quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

e você na fé que ela é a sua porta-voz... nem porta-bandeira

Zero Hora: porta voz das construtoras

Jornalismo B

Um jornal tem 23 anúncios num dia, fora os internos. Desses 23, sete são de construtoras, 12 são de concessionárias ou marcas de carros, e quatro são de outras marcas e setores variados. Quando esse jornal for fazer reportagens sobre privatização de terrenos públicos ou sobre poluição, mobilidade urbana ou outros temas que envolvam transporte, como serão essas reportagens? Pois esse é o retrato da publicidade na edição do último sábado do jornal Zero Hora, que mais ou menos se repete todos os dias.

Nas construtoras, são quatro páginas inteiras para a Rossi, uma para a Alphaville, além de dois rodapés. Nos automóveis, seis páginas inteiras, duas meias páginas, dois rodapés, um pequeno quadradinho na capa e mais um anúncio no meio da página do Informe Econômico. A conclusão é muito simples: as construtoras e as montadoras e revendas de veículos sustentam praticamente sozinhas o jornal. Ao mesmo tempo, o jornal ajuda a sustentar essas empresas, e não apenas através do espaço publicitário.



Um exemplo vem no próprio anúncio da Rossi publicado nas páginas oito e nove da edição de sábado de Zero Hora. Boa parte da primeira página da propaganda é dedicada à reprodução, na íntegra, de uma reportagem…adivinhem de quem…da própria Zero Hora! É um raciocínio lógico muito simples: as construtoras anunciam e financiam o jornal – o jornal publica matérias favoráveis a elas em algum nível – as construtoras usam as matérias em seus anúncios no próprio jornal. Esse último item não é muito usado, já que escancara a equação e joga no lixo a ideia da imparcialidade pregada pelo veículo. Nada contra os anúncios, são eles que sustentam financeiramente boa parte dos veículos, principalmente os impressos. Mas, dessa forma, onde vai parar a independência editorial?

A matéria, como tantas outras, exalta os avanços do mercado imobiliário em Porto Alegre. O título é “O futuro está em obras”, e a data é 21 de novembro, seis dias antes da publicação do anúncio. Como é óbvio a partir do momento em que é usada, na íntegra, em uma peça publicitária, ela é amplamente favorável às construtoras, e essa é a postura diariamente defendida pelo jornal, em suas opções e omissões. O caso do terreno da Fase, tantas vezes comentado aqui no início do ano, é apenas um dos mais gritantes. Também pode ser lembrada a total ausência de questionamentos sobre a necessidade de uma reforma urbana, sobre a forma como a proliferação de condomínios fechados agem na construção social ou sobre a construção de prédios gigantescos por toda a cidade. Idem para a orla do Guaíba, o Pontal do Estaleiro, a revitalização do Cais Mauá…

É necessário que o leitor comece a treinar o olhar para perceber as vinculações entre o conteúdo editorial e a publicidade dos jornais. Ao menos nesses casos mais gritantes é impreterível que se tome consciência de quais interesses são defendidos por cada veículo. A campanha institucional de Zero Hora neste segundo semestre de 2010 diz que o jornal privilegia um grupo: os leitores. Diz também que, se um colunista escreve contra a linha editorial do jornal, nada acontece. Como se vê, as coisas não são bem assim. A publicidade costuma trabalhar para vender, não para falar a verdade. Quando uma matéria pretensamente jornalística vira publicidade, não é difícil deduzir seu sentido final.

Postado por Alexandre Haubrich

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