Integrantes de governos passados afirmam: Casa Militar é imprescindível
Sul21
Dia 1º de janeiro de 2011, quando o governador eleito Tarso Genro (PT) entrar no Palácio Piratini para a cerimônia de transmissão de cargo, notará que a ala à sua direita está vazia. Ali funcionava, tradicionalmente, a Casa Militar, envolvida no escândalo de acessos indevidos ao Sistema de Consultas Integradas. Uma bisbilhotagem que continua sendo investigada e que determinou a reestruturação da Casa Militar e sua transferência para o Centro Administrativo do Estado. O futuro governador, Tarso Genro, diz que “por enquanto” serão mantidos todos os cargos e as repectivas funções da Casa Militar. “Daqui para a frente, as mudanças serão discutidas na esfera pública, inclusive dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, quando for o caso”, afirma Tarso. Ele considera que a Casa Militar deve ser mantida “perto do governador”. O retorno do órgão ao Palácio Piratini é previsto por João Victor de Oliveira, coordenador da bancada do PT na Assembleia e integrante da equipe de transição.
No momento pós-escândalo, a pergunta que surge, naturalmente, é: os governos estaduais precisam de uma Casa Militar? Ou o setor pode ser extinto? Ex-chefes da Casa Civil defendem que a sua existência é imprescindível para a segurança e logística do governador. Os acadêmicos, no entanto, defendem a sua extinção. Há quem diga que a Casa Militar é um cavalo de troia: investiga os que estão fora do governo, mas também os que estão dentro. Um verdadeiro presente grego.
Apesar de não estar prevista na atual Constituição do Estado, a Casa Militar compõe, junto com outras secretarias, a estrutura organizacional da Administração. Também faz parte da chamada “governadoria”, integrada pelo Gabinete do Governador, a Casa Civil, a Secretaria do Planejamento, a Procuradoria Geral do Estado e as secretarias extraordinárias. Esta estrutura foi reforçada durante o governo de Leonel Brizola (PDT) e cresceu na ditadura. Hoje, oficiais da Brigada Militar exercem, também, função de assistentes militares na Assembleia Legislativa, no Tribunal de Justiça, no Ministério Público e no Tribunal de Contas do Estado. Uma estrutura que permaneceu intocada na redemocratização do Brasil.
Chefe da Casa Militar do atual governo, quando foi denunciado o acesso indevido ao Sistema de Consultas Integradas, o tenente coronel Quevedo informa que a Casa Militar do governo gaúcho funcionou da mesma forma por mais de 50 anos até ser reestruturada, por ordem da governadora Yeda Crusius. Foi criada em 15 de janeiro de 1954, quando Ernesto Dornelles governava o Rio Grande do Sul. O tenente coronel Marco Antônio Quevedo acredita que desde aquela época, a Casa Militar contou com um setor de inteligência, que, segundo diz, “é uma atividade fundamental para um serviço de segurança”. Até a reestruturação, a Casa Militar contava com 123 funcionários e três subchefias de operação: a que cuidava da defesa da governadora e de seus familiares, a responsável pela defesa civil e a dedicada à administração. Do governo Olivio Dutra (1999-2003) até o governo Yeda, o número de servidores do órgão aumentou 50%, ressalta Flávio Koutzii, ex-chefe da Casa Civil de Olívio. Ele assegura que a Casa Militar deve ser, ao mesmo tempo, qualificada e enxuta.
O historiador Voltaire Schilling lembra que a Casa Militar surgiu com a República, proclamada, no Brasil, por um golpe militar que colocou fim à Monarquia. Não houve participação das camadas populares. O que tornou possível a tomada do poder foi a realização de uma aliança entre os cafeicultores paulistas e a elite do Exército. No Império, a Marinha é que era forte. Líder do movimento, o marechal Deodoro da Fonseca chefiou o país até 1891, quando foi promulgada a primeira Constituição republicana do país. Deodoro, que renunciou ao cargo nove meses depois de ter assumido, foi substituído pelo marechal Floriano Peixoto. Com a República nascida sob a tutela dos militares e da espada, nada mais normal que cada estado da federação passasse a contar com suas próprias guarnições militares, subordinadas aos governos estaduais. Em caso de guerra, lembra Voltaire, estas guarnições passam a se subordinar ao Exército. “Por isso – diz ele – estas corporações contam apenas até o cargo de coronel”. A Casa Militar, segundo Voltaire, passou a ser uma espécie de Estado Maior dos governos estaduais.
No Rio Grande do Sul, recorda Voltaire, a Casa Militar, cujos servidores são oriundos da Brigada Militar, participaram de três revoluções: “a de 1893, a revolução federalista contra Júlio de Castilhos; a de 1923, dos maragatos contra Borges de Medeiros, e a de 1930, liderada por Getúlio Vargas”. Para o historiador, cabe ao governador limitar o poder da Casa Militar. Ele acredita, no entanto, que “nenhum governador acabará com ela, porque seria comprar uma briga com a corporação (Brigada Militar) que quer estar ao lado do governador, deseja ter prestígio”.
Imprescindível
Integrantes dos últimos governos gaúchos, de vários partidos, são unânimes na resposta: a Casa Militar é imprescindível. O problema está no controle de suas funções, que jamais devem ser de inteligência, como aconteceu no governo Yeda Crusius. Ações como as praticadas pelo sargento César Rodrigues são — afirma o ex-deputado Adilson Motta e ex-chefe da Casa Civil do governo Jair Soares (PDS) — um “desvirtuamento” de sua missão prioritária. A Casa Militar assegura o ex-chefe da Casa Civil do governo Alceu Collares (PDT), Mathias Nagelstein, deve se dedicar a “preparar permanentemente a estratégia de segurança do governador e da instituição”. Nada além disso. São os servidores deste setor que fazem o trabalho de precursoria em todas as viagens do governante, verificando as condições de segurança por onde ele passará e pernoitará, quando for o caso.
Mathias lembra que para a Casa Militar sempre foram indicados os melhores profissionais da Brigada Militar. Flávio Koutzii, ex-chefe da Casa Civil do governo Olívio Dutra (PT), reforça a opinião de Mathias. “(Os integrantes da Casa Militar) são pessoas disciplinadas que estão no coração do governo e tratam de informações sigilosas”, diz Koutzii, ressaltando que estas informações sigilosas são para preparar as viagens dos governantes, dizer onde podem ficar, como serão recebidos nos locais para os quais viajam. “O governante recebe informações políticas e, também, de segurança”, afirma Koutzii.
Os servidores da Casa Militar são importantes para manter a segurança do Palácio. Koutzii lembra de um episódio que enfrentou na chefia da Casa Civil: um deputado foi até o seu gabinete, acompanhado por mais 30 pessoas. Chegou, se abancou e se recusava a sair de lá. Para casos como este, “é preciso contar com pessoas que tenham competência e a Brigada Militar tem quadros confiáveis”, afirma Koutzii. “Não há como dispensar a Casa Militar. Pode-se mudar o nome do órgão, transferi-lo de lugar, mas as funções que exerce são necessárias”, diz ele.
No próximo governo petista, as funções desenvolvidas pela Casa Militar serão de defesa civil e segurança institucional do governador, afirma João Vitor. Tarso manterá a estrutura atual, definida por Yeda. Pelo menos no início do governo. A ideia é “entrar, tomar pé e ver o que se faz”, diz o integrante da transição. João Vitor ressalta que, neste momento, o certo é que a Defesa Civil será adaptada ao programa de emergências sociais do governo Tarso Genro.
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