segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

tragédia urbana em porto alegre... e os vereadores estão preocupados(?)

UMA TRAGÉDIA URBANA
 
 
A última peça de ordenamento urbano abrangente, em Porto Alegre, foi o Plano Diretor que gerou a L.C. 43/79. Ele tinha parâmetros de “controle real” sobre as constantes investidas especulativas imobiliárias, que sempre reivindicaram mudanças de conceitos e aplicabilidade desta ferramenta. Esta lei normatizou com regras claras, o crescimento desta cidade, com suas consolidadas interações e intervenções. Foi injustamente confundida como um programa da Ditadura Militar, então no Poder. Mas ela sofreu também, agressões.

Tanto é assim que, a partir da década de 80, de maneira sorrateira, infiltrou-se em uma ação permanente até hoje, no ambiente de discussão das questões urbanas de Porto Alegre, um forte lobby empresarial, contra a lei do Plano existente. Ao se permitir, no âmbito municipal, por volta de 1986, a duplicação das alturas dos prédios, alterando o pré-fixado por aquela lei, elaborou-se aí a primeira novidade urbanística, porem, sem nenhuma análise prévia. Com isso, iniciou-se a destruição da vocação unifamiliar de vários bairros como o caso do Bairro Bela Vista, ao se substituir as casas por grandes edificações verticais e desmontando as características morfológicas dos espaços, retirando das ruas, em sua convivência social e ambiental, os pedestres locais. Ausência de moradores e desconhecidos transeuntes, vieram substituir a usual presença naqueles lugares. Com estas edificações novas, foram agregados os automóveis: estranhos, indiferentes e poluitivos.

Mas, passados 10 anos, evoluiu-se para novos conceitos urbanísticos conhecidos como Estratégias de Desenvolvimento Urbano. O novo estudo de Plano Diretor, em andamento, foi sustentado, nestas estratégias, com a participação de grupos interessados no desmonte do antigo plano em vigor, e sem a presença popular. Marcou, no entanto, atuação forte de técnicos e empresários da construção civil. Isto significou que foi no assento deste novo agente, chamado Poder Econômico – que nasceu o atual texto da L.C. 434 – PDDUA, aprovado em 1999.

Na época, este plano notabilizou-se, por sua ampla divulgação. A posteriori, deu-se a conhecer o texto original do seu projeto, entre eles uma negociação previamente acordada em edificações, na parte conhecida como Projetos Especiais. Esta negociação foi revista por ações externas, que influíram nas decisões dos vereadores desta cidade. Desta feita, o documento final resultou eivado de interpretações dúbias e confusas, até em sua organização textual. A única parte realmente interessante como proposta é sua JUSTIFICATIVA inicial.

Uma avalanche de projetos novos da construção civil para aprovação na Prefeitura, se fizeram sentir, neste decenio. Portanto, a atual Administração Municipal, em razão do atropelo, e do jogo politico-empresarial, que se instalou nos corredores municipais, não encontrou tempo para estudos de outros projetos alertados nesta importante Lei. As diversas regulamentações necessárias previstas, deixaram muito a desejar. O que nos resta dizer é que hoje, a cidade mostra o que se exige dela: a retalhação urbana para possibilitar uma nova fisionomia urbanística. Para atingir este objetivo, provocou-se uma aceleração sem precedentes, para aprovar projetos – com suas razões não devidamente esclarecidas à população . Com diretrizes orientadas por um orgão chamado CAUGE, alem da receptividade dócil do CMDUA ao novo Sistema, forçou também uma agilização. Foram poucos os debates entre os integrantes deste Conselho, face sua composição deliberativa, com maioria esmagadora de defensores e aliados do Poder. Este procedimento não é original, ele foi copiado de muitas cidades brasileiras, principalmente São Paulo. Demonstra-se aqui o dominio do poder econômico, de maneira universal, levando às cidades a ser um produto, como uma mercadoria, para lucro e usura. É a tese do Mercado “laissez-faire”. Assim , o que mais impressiona, é que os encaminhamentos, as posturas e as exigências para viabilizar empreendimentos de grande porte, têm a mesma orientação em qualquer lugar do mundo, como um catecismo bíblico. Um exemplo: até agora aguardamos o cumprimento do Estatuto da Cidade e a lei complementar do EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança. Os resultados desta demora, também comuns em outras comarcas, é boa para quem?
O ingresso incrível de automóveis na malha urbana, onde a circulação viária sofre um descontrole , supera e despreza os pedestres, e traz insegurança generalizada. As vias, por não terem novas propostas para este estado de coisas, transformaram-se em pistas perigosas e barulhentas.

