quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

tudo isso já era esperado

Sexismo, eleições e conservadorismo

O Biscoito Fino e a Massa

 por Cynthia Semíramis
O Biscoito estréia hoje um outro modus operandi. Continuaremos com a marca do blog, que é a publicação de textos inéditos, mas eu não serei o único a escrever. Já temos três novos colunistas recrutados. A primeira é Cynthia Semíramis.

Aproveitarei a oportunidade como blogueira convidada d' “O Biscoito Fino e a Massa” para comentar alguns aspectos que me chamaram a atenção durante o período eleitoral, e que têm potencial para se tornarem grandes problemas nos próximos anos. O post de hoje é sobre sexismo e ascensão política e social das mulheres.

A campanha eleitoral em si foi sexista, embora bem menos do que esperávamos. É interessante observar que a maioria desses episódios não veio de políticos, mas dos meios de comunicação, que procuraram valorizar um modelo de feminilidade extremamente restrito, focado em aparência e controle do corpo feminino. É por isso que o aborto esteve em pauta durante parte do período eleitoral, e é por isso que a maioria das críticas a Dilma resvala, em algum momento, na questão estética ou questiona sua capacidade de liderança.

Após a eleição, tivemos alguns episódios sexistas direcionados a Dilma Rousseff. Monica Waldvogel comentou que Dilma é uma mulher sozinha (pois não tem marido!) e insinuou que o país talvez não aceite se ela arrumar um namorado; alguém se lembra de perguntas semelhantes na época em que o divorciado Itamar Franco assumiu a presidência? A Folha de São Paulo fez um vexaminoso momento Caras vigiando a ida de Dilma a uma praia em Itacaré. Discutiu-se à exaustão se Dilma será "presidenta" ou "presidente". A especulação sobre Dilma destinar 30 % dos ministérios a mulheres rendeu algumas grosserias inclusive de quem se considera de esquerda.

Esses episódios já eram esperados. Afinal, sexismo independe de posição política, grau de escolaridade ou classe social. Nossa sociedade é bastante preconceituosa e está mais interessada em julgar uma mulher pela aparência e submissão do que pelo bom desempenho profissional. Ainda temos poucas mulheres em cargos políticos, o que implica em um período de adaptação para que as pessoas e os meios de comunicação aprendam a se comportar de forma menos sexista.

É importante notar que o acesso ao poder político não é garantia de respeito ou de segurança para mulheres. Uma observação que surgiu durante a discussão sobre feminicídio no Fazendo Gênero 9 foi de que em alguns países a maioria das mortes de mulheres não tem mais a motivação tradicional ligada à posse da mulher (morte causada pelo ex-marido que não aceita a separação, por exemplo, e que é situação corriqueira no Brasil). Passaram a ser mortes causadas por ódio porque as mulheres estão tendo ascensão social e política. E os meios de comunicação têm papel fundamental nesse processo.

Uma das formas encontradas para fazer as mulheres se retirarem da vida social é criar um clima de violência e medo que as faça retornar ao espaço privado. Isso pode ser obtido tanto com reportagens sensacionalistas sobre crimes cometidos contra mulheres quanto com o descaso na aplicação de leis que exigem proteção de mulheres em caso de violência. Diversos juízes se recusam a aplicar a Lei Maria da Penha, mas apenas um juiz foi punido pelo CNJ por ter utilizado linguagem imprópria e discriminatória de gênero ao se recusar a aplicar a lei Maria da Penha. Em sites jurídicos pode-se encontrar diversos comentários defendendo o juiz; os comentaristas optam por criticar uma lei que e ignorando a situação de desespero das mulheres vítimas de violência intra-familiar.

Outra variante desse modelo é incentivar uma visão conservadora, valorizando apenas as mulheres que se mantêm dóceis e em segundo plano, sem grandes ambições além de cuidar de si mesmas, da casa, dos filhos, e trabalhar para pagar as contas do mês. Esse movimento pode ser visto em diversas crônicas recentes, que buscam determinar como as mulheres devem se comportar para serem aceitas socialmente – e sempre o comportamento esperado é o de submissão à vontade masculina e retorno a um mundo no qual mulheres não podiam ir além de se casar, agradar o marido e cuidar dos filhos.

Esse conservadorismo é um ponto a ser observado nos próximos anos, para que a pressão cultural (através principalmente da grande mídia, que serve de inspiração inclusive para a mídia alternativa e para a blogosfera) e o aumento de violência contra mulheres (através da impunidade dos agressores) sejam combatidos e não atrapalhem a ascensão das mulheres em todas as áreas. A julgar pela campanha política, tenho minhas dúvidas que o sexismo continuará se dirigindo somente contra a presidenta Dilma Rousseff. É mais provável que seja dirigido contra todas as mulheres, repreendendo-as por se recusarem a seguir o modelo conservador.

Cynthia Semíramis

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