O policial cumpriu seu dever. As redes sociais é que estão fora de si
Leonardo Sakamoto
Um rosário de leitores pediu minha opinião sobre o caso do policial militar que deu voz de prisão a dois bandidos que haviam acabado de roubar uma moto a mão armada. Como um deles esboçou uma reação, o policial atirou duas vezes, ferindo-o na perna e no abdômen. Toda a ação foi gravada por uma câmera da vítima.
Sobre o ato em si, não há muito o que dizer. Na minha opinião, o policial cumpriu seu dever.
Não gosto de assaltos a mão armada e não gosto de pessoas baleadas. Não quero que vítimas sejam abatidas, nem policiais, nem assaltantes. Aliás, não quero ninguém ameaçando a vida de ninguém. Mas não importa do que gostemos, a vida acontece independentemente disso. Diminuir a chance de assaltos e de pessoas baleadas está a nosso alcance, mas isso é outra história.
De qualquer forma, é um caso trágico em todos os sentidos, que não deveria ser comemorado.
Contudo, o que vi nas redes sociais após o caso foi uma catarse, com hordas celebrando que uma pessoa foi abatida. Li gente pedindo sangue, literalmente. E, apesar de não ser um caso de “justiça com as próprias mãos”, mas sim de ação da força policial, vi quem se aproveitasse da situação para exigir que julgamentos sumários sejam feitos para acabar com a criminalidade.
Chega de julgamentos longos e com chances dos canalhas se safarem ou de “alimentar bandido” em casas de detenção. Execute-os com um tiro, de preferência na nuca para não gastar muita bala, e resolve-se tudo por ali mesmo. Limpem a urbe para os “homens de bem”.
Neste momento do texto, alguém com graves problemas cognitivos dirá: “ah, você já vai começar a defender bandido”" Não vou tentar explicar, novamente, que não, pois perdi a esperança de que esse tipo de pessoa venha a entender esse debate. Estou falando com os outros, que podem discordar desse ponto de vista, mas que absorvem o contraditório e refletem sobre ele.
O Estado – esse cretino opressor de uma figa – está aí para impedir uma catástrofe maior – pelo menos, enquanto não tivermos consciência o suficiente para tomar o seu papel.
E, como já disse aqui antes, ao criticar esse discurso fácil que defende execuções públicas, não estou do lado do “bandido”, mas sim do pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver em harmonia. Em suma, abrimos mão de resolver as coisas por nós mesmos para impedir que nos devoremos. E que, em uma decisão equivocada tomada na solidão emotiva do indivíduo, mandemos para a Glória alguém inocente.
Para muita gente, execuções sumárias são lindas, seja feita pelas mãos da população, seja pelas do próprio Estado, ao caçar traficantes em morros cariocas ou na periferia da capital paulista. Se com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele?
De tempos em tempos, a violência causada pelo crime organizado retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza social” e de execuções de bandido.
Mas, como todos nós sabemos, a pena de morte já existe em São Paulo e no Rio de Janeiro, apesar de não institucionalizada, como instrumento de controle policial ou de justiciamento pelo crime organizado. Há também milícias, envolvendo policiais, que se especializaram nisso, inclusive, ao avocar para si o monopólio da violência que, por regra, deveria ser do Estado.
Para contrapor os bandidos, muitos defendem o terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como garantir real qualidade de vida à população para além de força policial dia e noite).
Novamente, para quem desligou o cérebro: ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos e traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes e pelas liberdades individuais, mas isso é outra história).
Boa parte da população, apavorada pelo discurso do medo, mais do que pela violência em si, tem adotado a triste opção de ver o Estado de direito com nojo. O que anos de políticos imbecis, apresentadores de TV safados e estruturas conservadoras, como a família, a igreja e a escola, têm pavimentado dificilmente será desconstruído do dia para a noite.
Do meu ponto de vista, Justiça divina não existe. O universo não conspira a favor ou contra nada. Se alguém morre ou alguém vive não é por culpa do capeta ou graças a Deus. Por isso, desejo tanto que nossa Justiça funcione aqui e agora, punindo culpados, de acordo com o Código Penal, e prevenindo as origens da criminalidade, de acordo com a Constituição. Ladrões de motos ou empresários que desviam milhões, da mesma forma. O que está em jogo aqui é que tipo de Estado e de sociedade que estamos nos tornando ao defendermos Justiça sem o devido processo legal ou com as próprias mãos.
