quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

viramos teleguiados? nossa cultura não ultrapassa uma ou outra frase bonitinha? por quê?


Todos à la place. Por quê?


A adesão imediata à manifestação de Paris mostra como é fácil hoje manipular uma opinião pública tolhida para o exercício do espírito crítico



publicado 27/01/2015 06:07





François Hollande administra um país dilacerado entre os que clamam pela "guerra ao terror" e aqueles que querem segurança sem comprometer as liberdades civis


Leia também
Chore por mim, França
Regular empresas de comunicação aumenta a liberdade de expressão
Fox News, a tela da intolerância
Tempos quentes


Perguntaria Hamlet: “Ser ou não ser?” Charlie, está claro. A personagem de Shakespeare é o paradigma da dúvida atormentada pela invulnerabilidade do efêmero. Surpreende, porém, e até espanta, a rapidez com que a larga maioria fez sua escolha. Por quê? A que se deve o imediatismo da resposta? Agir às pressas, de impulso, precipita amiúde equívocos, enganos, erros. Não seria o caso de parar para pensar?

Pois é, pensar. Explorar a faculdade que o ser humano tem de constatar sua pessoal existência. O mundo vive uma quadra de enormes incertezas e de graves conflitos, e a situação se apinha de inúmeros por quês. Por que aqui estamos a padecer uma crise econômica que poupa somente banqueiros e especuladores, aliás, a eles aproveita acintosamente? Por que o rentismo grassa enquanto o desemprego aumenta? Por que o desequilíbrio social se aprofunda em todos os cantos? Por que uma centena de multinacionais impõe sua vontade a Estados soberanos? Por que a senhora Merkel e seus banqueiros ditam as regras à inteira Comunidade Europeia e decretam a austeridade em lugar do desenvolvimento? Por que o atual presidente da UE é o ex-premier do Luxemburgo, o aprazível paraíso fiscal?

Interrogações sem conta, propostas pela circunstância. Pode-se, se quisermos, perguntar aos nossos botões por que o mundo carece hoje de poetas, ou por que pagam-se dezenas de milhões de dólares por um tubarão morto mergulhado em uma caixa de vidro cheia de formol, ou por que navegantes da internet divulgam aos quatro ventos o cardápio do seu jantar da noite anterior. Ou por que, de súbito, a humanidade concentra-se na Place de la République, de corpo presente ou em espírito, para manifestar contra o terrorismo.

O espetáculo parisiense assinala, ao mesmo tempo, o triunfo do modismo e da hipocrisia. Fácil identificar o lado de cada qual, a ser clara a desfaçatez das autoridades. Em boa parte, tem responsabilidades em relação ao terrorismo, quando não são seus instigadores, cúmplices, ou até mesmo praticantes, competentes ou não. Conseguiram o que queriam, admitamos. Juntaram o Ocidente em uma praça parisiense para ostentar os seus poderes e cuidar dos seus interesses políticos, sem exclusão de golpes baixos, ações de guerra, assaltos aos cofres públicos e terrorismo de Estado, sem contar as violações dos Direitos Humanos.

Diante deles, incitada pelas frases feitas da propaganda midiática, súcuba dos apelos da retórica globalizada, a grei automatizada. Incapaz de entender se, de pura e sacrossanta verdade, o massacre na redação do Charlie Hebdo configura um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa, ou de expressão. Ou à liberdade na acepção total, sem qualificativos.

Resta entender o significado e o alcance das palavras. Sabemos, em primeiro lugar, ou pretendemos saber, que a liberdade de cada um acaba na liberdade do semelhante. Nem todos se dão conta disso. De qualquer forma, a liberdade proclamada pela Revolução Francesa acaba por ser de poucos se não for completada pela igualdade. Livre é realmente uma sociedade de iguais. Se há canto da Terra onde esta simbiose acontece, louvado seja quem fez o milagre. Nem se fale do Brasil, o país de casa-grande e senzala.

Outra questão diz respeito à liberdade de imprensa, que na mídia nativa conta com paladinos aguerridos. A liberdade que defendem é a de fazer o que bem entendem. Não é assim em outros países democráticos e civilizados, onde a mídia é devidamente regulamentada, para impedir, entre outros objetivos, o monopólio e o oligopólio. Na França, é certo, o Charlie Hebdo podia circular à vontade, a despeito dos seus discutíveis propósitos e de certo autoritarismo a vingar na redação. O cartunista Siné, célebre desde o fim dos anos 50, foi despedido porque suas charges não tinham a desejada agressividade e evitavam certos assuntos.

