segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"blé-ahhh-uuu"

Que horror!

Ivan Marrom


Lá estava ela, quieta, sentada. Olhos tristes, esbugalhados, vesgos. Uma senhora de idade, provavelmente. Estatura baixa, corcunda. Gesticulava e ninguém entendia. Nem eu. Eu estava ali, na parada de ônibus, em frente à universidade católica. Av. Ipiranga, berço da poluição da capital gaúcha. Muita sujeira no chão.

A linha Campus Ipiranga chega rápido. Os universitários são privilegiados, afinal. Têm até seu bairro próprio - pra onde aquele ônibus também estava indo. "Blé-ahhh-uuu", ouço. Algo assim. Um grito totalmente indecifrável. A menina atrás de mim para pra olhar. Ao adentrar o coletivo, que coisa engraçada! Ali estava a velha. Do mesmo jeito que antes, mas agora transportada.

Sentou-se nos degraus e ali ficou. Ela e aquele enorme saco plástico cheio de lixo. Nos degraus. Lamento até hoje não carregar comigo uma máquina fotográfica. Queria registrar aquele momento. Concordo que não é único, mas foi especial. Assentos ocupados, bastante gente de pé. Gente estressada. E uma moradora de rua bem no meio.

A expressão facial dos passageiros é que merecia foto. Medo estampado. Nojo configurado. Aqueles pés extremamente sujos. Unhas negras, não de esmalte da Risqué, mas de sujidade pura. Retrato principal das grandes cidades. Cabelo seboso, grudado - debaixo de um boné encardido.

Defendo com as unhas e os dentes que possuo a presença da mulher ali. O transporte público cada vez menos pode ser nominado dessa maneira. Duas passagens custam cinco reais. Duas. Cinco reais. O coletivo virou seletivo. E, num ato louvável de transgressão, sem nem ao menos saber o que é isso, aquela senhora mostrou que existe; que faz parte do povo. Entrou sem pagar. Dói nas pessoas quando o povo se apropria daquele serviço que é público na teoria e privado na prática. O sistema de cotas na UFRGS mostrou isso.

- Será que eles são obrigados a dar carona?, questiona uma jovem passageira, sussurrando, com uma mistura de medo, asco e vontade de descer do ônibus. Segurava seus cadernos. De certo estava voltando da aula, ou indo para. Tinha um piercing no primeiro pré-molar.

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