Lembrando que o poço não tem fundo.
Um rosário de leitores pediu minha opinião sobre o caso do policial militar que deu voz de prisão a dois bandidos que haviam acabado de roubar uma moto a mão armada. Como um deles esboçou uma reação, o policial atirou duas vezes, ferindo-o na perna e no abdômen. Toda a ação foi gravada por uma câmera da vítima.
Sobre o ato em si, não há muito o que dizer. Na minha opinião, o policial cumpriu seu dever.
Não gosto de assaltos a mão armada e não gosto de pessoas baleadas. Não quero que vítimas sejam abatidas, nem policiais, nem assaltantes. Aliás, não quero ninguém ameaçando a vida de ninguém. Mas não importa do que gostemos, a vida acontece independentemente disso. Diminuir a chance de assaltos e de pessoas baleadas está a nosso alcance, mas isso é outra história.
De qualquer forma, é um caso trágico em todos os sentidos, que não deveria ser comemorado.
Contudo, o que vi nas redes sociais após o caso foi uma catarse, com hordas celebrando que uma pessoa foi abatida. Li gente pedindo sangue, literalmente. E, apesar de não ser um caso de “justiça com as próprias mãos”, mas sim de ação da força policial, vi quem se aproveitasse da situação para exigir que julgamentos sumários sejam feitos para acabar com a criminalidade.
Chega de julgamentos longos e com chances dos canalhas se safarem ou de “alimentar bandido” em casas de detenção. Execute-os com um tiro, de preferência na nuca para não gastar muita bala, e resolve-se tudo por ali mesmo. Limpem a urbe para os “homens de bem”.
Neste momento do texto, alguém com graves problemas cognitivos dirá: “ah, você já vai começar a defender bandido”" Não vou tentar explicar, novamente, que não, pois perdi a esperança de que esse tipo de pessoa venha a entender esse debate. Estou falando com os outros, que podem discordar desse ponto de vista, mas que absorvem o contraditório e refletem sobre ele.
O Estado – esse cretino opressor de uma figa – está aí para impedir uma catástrofe maior – pelo menos, enquanto não tivermos consciência o suficiente para tomar o seu papel.
E, como já disse aqui antes, ao criticar esse discurso fácil que defende execuções públicas, não estou do lado do “bandido”, mas sim do pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver em harmonia. Em suma, abrimos mão de resolver as coisas por nós mesmos para impedir que nos devoremos. E que, em uma decisão equivocada tomada na solidão emotiva do indivíduo, mandemos para a Glória alguém inocente.
Para muita gente, execuções sumárias são lindas, seja feita pelas mãos da população, seja pelas do próprio Estado, ao caçar traficantes em morros cariocas ou na periferia da capital paulista. Se com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele?
De tempos em tempos, a violência causada pelo crime organizado retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza social” e de execuções de bandido.
Mas, como todos nós sabemos, a pena de morte já existe em São Paulo e no Rio de Janeiro, apesar de não institucionalizada, como instrumento de controle policial ou de justiciamento pelo crime organizado. Há também milícias, envolvendo policiais, que se especializaram nisso, inclusive, ao avocar para si o monopólio da violência que, por regra, deveria ser do Estado.
Para contrapor os bandidos, muitos defendem o terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como garantir real qualidade de vida à população para além de força policial dia e noite).
Novamente, para quem desligou o cérebro: ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos e traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes e pelas liberdades individuais, mas isso é outra história).
Boa parte da população, apavorada pelo discurso do medo, mais do que pela violência em si, tem adotado a triste opção de ver o Estado de direito com nojo. O que anos de políticos imbecis, apresentadores de TV safados e estruturas conservadoras, como a família, a igreja e a escola, têm pavimentado dificilmente será desconstruído do dia para a noite.
Do meu ponto de vista, Justiça divina não existe. O universo não conspira a favor ou contra nada. Se alguém morre ou alguém vive não é por culpa do capeta ou graças a Deus. Por isso, desejo tanto que nossa Justiça funcione aqui e agora, punindo culpados, de acordo com o Código Penal, e prevenindo as origens da criminalidade, de acordo com a Constituição. Ladrões de motos ou empresários que desviam milhões, da mesma forma. O que está em jogo aqui é que tipo de Estado e de sociedade que estamos nos tornando ao defendermos Justiça sem o devido processo legal ou com as próprias mãos.
Lembrando que o poço não tem fundo.
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