, que agora devem ser incorporados ao custo total da obra (JComércio, 11/10/2011).

Excluindo o tema dos impostos, a primeira impressão que a notícia passa é que o aumento do lucro dos empresários através da doação de terras é uma coisa nova, que supostamente não acontecia antes, um “avanço”. Ora, a doação de terras públicas para empreendimentos públicos é uma prática antiga e socialmente referendada. A novidade aqui é a doação de bens públicos para aumentar o lucro das empresas, declarada abertamente na imprensa! Isto significa a transferência de dinheiro que é de todos os cidadãos para os caixas das empresas. Bem, entendemos que esta declaração justifica a dúvida de Muzell a respeito de Goulart.

Porém, Goulart parece nada mais que sincero quando entendemos que está legalmente respaldado pela Lei Complementar n° 363, de 13 de janeiro de 2010[1]. Assim respondemos à pergunta de Muzell: “será que uma tão absurda lei de doações seria aceita e aprovada pela Câmara Municipal de Porto Alegre?” Sim, inclusive já foi aprovada!

Portanto, não sendo a doação uma “fórmula mágica”, como questiona Muzell, se supõe o seguinte: sendo necessário cada doação de terreno passar pela Câmara, a novidade é que estariam, a partir de agora, recebendo mais apoio político dos Vereadores.

Uma declaração, esta sim, feita diretamente por Goulart na rádio Guaíba epublicada no Correio do Povo deixa mais claras as intenções: “não podemos exigir que as construtoras construam os imóveis no carinho” (CPovo 09/08/2011). Na mesma notícia, o jornalista escreve: “Goulart repassou, há mais de 180 dias, quatro terrenos públicos ao Fundo de Arrendamento Residencial da Caixa, prevendo a construção de dois mil imóveis para famílias de até três mínimos”.

Quatro áreas, portanto, já passaram por este processo e outras 12 esperam (segundo JComércio, 11/10/2011). A lei já começa a dar seus resultados. Porém, não está claro se a doação dos quatro terrenos foi efetivada na Câmara:“Quatro empreiteiras asseguraram o direito de construção, mas até o momento sequer confeccionaram o projeto” (CPovo, 9/11/2008).

O projeto, para ser contratado pela Caixa Econômica Federal (CEF) via FAR [2], o termo de doação, além do próprio projeto (arquitetônico, implantação, orçamento, etc), têm de estar “certinho”, como dizem na CEF. Porém existe uma “cláusula suspensiva” que incide sobre o FAR, através da qual é possível liberar os recursos sem tudo estar “certinho”, isto é, sem a aprovação da Câmara, por exemplo. Portanto a PMPA pode ter contatado empresas para propor tais empreendimentos e tais empreendimentos podem ter sido contratados pela CEF, tudo sem a conclusão do processo de doação.

Atualmente, como se não fosse suficiente a transferência de boas parcelas de recursos do Orçamento Geral da União (dinheiro público) para os caixas das empresas da construção civil através do PMCMV, agora o poder municipal doa terras com o objetivo declarado de aumentar o lucro destas empresas. Tudo dentro dos ditames legais e, não raro, com “participação popular”. O que antes não aparecia, agora, por causa da sinceridade, do despudor ou da “burrice” do diretor do DEMHAB, fica claro.

De certa forma, tais ações e declarações demonstram com quem o poder público municipal tende a estabelecer compromisso atualmente. A idéia central do DEMHAB, a julgar pelo exposto aqui, parece ser que a habitação pode ser um direito social desde que seja viável empresarialmente, afinal, esta é nossa “realidade”. A “jogada” da PMPA é transformar o “social”, assim como já é prática no “ambiental” em âmbito nacional, num negócio lucrativo. O objetivo velado é a privatização da ação pública. Tua casa é meu lucro – se não é ainda, logo será, e com apoio público!

A conclusão que podemos tirar deste cenário é que, desde sempre, as políticas sociais, com exceções importantes, têm servido como justificativa para verdadeiros tapas na cara dos que atuam no chão da luta pelo direito à cidade e à habitação.

NOTAS:

[1] – Publicado no DIÁRIO OFICIAL DE PORTO ALEGRE. Edição 3683, quinta-feira, 14 de Janeiro de 2010. Institui o Programa Minha Casa, Minha Vida – Porto Alegre altera o parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 548, de 24 de abril de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 619, de 10 de junho de 2009, revoga a Lei Complementar nº 619, de 2009, e dá outras providências.

[2] – FAR: Fundo de Arrendamento Residencial, que opera com recursos de variadas fontes como o OGU e o FGTS. É operado através do PAR – Programa de Arrendamento Residencial. Serve para provisão habitacional de zero a três salários e é produzida pelo empresariado da construção civil.

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