sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

como a pobreza gera mais pobreza

Educação está ruim? Mas tudo bem, a criança trabalha

Sakamoto
 
Para botar um pouco mais de lenha na fogueira da situação da educação no Brasil.

O início do período de preparação da terra, plantio ou colheita em grandes municípios produtores agrícolas está relacionado ao abandono escolar nos municípios de nascimento e residência de trabalhadores. Há uma relação já comprovada entre a migração, os períodos de safra e o êxodo escolar. As crianças são levadas para ficar com a família (quando todos viajam juntos devido ao trabalho do pai), mas alguns adolescentes deixam estudos para conseguir serviço. Por exemplo, em junho, uma reportagem da Folha de S. Paulo apontou que uma única escola de Timbiras, interior do Maranhão, perdera 35 alunos de um total de 390 no período de safra. Essa cidade faz parte de uma região fornecedora de mão-de-obra para o corte da cana no Centro-Sul.

Vamos exemplificar isso com pessoas reais. Para fazer uma pesquisa sobre como a pobreza gera mais pobreza, entrevistamos um grupo de pessoas que foram submetidas a condições extremas de exploração de trabalho no campo e só saíram dessas condições por intenvenção direta do poder público. Selecionei três que representam um padrão:

Trabalhador 1: Estudou com um parente mas, até hoje, aos 44 anos, não sabe escrever nem o próprio nome. Começou a trabalhar para ajudar a família, que era pobre. Não se lembra quantos anos tinha quando começou a trabalhar, mas ainda era menino. Segundo ele, o pai sempre o fez trabalhar na roça para ajudá-lo. Chegou a freqüentar a escola, mas abandonou para colaborar com a renda da família.

Trabalhador 2: Estudou até a 8ª série do ensino fundamental. Segundo ele, começou a trabalhar com 18 anos e não foi por necessidade familiar e sim para ganhar dinheiro para si mesmo. De acordo com o trabalhador, ele sempre gostou de trabalhar em fazenda. Possui 25 anos.

Trabalhador 3: Começou a trabalhar aos 14 anos porque a família era muito pobre. No início, com produção de hortaliças, depois foi para uma oficina mecânica, perto de onde os pais moravam. A primeira vez que deixou a escola foi aos sete anos de idade porque o pai não tinha como morar na cidade para que ele pudesse estudar e não havia escolas no local para onde ele se mudou. Depois, aos 14 anos, teve que trabalhar. E não podia continuar estudando porque o local onde ele trabalhava ficava a 30 quilômetros da escola mais próxima. Parou quando estava na 3ª série do ensino fundamental, sem conseguir ler muito bem. Continuou os estudos depois que casou, aos 20 anos, quando foi até o final o ensino médio, trabalhando de dia e estudando à noite. Tem 27 anos.

Ações como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Bolsa Família contribuem para manter a criança na escola. Mas não são suficientes. Muito menos garantem o interesse dos alunos na sua própria formação. Leitores questionam quando digo isso, defendendo que crianças e adolescentes não têm que gostar ou deixar de gostar de nada, que é obrigação deles aceitarem tudo o que é empurrado goela abaixo, como se um remédio amargo fosse bom simplesmente porque é amargo e que pessoas com pouca idade não têm idéia do que é melhor para elas. Isso! Pedagogia de sucesso!

Mas tanto sabem que fazem um cálculo que lhes parece racional, deixando uma escola que, a seu ver, não os levará a lugar nenhum porque não considera sua realidade, não foi pensada para suas necessidades, com professores desmotivados e despreparados a fim de tentar a sorte em um sub-emprego em alguma fazenda no interior do país. Vão atrás do curto prazo, pois é nele que está a sua sobrevivência e a de sua família, mas também porque o sistema educacional e, neste caso, o Estado não consegue lhe mostrar algo além do horizonte.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, a maioria das crianças que não possui acesso à educação básica começou a trabalhar em idade precoce. Os altos índices de trabalho infantil, aliás, estão diretamente associados à queda na qualidade da educação e à desigualdade de gênero em um país. Problemas que se não corrigidos comprometem a capacidade nacional de desenvolvimento econômico e social. E, de acordo com a OIT, os meninos e meninas trabalhadores rurais tendem a estar entre os mais desfavorecidos entre todos.

Aqui surgem os leitores bradando: mas eu trabalhei cedo e isso moldou meu caráter! Tá, tá, tá. Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação é bonita o suficiente para ser copiada pelo seu filho ou filha (dos outros). Mas será que não imaginam que o trabalho infantil, que atrapalha o desenvolvimento da criança, não precisa ser hereditário? E que a luta maior é por educação de qualidade?

A Organização Internacional do Trabalho recomenda que o itinerário de trabalho não deve começar com um emprego, mas com a educação, a formação ou a acumulação de experiência produtiva. Segundo o organismo das Nações Unidas, um fator que limita tais caminhos é exatamente a deserção escolar, além da inserção precoce ou precária no mercado de trabalho, uma gravidez não desejada ou entornos familiares ou sociais desajustados, entre outros.

Como já disse aqui em outro post, o Brasil está conseguindo universalizar o seu ensino fundamental, mas isso não está vindo acompanhado de um aumento significativo na qualidade da educação, e os jovens entram no ensino médio sabendo apenas ordenar e reconhecer letras, mas não redigir e interpretar textos. Prova disso são os números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) divulgados pelo Uol nesta quinta. Uma educação de baixa qualidade, insuficiente às características de cada lugar e que passa longe das demandas profissionalizantes pode mudar a vida de um povo?

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