A virulência antimuçulmana, no Charlie Hebdo, não é inferior àquela dirigida contra as religiões monoteístas de cristãos e judeus. Tempos atrás, uma charge mostrava, da forma mais crua, o encontro (seria um rendez-vous?) entre a Virgem Maria e um centurião romano, com o resultado de trazer à vida quem mais, se não Jesus Cristo. Ocorre a lembrança de um Pif-Paf, a seção entregue pelo O Cruzeiro dos Diários Associados a Millôr Fernandes, por mais de duas décadas. O humorista estava disposto a contar a história fracassada de Adão e Eva no Paraíso Terrestre. Jocosa e sem vulgaridade, no traço steinberguiano de Millôr.

ACNBB protestou oficialmente, e Millôr foi despedido com a habitual pusilanimidade. Não houve manifestação na Cinelândia carioca.

Não convém ao Ocidente aceitar a ideia de que a tragédia decorre de uma ação de guerra levada a cabo por um comando bem treinado, mas é assim que pensam os fanáticos arregimentados pela Jihad. Se uma bomba um dia desses explodir, digamos, no Grand Palais, não podemos alegar o atentado contra a liberdade de expressão, como não o foi o ataque às Torres Gêmeas. O objetivo do terrorismo, de resto, é solapar a capacidade de resistência do inimigo designado, de certa maneira é semear o pânico com a humilhação do alvejado.

Não se trata, de todo modo, de buscar explicações, e sim de entender que a liberdade de expressão tem necessariamente limites, bem como a intenção de provocar, desbragada na publicação satírica. O que talvez esclareça quanto ao seu escasso êxito junto ao público francês. Nesta semana, o Charlie Hebdo saltou de uma tiragem de algumas dezenas de milhares de cópias para milhões. Também este é fruto do modismo, a contar, para a manipulação da opinião pública, com instrumentos cada vez mais capilares e eficazes. Vezos e tendências momentâneos assumem a ribalta e tomam conta da plateia de forma avassaladora. Até levá-la, se for o caso, à Place de la République.

É provável que na multidão também figurassem muitos cidadãos franceses de origem árabe, ou africana, e de religião muçulmana, impelidos pela repulsa ao terrorismo, conquanto ofendidos pela charge que visava o Profeta. Que fazer com 6 milhões de muçulmanos franceses donos de todos os direitos de cidadania? Expulsá-los em bloco? Não faltarão aqueles que aprovariam a solução com entusiasmo. Caso se trate de torcedores do futebol, a xenofobia os teria levado a não considerar o triste destino da seleção francesa, privada de muitos entre seus melhores craques.

Deste ponto de vista, o Brasil é um país resolvido, embora não isento do preconceito racial e social. Por aqui pobres e pretos vivem sob suspeita. Manda, porém, o jus soli, pelo qual somos todos brasileiros. Na França, e em toda a Europa, meta de forte migração de áreas subdesenvolvidas, a questão suscita ásperas polêmicas, mesmo porque em muitos países a tradição soletra ojus sanguinis. O sangue determina a cidadania. Eventos como o massacre que abalou o mundo vão excitar o ódio racial na França, na Europa, e alhures, em benefício da direita mais reacionária.

Quem leva vantagem? Na França, Marine Le Pen, que se fortalece como candidata à Presidência da República. Na Itália, crescerá a Lega. Na Alemanha, o Pegida, grupo ultradireitista. Rajoy, na Espanha, reforça seu poder. De todos os líderes, Netanyahu é aquele que, ao carregar sua campanha eleitoral até Paris, exibe com maior clareza seus propósitos. E a orquestração bem trabalhada acaba por acentuar as incompatibilidades, os contrastes, as divergências, os conflitos. A violência e o desvario em geral.

Neste caldo de cultura germinam, como no magma primevo a se esfriar teria nascido a vida do planeta, o fanatismo assassino, a criminalidade nas suas distintas fisionomias. Isto é do conhecimento até do mundo mineral, mas não de todos os homens. Fatos como a chacina parisiense repetem-se à toda hora, provocados pelo fanatismo, pela revolta, pela insanidade, pela desgraça. E pelo terror de Estado. Não cabe justificar o horror. Recomenda-se, entretanto, aquilatar envolvimentos e responsabilidades. E anotar que inomináveis delitos cometidos pelos senhores do mundo ocidental não costumam merecer a repulsa das praças lotadas.

Para evocar fatos próximos, é da incompetência impafiosa da diplomacia norte-americana que eclode a Guerra do Iraque, ou brota a maior ameaça terrorista representada pelo Estado Islâmico. Tal é a inexorável verdade factual. Há culpas em cartório, contribuições transparentes ao descalabro dos dias de hoje, às quais a maioria se presta de pronto porque tolhida fatalmente ao exercício da razão.

