Previsível, repetitiva, chata: nossa mídia em coma intelectual
Viomundopor Luiz Carlos Azenha
O professor Jay Rosen foi mencionado na coluna do Glenn Greenwald, da revista eletrônica Salon, como tendo dito que a imprensa-empresa dos Estados Unidos está morta, diante dos fracassos que promoveu em anos recentes, especialmente no período que antecedeu a invasão do Iraque.
Como eu morava, então, em Nova York, vi tudo muito de perto. Se existe uma repórter que, individualmente, promoveu a invasão do Iraque, foi a veterana Judith Miller, no New York Times (desde então demitida).
Ela foi “cavalgada” de forma espetacular pelas forças que pregavam a invasão do Iraque baseadas na teoria das “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein.
Eu me lembro perfeitamente de ler no Times sobre os tubos de metal que seriam indício de que Saddam montava centrífugas clandestinas para enriquecer urânio; eu me lembro perfeitamente de ler sobre os laboratórios móveis para produção de armas químicas; sobre os aviões não tripulados que dariam ao ditador iraquiano a possibilidade de espalhar veneno sobre cidades americanas.
Tudo isso culminou, obviamente, com aquele teatro de fazer corar os ficcionistas de Hollywood que nos foi proporcionado pelo então secretário de Estado Colin Powell nas Nações Unidas (eu estava lá, cobrindo pela TV Globo), quando ele apresentou as “provas” contra Saddam.
A grande dificuldade para todos os leitores, hoje em dia, é separar o jornalismo do lobismo implícito ou explícito. No Brasil, o caso recente do banqueiro Daniel Dantas deixou explícitas (graças a gente como o Luís Nassif, por exemplo) essas conexões.
Mas o lobby, muitas vezes, não é específico. Trata-se da defesa de dogmas. No Brasil, qualquer tentativa de regulamentar a mídia, por exemplo, é vista como “censura”. Na política externa, qualquer questionamento ao status quo é visto como antiamericanismo. Na economia, a pregação pela ortodoxia sobreviveu à crise econômica internacional.
Deriva daí a previsibilidade dos grandes jornais brasileiros e a completa incapacidade que eles desenvolveram de genuinamente surpreender os leitores (para além dos truques fáceis, como o de publicar a foto de um colunista vestido de mulher).
Eu juro que bocejo ao ler a Folha, o Estadão, o Valor e o Globo diariamente (já me livrei deste último). Repetitivos e, francamente, chatos. Acabou a relação custo-benefício. Eu me surpreendo muito mais navegando e lendo (de graça) blogs e sites na internet.
Quando me surpreendo nos jornais, é com algo que não foi escrito por um jornalista.
Neste caso, de um empresário que identificou o “coro das vozes da ortodoxia” que se expressa na mídia brasileira:
O risco da mão pesada
por Benjamin Steinbruch*, na Folha de S. Paulo
O coro das vozes da ortodoxia canta alto nestes dias entre a eleição e a posse do novo governo. Vibra com os anúncios de que vem aí um forte ajuste fiscal, com cortes profundos nos gastos públicos. Vibra também com a proximidade de uma nova rodada de aumentos dos juros internos, uns prevendo a primeira etapa dessa elevação já na reunião de amanhã do Copom e outros esperando isso para janeiro. E ainda aplaude o aperto no crédito anunciado pelo Banco Central.
Ninguém pode, em sã consciência, ser contra austeridade fiscal ou combate à inflação, recomendáveis em qualquer situação e em qualquer país. São corretos, portanto, os alertas sobre o aumento dos gastos públicos correntes no ano eleitoral. Dados do Banco Central comprovam a deterioração das contas públicas. Mesmo com manobras contábeis que somaram R$ 35 bilhões – entre essas, principalmente, o reforço de R$ 32 bilhões decorrente da capitalização da Petrobras -, o superávit primário ficou abaixo da meta no período de janeiro a outubro.
Apesar da importância do esforço para buscar o equilíbrio das contas públicas, o tom alarmista na abordagem desse tema é inadequado e exagerado. O País precisa de mais austeridade e de firmeza no combate à inflação, mas não está à beira do abismo nessa matéria.
O Brasil está saindo de um período em que foi preciso elevar o gasto público para injetar adrenalina numa economia deprimida por fatores externos. Como a crise atingiu a todos, é relevante comparar nossa situação com a de outros países. O déficit público nominal, aquele que inclui também os gastos com juros da dívida pública, está em torno de 2,5% do PIB nos 12 meses findos em outubro, ou R$ 87,8 bilhões.
Expurgando-se todas as maracutaias contábeis, esse déficit ficaria ainda em torno de 3,5% do PIB, um pouco abaixo do nível da saudável Alemanha e muito aquém do observado em outras poderosas nações desenvolvidas (10,1% no Reino Unido, 9,0% nos Estados Unidos, 7,5% no Japão, 7,8% na França, 9,7% na Espanha e 37% na Irlanda). Em toda a zona do euro, o déficit nominal médio alcança 6,5% do PIB.
Não é correto, portanto, examinar a situação difícil das contas públicas sem colocá-la no contexto da conjuntura mundial, que mostra esses déficits espetaculares nas grandes nações industrializadas.
Além disso, é necessário considerar um segundo aspecto: o déficit nominal brasileiro decorre em grande parte de uma equivocada política de juros internos. Só três países – Venezuela, Argentina e Paquistão – praticam hoje taxa de juros mais alta que a brasileira. Nossa Selic de 10,75% tem um enorme impacto nas contas públicas. Nos últimos 12 meses, os juros nominais pagos para o carregamento da dívida pública de R$ 1,5 trilhão alcançaram R$ 187 bilhões, ou 5,37% do PIB.
Uma redução de dois pontos percentuais na taxa básica de juros poderia representar economia de uns R$ 30 bilhões – quase 1% do PIB – para os cofres públicos.
Preocupa o dominante olhar conservador lançado sobre essas questões. Nenhum destaque e nenhuma ênfase têm sido dados ao volume astronômico de gasto público decorrente da taxa de juros desajustada, que se pretende elevar ainda mais. Se a dívida exibe uma fatura de juros de R$ 187 bilhões em 12 meses, haja esforço fiscal para pagá-la.
Para resumir, diria que a situação difícil das contas públicas exige austeridade e a inflação precisa de cuidado, mas esses problemas não são dramáticos. Além disso, no médio prazo, a redução da taxa de juros básica para níveis civilizados é necessária e possível. Se essas ressalvas não forem levadas em conta, há o risco de que, ao usar uma mão pesada demais, o novo governo acabe por abortar o crescimento que, pela primeira vez em décadas, parece ter tomado um ritmo sustentado, a despeito da crise internacional.
Vários sinais indicam que estão em curso medidas para puxar a economia para baixo: corte de gastos do governo, inclusive de investimentos, aumento de juros, aumento de impostos e restrições ao crédito. Segurar a economia é fácil. Difícil será reanimá-la depois.
*Diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp
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