Orla do Rio Guaíba, vista da Usina do Gasômetro.
Orla do Rio Guaíba, vista da Usina do Gasômetro.

Mesmo assim, este novo Plano Diretor não serve mais aos interesses dos empreendedores. Eles querem mais… e para isso apresentam projetos à feição dos seus interesses privados, caso a caso, tudo como “Projetos Especiais”, tais como o Pontal do Estaleiro para a Ponta do Melo, o prédio de escritórios do Shopping Praia de Belas, os estádios da dupla Gre-Nal e áreas circundantes, o aumento do Shopping Iguatemi e as 4 torres de 95 metros de altura do Barra Shopping, desfigurando, por fim, a cidade de Porto Alegre como Cidade Sorriso. Mas, atentem, porque virão mais… São “planinhos diretores” pontuais, com alterações de conveniência para o setor privado. Temos hoje, então, uma cidade falsa, virtual, socialmente separatista, referendada pela municipalidade e grupos empresariais. Existem apreensões agora pela expectativa do perigo que ronda a Orla do Guaíba, em novos empreendimentos. Sua característica formal, cultural e patrimonial, e sua saudável linearidade, onde o por-do-sol é extraordinário, e é referencia turística aos cidadãos de fora, está submetida a um tumultuado jogo de grupos especulativos, ao estimular e priorizar a Orla para grandes negócios privados. Assim, querem alterar a LC 470/02 para este desejo. É bom salientar que se está interpretando diferenças, na midia, sem uma análise mais apurada, os objetivos reais desta lei. Os empreendedores, em suas iniciativas, ainda provocam a varredura da população de baixa renda, para não desvalorizar seus propósitos. Cada vez mais, do lugar urbano onde vivem, estes cidadãos são varridos para a periferia, muitas vezes a contra gosto, tirando-lhes a cidadania e, em troca, mesmo com oferta de moradias – indignas, por suposto – devolve-lhes o estigma de párias ou criminosos sociais.

Ao não se aplicar mais o documento legal em vigor, em sua maneira concebida como tal, ela é submetida a constantes alterações, (LC 434/99). Despreza-se a Sustentabilidade – um termo tão em moda – e cujo real significado é colocar, em um mesmo plano, os interesses sociais, ambientais e econômicos. O padrão, para que tenhamos um salutar equilíbrio, não está acontecendo, pois muitos pareceres interpretativos, estão levando a questionáveis decisões processuais no Município. Acentuamos aqui, na espécie, a repetida mudança dos Regimes Urbanísticos, demonstrando com isso a fragilidade pública oficial, e desconsiderando a sociedade como um todo. Pois a comunidade participativa, faz aumentar sua voz, em atitude inconformada e revoltada. Não se está mais aceitando o açodamento de retirar a qualidade de vida, das populações e dos ecossistemas, devido a esse Poder Econômico, que intervem com a última palavra em tudo. Deve-se apoiar e respeitar as Leis deste País, quando elas têm, em princípios, visão social e ambiental, inequívoca.

É dever defender o patrimônio público, conforme sua interpretação legal, e também conforme a Lei Orgânica do Município. A Câmara Municipal parece desconhecer sua legislação maior, diante dos recentes acontecimentos, entre eles, o, que envolvem a ocupação da Ponta do Melo, na Orla. Entenda-se que o desejo popular tem se acentuado para que se dote as margens do Guaíba de um Grande Parque, para integração social , ambiental e de transição espacial, já existente em alguns pontos, como prêmio maior a esta Mui Leal e Valerosa cidade de Porto Alegre.

Porto Alegre, 05 de março de 2009.

Arquit. Nestor Ibrahim Nadruz, em nome da AGAPAN

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