domingo, 21 de agosto de 2011

a escolha pelo aplauso fácil? somos todos tão parecidos

O governo Tarso e a privatização do Cais do Porto




Por Paulo Muzell

Há um ano e meio, a Câmara de Porto Alegre aprovou o projeto de lei complementar 04/2009 que propunha a “revitalização de uma área de cerca de 180 hectares que se estende da Usina do Gasômetro até o Armazém C-4, praça Edgar Schneider e Armazém da Cibrazem.” O governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati), aproveitando-se da sua ampla maioria no legislativo municipal aprovou alterações no regime urbanístico da área que representaram um grande retrocesso. Dentre as mudanças, que passaram ao largo da reavaliação do Plano Diretor – àquela época em tramitação na Câmara -, podemos mencionar taxas de ocupação de até 90%, índices construtivos e alturas abusivas, além da permissão de construir habitações em unidades territoriais com densidade de até 335 habitantes/hectare, contrariando consulta popular realizada na discussão do projeto Pontal do Estaleiro: mais de 80% dos portoalegrenses disseram não ao uso residencial, que representaria o início da privatização dos 72 quilômetros da orla do Guaíba.

A lei aprovada autoriza, entre outras “barbaridades”, a construção de shopping center, centros de convenções, hotéis, permitindo-se torres de até 100 metros de altura. Há também, previsão de um estacionamento para 5.000 veículos. Tudo isso na “ponta do funil” que é a zona central da cidade. A Prefeitura sequer apresentou pelo menos um estudo inicial dos investimentos viários que necessariamente deverão ser feitos para garantir a acessibilidade. Qual o custo dessas obras? Serão pagas por quem? Além dos mencionados 2,5 milhões de reais, ônus do empreendedor pelo uso da área, não foi explicitada nenhuma outra contrapartida usualmente exigida pelo poder público para mitigar os fortes impactos de um projeto deste porte.

A origem do projeto é antiga, decorre da necessidade – absolutamente válida –, de reativar uma área nobre, ociosa, abandonada, integrando-a ao convívio da cidade, criando-se assim um espaço privilegiado de contato do portoalegrense com seu lago.

O próprio governador Tarso Genro, na sua primeira gestão como prefeito da capital (1993/1996) desenvolveu avaliação e proposta global de ocupação pública e valorização de toda extensão da orla. O projeto não avançou e, no seu vácuo, foi retomado pelo governo Antonio Brito (1995/1998) em meados dos anos noventa. O privatista Brito não foi além de anúncios de projetos e maquetes mirabolantes bem acolhidos pela mídia cabocla – especialmente a RBS –, que lhes concedeu generosos espaços e manchetes. Apesar dos inúmeros anúncios, do forte alarido e dos fartos aplausos o projeto não decolou, morreu na casca. O governo seguinte Olívio Dutra (1999/2002), obviamente, foi contrário à ocupação privada de uma área pública. No governo Germano Rigotto (2003/2006), onde muito pouco ou quase nada aconteceu, o projeto dormitou. Já no obscuro período de Yeda Crusius (2007/2010) virou novamente prioridade. Yeda, em parceria com o governo Fo-Fo, fez o projeto avançar. Ela realizou contatos com grupos empresariais, abrindo um concurso de anteprojetos. A Prefeitura se incumbiu de alterar a legislação urbanística enviando o projeto de lei complementar 004/2009 que aprovado na Câmara Municipal originou a Lei Complementar 638/2010, a já acima comentada. Lei permissiva – um verdadeiro escândalo – que, generosamente, atendeu na integralidade o guloso apetite e os interesses da especulação imobiliária.

Ao apagar das luzes do governo Yeda surgiu um entrave – uma ação judicial movida pela Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (ANTAQ) – que não impediu que a então governadora no final de 2010 assinasse contrato com o consórcio vencedor. É evidente que o contrato não teve efeitos concretos, sua validade dependia da decisão judicial. O projeto Cais Mauá foi, assim, um dos “abacaxis” herdados pelo governo Tarso Genro.

Sendo um projeto de grande porte e impacto, polêmico, localizado numa zona conflagrada – a mais central da cidade, seria de esperar que o governo estadual que assumia, com o PT no comando, embora constituído por uma heterogênea coalisão, adotasse todas as cautelas e fizesse, com o auxílio da bancada do PT na Câmara Municipal uma avaliação criteriosa da lei complementar 638/2010 e das contrapartidas – exigidas ou não – que configuram o formato da relação do público com o privado no empreendimento. Nada disso foi feito.

O governo Tarso preferiu o aplauso fácil e os elogios da mídia ao designar seu chefe da Casa Civil para “desatar os nós” que travavam o projeto junto à ANTAQ e à Advogacia-Geral da União em Brasilia. A Fazenda Estadual abriu mão dos 2,5 milhões, destinando-os à Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH). Foi o suficiente para que a ANTAQ desistisse da ação.

Resolvido o impasse tivemos o clássico final feliz: amplas fotos coloridas da mídia cabocla registrando os largos sorrisos de Tarso e Fortunati, ladeados pelo também sorridente chefe da Casa Civil e, é claro, do diretor do grupo Bertin, representando o consórcio vencedor.

Exultante, Fortunati afirmou: “Agora vai!”. Final feliz? Duvidamos. Nos próximos anos o portoalegrense poderá avaliar e julgar.

Nenhum comentário: