quinta-feira, 28 de outubro de 2010

a morte do general calçacurta - III

Eu e o Jacaré nos olhamos, está mais que na hora de sepultar o General. A situação está ficando irrefreável. O ruído das pessoas que estão do nosso lado são as suas vontades de gritar e acenar pra que todos voltem pra suas casas. Um dos carregadores da alça de caixão, devidamente pago com horas-extras, me chega por trás e segreda


─ O povo tem muitas cabeças e nenhum miolo.

Continuo controlado.

Num dado momento, aqueles comunistas desgraçados começam a cravar cruzes brancas pelo campo verde daquela alameda. Enquanto atrás sustentam uma faixa (Desaparecidos políticos desde 1964). Ficaram mudos, não xingam, não gritam, apenas vazam o gramado com suas cruzes. O cortejo segue em passos lentos e graduais, as ordens são pra não acelerar nada. O General nunca correu em vida e, por certo, não vai querer correr depois de morto. Enquanto vou lendo aqueles nomes minha memória de motorista de prostíbulo não me faz dizer nada, mas percebo no general-de-exército, empunhando nosso estandarte na sua cadeira de rodas, ganas de sair passando por cima de todos. O que o mantém na cadeira são suas pernas imprestáveis, mas as suas mãos agarradas e enterradas na madeira da cruz fazem um último ataque. Atira o estandarte naquelas cruzes fincadas na carne da terra.

Vamos caminhando e os nomes vão sendo cravados

(Adriano Fonseca Fernandes Filho – 1973/Araguaia, Aluízio Palhano Pedreira Ferreira – 1971, Ana Rosa Kucinski Silva – 1974, André Gabois – 1973/Araguaia...

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