sexta-feira, 26 de novembro de 2010

não interessa mostrar como vive o pobre... só como morre

Imprensa e as soluções fáceis da “guerra” no Rio


Somos andando

Esses articulistas… Cito como exemplo o da Zero Hora, mas serve para tantos outros. Na página 8 da edição de hoje, Humberto Trezzi diz que “os PMs não alvejaram os criminosos do Complexo do Alemão em fuga” porque “ninguém, nem mesmo o mais fanático militarista, duvida das péssimas consequências políticas de uma chacina transmitida aos lares dos telespectadores”. Quer dizer, não matem pra não aparecer chacina na TV que fica feio, pega mal. O fato de se tirar vidas, ainda que seja de bandidos, é detalhe, não considerado. É a defesa da pena de morte – sem julgamento -, do “bandido bom é bandido morto”.

Evidente que não quero que o tráfico domine os morros cariocas. É claro que quero que a violência diminua o máximo possível, justamente para morrer cada vez menos gente, não mais. Mas está pra lá de provado que só repressão não resolve, que é preciso uma ação integrada de vários setores, com educação, inclusão social, oferta de serviços públicos de qualidade, já que muito da realidade dos chefes do tráfico e de todos os envolvidos com a atividade criminosa é fruto do meio em que se criaram; a gurizada às vezes não vê outra saída para as suas vidas. Em suma, é preciso oferecer dignidade a todos os setores da sociedade, abrir outras portas e escancará-las.

Mas isso é muito complicado, e as respostas prontas são muito mais fáceis. Assim, nossos jornalistas e articulistas noticiam a “guerra” do Rio como um filme, excitados com o clímax, o momento em que o Schwarzenegger vai aparecer e, com um dedo e sozinho, vai disparar contra todos os figurantes, matar todos. Felicidade total! O “bem” venceu o “mal”.

E no dia seguinte, chega outro guri, recém saído das fraldas, e toma conta de novo do morro. E o tráfico volta e cresce, sustentando parte da favela. E a repressão volta, as pessoas morrem e começa tudo de novo.


Engraçado que a edição desta terça-feira d’A Liga levou para as telas da Band o morro da Rocinha e a realidade das pessoas que vivem lá. Pessoas que trabalham, que vivem mal, sentem fome, mal têm teto para cobrir sua casa das chuvas. Mas que não gostam de drogas e morrem de medo que os filhos se envolvam com o tráfico, porque o amiguinho já fuma, já vende, já faz parte da rede, que tem tantas teias. Coincidentemente o programa foi ao ar esta semana, mas já estava na programação antes de ser deflagrada a “guerra” no Rio. Uma perspectiva mais humana da favela e menos cinematográfica, que não aparece por aí. Não interessa mostrar como vive gente pobre, só como morre.

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Ando meio rancorosa, porque fico triste. Vejo a imagem de pessoas com armas na mão – de qualquer um dos lados, independente do motivo que os levou a segurá-las – e tento entender por quê. Qual a razão de segurar um objeto que, se acionado, é capaz de matar? Em que tirar uma vida de alguém melhora a vida de quem mata? Tirando do contexto do enfrentamento, parece tudo tão absurdo. Não faz mais sentido que vivamos em harmonia compreendendo que o outro é tão alguém quanto eu? Mas para isso é preciso que tenhamos harmonia sempre, e harmonia pressupõe igualdade. De direitos, de oportunidades.

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