quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A saga da família Goulart


Homenagem aos familiares de Jango




Os restos mortais de Jango vão ser devolvidos a São Borja. Não conheço todos os familiares do ex-presidente que estão por aí e que carregam marcas e lembranças desse grande homem vilipendiado pela mídia, ao longo dos anos, numa estratégia intencional de desqualificação para justificar o golpe dado por civis e militares no final de 1964. Conheço bem o Christopher, neto de Jango, a quem admiro muito pela determinação permanente em resgatar a memória do heroico avô. Christopher segue o caminho do seu pai, João Vicente, e da sua tia, Denise, que jamais se cansam em buscar esclarecimentos sobre a morte de João Goulart e de trabalhar pela recuperação da sua imagem.

Conheço Maria Thereza Goulart. Ela me fascina. Que ] mulher especial! Quase uma menina, linda, viveu as turbulências do anos 1960 como esposa de um vice-presidente, depois presidente, por fim um exilado político. Enfrentou quase todo tipo de maledicência, de calúnia e de difamação. Soube enfrentar tudo com dignidade, altivez e, quando necessário, processos na justiça. Penso no seu calvário (insisto nessa palavra) – rica, jovem, apaixonada pela vida e bela – de exilada. O Brasil tão perto e tão longe. A vida chamando-a num tempo de grandes mudanças comportamentais e ela carregando suas múltiplas facetas: esposa, mãe, mulher, ex-primeira-dama, companheira de um homem poderoso, milionário, marcado pela solidão da perda do poder e pelo ódio dos inimigos.

A saga da família Goulart é digna de romance e de filme. Não perde nada para a saga dos Kennedy. Maria Thereza era mais bela do que Jacqueline. Vejo em todas essas pessoas, cada uma do seu jeito e com suas vivências, um respeito profundo à memória de Jango. Não me venham dizer que não sei isto ou aquilo dos bastidores. Sei o mais importante, aquilo que se revela nessa aventura cotidiana das lembranças, das homenagens e dos reencontros. Imagino que tenham existido desencontros, desentendimentos, momentos de desânimo e de incerteza. Sobre tudo isso se eleva a cumplicidade do sofrimento e das perdas e ganhos. Jango morreu na cama, em Mercedes, ao lado de Maria Thereza. Ela o viu morrer. Ela o enterrou, em São Borja, naquele tórrido dezembro de 1976. A foto dela, numa revista da época, é a imagem da devastação. Como disse o grande poeta latino-americano, “há golpe tão tristes na vida, eu não sei!” Sabemos.

Penso em Maria Thereza com carinho. Deve ser uma terrível experiência enterrar o marido pela segunda vez. Penso em João Vicente, um lindo menino abraçado ao pai no começo, em abril de 1964, do exílio em Montevidéu. Penso em Denise, que cresceu nesse país estrangeiro tão próximo e tão distante. Penso em Christopher, que nasceu exilado, em Londres. Penso nessa família afetada para sempre pelo golpe midiático-civil-militar de 1964. O mundo deles mudou para sempre sem que eles pudessem se defender. Penso nos irmãos de Christopher que não conheço. Penso em Jango. Que ele descanse, enfim, em paz. Redimido. A história já sabe que ele estava certo. Antes do tempo.

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