quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

e a mídia mentirosa não vai se manifestar pela liberdade de expressão (?) (?)(?)

Heloisa Villela: A doença e o dinheiro. Ou seria a doença do dinheiro?

Viomundo

por Heloisa Villela, em Washington

Fui ver, com um pouco de atraso, o filme “Inside Job”, sobre a crise econômica deflagrada em 2008. Crise que nasceu lá atrás, ainda no governo de Ronald Reagan, e foi alimentada pelos sucessores George Bush (pai), Bill Clinton e George W. Bush (o filho). Um longo processo de desregulamentação do sistema financeiro permitiu, em níveis cada vez mais espantosos, a tomada de riscos. Bancos passaram a usar os depósitos dos clientes para especular sem limites. Antigamente, depois da crise de 29, isso era proibido. Os bancos de investimento, no passado, investiam com o dinheiro dos sócios. Os chamados “partners”. Mas as barreiras foram derrubadas paulatinamente. Os bancos foram enriquecendo e investindo, cada vez mais, nos grupos de lobby e nas campanhas eleitorais (presidentes, senadores, deputados…), para contar com garantias políticas cada vez maiores para brincar à vontade com o dinheiro.

Até aí, não contei nenhuma novidade. O governo da “não-mudança” Obama assumiu em janeiro de 2009 e imediatamente instalou nos cargos mais importantes da administração econômica do país todos os responsáveis por esta ciranda. A maioria, ex-funcionários da Goldman Sachs, uma das empresas que mais apostaram nos produtos financeiros que faliram clientes e a que melhor se safou dos prejuízos.

Bem, voltando ao filme, ele mostra, com muita transparência, todo o desenrolar da crise, o que aconteceu com milhares de pessoas que não puderam mais pagar a prestação da casa e o que não aconteceu com os responsáveis pelo desastre. Mais do que isso, o filme revela, com clareza, o processo de compra de influência na política americana. E esse é o ponto que me interessa e que eu vejo como um sinal importante para nós, no Brasil.

Muito se fala da reforma política, no nosso país. Ao longo de todos esses anos no exterior, sempre vi, e muitas vezes tive que participar, da produção de matérias sobre aspectos da vida política, da gestão econômica e até mesmo da administração da segurança pública, nos Estados Unidos, como exemplo para a adoção de políticas semelhantes no Brasil.  Pois então, a hora é de alerta. De ver o que se fez de errado aqui para não repetir um modelo falido. Os Estados Unidos chegaram, agora, ao ápice de um sistema corrupto na relação da política com o poder financeiro. A ponto da Suprema Corte do país ter aprovado uma medida que permite a qualquer grupo, nacional ou estrangeiro, financiar campanhas políticas sem se identificar. Anônimamente. Um escândalo, eu diria. Mas aparentemente, passou batido e ninguém grita contra. A não ser meia dúzia de três ou quatro sites “progressistas”.

Isso tudo me fez pensar em outro tema que me interessa muito.  E que tenho tentado acompanhar de perto, da melhor maneira possível: a síndrome da Doença do Déficit de Atenção. Fonte de lucros cada vez maiores para a indústria farmacêutica, essa chamada doença é um apanhado de sintomas diferentes em cada criança, que são todos tratados da mesma maneira: estimulantes. Pois ontem me chegou, pela internet, a cópia de um artigo do Alfie Kohn, um escritor muito respeitado na área da educação e da análise do comportamento. Ele faz um longo apanhado do desenvolvimento do diagnóstico da ADD, começando em 1902, quando os tais sintomas foram descritos, pela primeira vez,na Grã-Bretanha, como um defeito do controle moral.

