quarta-feira, 19 de outubro de 2011

homens do nosso tempo





Tive a oportunidade de conviver com Wilson Fadul, fundador do PDT, ex-ministro da Saúde de João Goulart, médico e oficial da Aeronáutica, como dirigente do PDT e um amigo de leonel Brizola.

Dele, guardo a lembrança de um homem extremamente gentil, capaz de ouvir, concordar e discordar com serenidade, sem que isso tirasse dos seus olhos o brilho da paixão com que via o mundo.

Mas, como há males que vêm para o bem, a imperdoável omissão deste blog é suprida, plenamente, com o texto escrito ontem, ainda sob a tristeza de sua morte, por seu filho Wilson Fadul Filho, jornalista, e pelo médico José do Valle, um dos maiores colaboradores da campanha de Leonel Brizola à Presidência, na área da Saúde.

Ganham os leitores, com o belo texto e a promessa de histórias contadas por quem as ouviu e registrou com a intimidade filial; ganho eu pela supreendente descoberta que Fadul nasceu na mesma pedida vila de Conservatória, no interior do Rio de Janeiro, a mesma onde nasceram meu avós, o que acrescenta ainda mais ternura na memória que fica deste grande e afável brasileiro, que só sabia ser intransigente quando estavam em jogo princípios.

“A história nos empurra, nós empurramos a História”

“Hoje, 18 de outubro de 2011, às sete horas da manhã, rachou-se a estrutura sólida do mundo bio-psicoquímico e cibernético desta era. A era ainda colada à metafísica da dualidade humana do corpo e da alma. A era que mecanizou a alma em mente e a tornou apenas a função de performance na produção capitalista. Naquelas primeiras horas da manhã, aqui no Rio de Janeiro, numa Casa de Saúde, assistido pela mecânica de aparelhos médicos digitais, morria o médico e político brasileiro Wilson Fadul. Morria em consequência de um procedimento médico justificado pela necessidade de salvar-lhe a vida. Pediu para sair dali, estava cansado, queria ir para casa. A casa que é o princípio a negar a tal estrutura sólida com a qual comecei este texto.

Antes do atestado de morte cerebral, tivera uma parada cardíaca, certamente
foi “ressuscitado” e ficou em coma profundo até o ato de retirada dos aparelhos e quando a família recebe a notícia. Naturalmente entre o “negócio” de solubilidade do corpo, as razões sociais e principalmente políticas toda a família se mobiliza pelo resto do dia.

Além da notação histórica o que interessa é este homem e tudo que mobilizou num longo processo de existência no movimento. Ora como movimento da existência e noutra com a existência no movimento. Por isso mesmo é história: o mundo Greco-romano, a civilização ocidental, o sentido tribal de suas origens árabes, as fazendas de café do novo mundo e um profundo respeito pelo mundo francês do século XX.

Wilson Fadul nascido em fevereiro de 1920, como ele disse: eu nasci…na estação da estrada de ferro Sul de Minas, que não existe mais. Isso em Conservatória, distrito de Valença no Rio de Janeiro. Fadul, com mais de 91 anos de idade, falava de sua história, do mundo e do pensamento humano como de fato somos os humanos: um todo não mecânico. Dessa forma ele rechaçou peremptoriamente a visão de um mundo petrificado e pasteurizado imposto pela mídia desta pós-modernidade vazia.

Naquela idade, isso ainda foi há menos de uma semana, ele não dependia da bioquímica cerebral, das teorias que articulam computadores com a malha neuronal e nem do sistema circulatório para expressar a existência. Nenhum sinal demente ou qualquer atributo perfomático que reduz a idade avançada a um mero desempenho.

Na verdade ele viveu intensamente o século XX. Viveu num Brasil monopolista do café até um país industrializado, diversificado e urbano. Fez jornadas incríveis no pantanal de Mato Grosso do Sul, em pastagens de bovinos selvagens e perigosos e com água na cintura em coleções compartilhadas com sucuris enormes. Andou e foi alvo de grandes manifestações nas colinas do Líbano e passeou pelas paragens italianas em busca do passado romano.

Ele viveu o ambiente essencialmente político do Rio de Janeiro, desde as escaramuças da UDN para derrubar Getúlio e Juscelino até a transferência para Brasília. Conviveu com Flores da Cunha e todas as tardes até certas horas da noite estavam numa roda de convivência da elite política do Rio de Janeiro na casa de Osvaldo Aranha. Foi contemporâneo de todos os políticos da UDN, PSD e PTB dos anos 50 até os tempos da ARENA e do PMDB. Tinha apreço enorme pela memória de Santiago Dantas, com quem trocava análises com frequência.

Fadul junto com Ênio da Silveira, Edmundo Muniz e outros companheiros fundaram a Editora Paz e Terra que tantas publicações interessantes traduziu no Brasil na época da ditadura. Ele foi um dos grandes artífices da Frente Ampla que conseguiu juntar Jango, Juscelino e Lacerda contra o regime militar. Estava se preparando para um almoço com Rubens Paiva quando foi avisado por José Aparecido que ele havia sido preso pela ditadura.

Toda esta história e muitos fatos ainda não publicados sobre os acontecidos nos bastidores da política de então nos foram revelados em longas tardes de gravações. E com tal riqueza de detalhes, datas e citações, testadas por outras fontes que, enfim nos remete para o que apontamos no início. O ser humano não é esta dualidade mecânica de corpo e mente, ele é uma dinâmica histórica, interativa e construtiva de uma realidade que ao mesmo tempo o empurra e é empurrada por ele.”

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