As cascas de banana no debate educacional
A meritocracia e a avaliação dos professores estão longe de ser o principal problema da educação pública no Brasil. É importante assinalar que o processo de introdução destes conceitos no debate educacional andou de mãos dadas com a ofensiva privada no setor e com o seu sucateamento ao longo das últimas décadas. Os conceitos de “meritocracia” e “avaliação” não caíram do céu. Eles têm base histórica e, como em outras “invenções conceituais” dos partidários do Estado mínimo, eles apostam em algumas supostas obviedades que seriam caras ao senso comum: é óbvio que sem professores qualificados não há educação sem qualidade, é óbvio que todas as pessoas, seja lá qual for sua atividade profissional passam por algum tipo de avaliação, por que com os professores seria diferente?
Todas essas parecem ser questões óbvias, mas, muitas vezes, o que é apresentado como “óbvio” torna-se um pouco menos óbvio quando considerado dentro de um contexto. A falácia fundamental do debate sobre a meritocracia – e sobre os critérios de avaliação que constituiriam a base do “mérito” – consiste em eliminar do debate o processo de sucateamento e privatização da Educação, atribuindo a principal parcela de responsabilidade sobre os problemas de ensino nas costas de professores mal pagos e superexplorados. Seria de rir se não fosse trágico e cínico. Exigir boa formação dos professores é uma obviedade. Também o é dizer que a formação de um bom professor começa já nos bancos escolares, com o contato dos estudantes com professores que servem de exemplo profissional e de vida.
Em muitos casos, o exemplo que nossos estudantes têm hoje é de um profissional estressado, angustiado, correndo de um lado para o outro para sobreviver. Virou tarefa de gincana encontrar um adolescente que, perguntado sobre o que quer ser quando crescer, responde: professor. Isso nem sempre foi assim. Escola pública já foi sinônimo de qualidade – e ainda é, no caso do ensino superior – e ser professor, professora uma condição almejada. Essa condição passada também não caiu do céu, tem uma raiz histórica que remonta à Revolução Francesa. Os ideais republicanos da igualdade, liberdade e fraternidade materializaram-se, entre outras coisas, na construção de uma rede de educação pública de qualidade que influenciou todo o mundo. Essa escolha revolucionária só virou realidade com muito suor e sangue.
O discurso que afirma que o problema da educação pública é “de gestão”, que requer métodos gerenciais mais “eficazes”, da iniciativa privada, é ideologia pura. É o mesmo discurso que, ao mesmo tempo em que prega a redução do Estado, critica a ineficiência do Estado sucateado por suas políticas. É o discurso que tem aversão ao público a não ser quando ele pode servir como uma nova fonte de lucro. É o discurso de quem criminaliza diariamente a política, o Estado e os servidores públicos. No Chile, milhares de estudantes e professores estão nas ruas contra esse modelo que, naquele país, foi aplicado em sua quase totalidade. Resultado: mesmo a educação pública é paga no Chile. Muita gente sonha em implementar esse modelo no Brasil. Esse é o centro do debate. Não a meritocracia e outras cascas de banana jogadas no chão.
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