De lá prá cá, a doença mudou de nome várias vezes: dano cerebral mínimo, disfunção cerebral mínima, reação hipercinética, déficit de atenção com hiperatividade. E se a hiperatividade já foi o foco dos psiquiatras, hoje é o déficit de atenção que está no centro dos diagnósticos. Há mais de duas décadas se formou um “consenso” entre os cientistas  americanos de que a melhor — e talvez única — maneira de lidar com essa doença indefinível seria medicar a criançada. O remédio mais popular, nos anos 70, era a Ritalina. As crianças paravam de pular, de subir nos móveis, de desobedecer e se tornavam uns anjinhos. Em alguns casos, pareciam uns zumbis. Hoje em dia a Ritalina deu filhote. Existem vários outros remédios, com diferentes composições, mas com a mesma base química. Apenas a dosagem foi refinada, para evitar o efeito zumbi fazendo com que a criança se sente, comportada, na sala de aula, sem ficar ausente.

Voltando ao artigo do Alfie Khon, ele mostra que não existe, até hoje, depois de mais de 40 anos de pesquisas, nenhuma prova da existência biológica ou orgânica da doença. Desenvolvimento cerebral, danos no sistema nervoso ou algo do gênero. Então caio naquela conversa com meus botões:

- Então, por que os remédios?
- Porque a experiência prática provou que eles funcionam.
- Mas as pesquisas mostram que eles funcionam  em todas as crianças. As que têm ADD e as que não tem. E aí?

O Doutor Kenneth Gadow, da Universidade de Stony Brook, em NY, acompanhou grupos de crianças e mostrou que os remédios não alteram o rendimento escolar dos alunos. Claro, como diz Alfie, o remédio não cria habilidades ou capacidades. Ele apenas sossega a criança. Mas se ela está com dificuldade de aprender em geral, ou em alguma área específica, o problema dela continua ali, sem ser atacado. Pesquisadores canadenses (claro, canadenses) tiveram a ousadia de sugerir que as crianças tem ADD em decorrência das dificuldades acadêmicas, ao contrário da ideia de que as dificuldades acadêmicas são resultado da ADD.

Agora sim, vou conectar as duas coisas, prá quem teve paciência de chegar até aqui. Alfie lembra que desde os anos 70 os pesquisadores sabem que a maneira de ensinar muda, completamente, o desempenho das crianças ditas portadoras de ADD. Em ambientes que respeitam o tempo delas, que incluem a criança no processo de aprendizagem e definição de objetivos, onde elas têm uma atenção mais individualizada (aquela professora que para ao lado do aluno, senta com ele na hora em que está mais difícil fazer uma tarefa, rola até um carinho, quem sabe… aqui não, seria assédio).

E aí o Alfie pergunta: por que não vemos mais pesquisas nessa linha? Na direção do contexto social, da relação familiar, na interação dentro da sala de aula? Por que não avaliamos os sintomas desta chamada síndrome dentro da sociedade, do que ela está passando, do que as crianças enfrentam hoje em dia?

Alfie insiste: apesar do fracasso de tantas pesquisas na busca de uma causa biológica, os investigadores continuam insistindo na mesma llinha.  Para cada estudo que investiga a situação familiar das crianças hiperativas, existem centenas sobre anormalidades neurológicas. “E esse é o tipo de pesquisa que recebe fundos – não apenas no caso da hiperativaidade mas da saúde mental de forma genérica – possivelmente porque os pesquisadores (e os financiadores) foram treinados assim”, afirma Alfie. Ele ainda observa que, segundo o psicólogo Abraham Maslow, se as pessoas tem apenas um martelo, vão tratar tudo que aparece pela frente como prego.

Ele ainda cita outros psicólogos para destacar que os cientistas (ao menos os americanos) se sentem mais seguros trabalhando na esfera biológica, uma base firme, do que no âmbito do social/cultura/emocional, muito mais ambíguo.

No filme Inside Job, a formação dos economistas e a relação das grandes instituições de ensino do país são questionadas. Muitos professores consagrados e respeitados, das melhores universidades de economia dos Estados Unidos, ganham dinheiro de verdade prestando serviços de consultorias às empresas de Wall Street. E não têm obrigação de revelar como ganham o que ganham.

Ou seja, na ciência, na política ou nas faculdades de economia, existe nos Estados Unidos uma clara influência do poder econômico determinando, muitas vezes, o que se pesquisa, o que se pensa e como se pensa nesse país. É prá lá que nós queremos ir?

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