O alpiste servido aos incautos, aos desmemoriados, aos crédulos, aos ignorantes, é a versão dos cavalheiros tão bem representados na praça parisiense. Aproveitam-se da eficácia dos instrumentos chamados a entorpecer as consciências e demolir o mais pálido resquício de espírito crítico.

Talvez estejamos no limiar de uma nova Idade Média, contradição apenas aparente do dito progresso tecnológico. Se o homem dispõe de computador e celular de infinitas funções, e vive bem mais do que as gerações precedentes, nem por isso ganha em sabedoria, pelo contrário. O respeito à memória, base de todo conhecimento, dispersa-se na moda contingente. Nesta moldura, o livro tende a se tornar objeto obsoleto. Na mesmice globalizada instalam-se, disfarçados pela banalidade, a ignorância, a indiferença. E os desbordantes porquês não logram resposta.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Quantas crianças temos na escola hoje no Brasil?


“Informação é a melhor arma para enfrentar o preconceito”, diz Tereza Campello


SUL 21




“O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que coloca um ponto de não retorno”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


Marco Weissheimer


Após a disputa eleitoral de 2014, houve um grande crescimento do volume de manifestações preconceituosas contra vários setores da sociedade, em especial negros, pobres e nordestinos. O fenômeno não é novo, mas reapareceu com força no final do ano passado. “O que piorou muito não está relacionado à media da opinião da população. O problema está entre aqueles setores mais reacionários que nutrem uma coisa racista contra os mais pobres. Essas pessoas passaram a ter coragem de expressar seus preconceitos mais abertamente. Saíram do armário”, diz a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Em entrevista ao Sul21, Tereza Campello analisa as causas desse tipo de preconceito e defende que a informação é a melhor arma para combatê-lo. “Recentemente tivemos o caso de uma jornalista que disse que os pobres só pensam em procriar. É um negócio inacreditável. Os dados sobre taxa de fecundidade no Brasil, hoje, são completamente conhecidos. A taxa de fecundidade brasileira caiu em todas as classes sociais e caiu muito mais entre os mais pobres, uma queda em torno de 50% acima da média nacional”, exemplifica. A ministra também fala sobre o atual estágio das políticas sociais no Brasil, aponta as prioridades para o próximo período e nega que programas como o Bolsa Família possam sofrer cortes em função de medidas de ajuste fiscal.




Sul21: Em que ponto estamos hoje no processo de construção de políticas sociais iniciado no primeiro governo Lula e que entra agora em seu quarto governo? Quais são os planos do MDS daqui para frente, qual o olhar para o futuro?

Tereza Campello: Estamos em um ponto parecido ao que estávamos quando a presidenta Dilma assumiu. Naquele momento, quando olhávamos para trás víamos oito anos de muito sucesso que tiveram como carro chefe a agenda social e como resultados a inclusão de milhões de brasileiros, a geração de empregos e muitos investimentos na área social. Parecia que não era possível avançar numa agenda que já tinha avançado tanto e que o trabalho a ser realizado era basicamente de manutenção. Aí a presidenta lançou um mega e ousado plano que foi o Brasil Sem Miséria. Acho que as pessoas não têm muita noção da dimensão desse programa. Nós não fomos tão bem tratados pela mídia tradicional, mas nós também somos ruins de comunicação.

Sul21: Qual é essa dimensão do Brasil Sem Miséria que não ficou bem visível para a sociedade?

Tereza Campello: O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que coloca um ponto de não retorno. Cada vez que se avança muito, se estabelece um novo degrau. Acho que estabelecemos uma verdadeira laje, que nos dá bagagem para dar um salto muito superior. A presidenta fez algumas inflexões nas políticas sociais que são pouco conhecidas.

Sul21: Que inflexões foram essas?




“Agora chegamos num patamar em que é possível dizer: o Bolsa Família está universalizado”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


Tereza Campello: Em primeiro lugar, estabeleceu a ideia de que precisamos universalizar a rede de proteção social no Brasil. Isso não estava colocado. Agora chegamos num patamar em que é possível dizer: o Bolsa Família está universalizado. Certamente ainda tem gente que está fora, mas é muito residual. No caso de qualquer política em que falta abranger 150 mil famílias em um universo de 50 milhões, você pode dizer que universalizou. Mas isso não aconteceu por acaso. Foi uma determinação da presidenta Dilma. Ela determinou que fizéssemos uma busca ativa. Se há pessoas fora do sistema, é responsabilidade do Estado ir buscá-las. A responsabilidade é do Brasil Sem Miséria. Isso muda a equação. Essas pessoas são tão pobres, estão tão distantes e foram tão excluídas e abandonadas que não chegarão ao Estado brasileiro. Então, o Estado deve ir buscá-las.

A segunda inflexão, que diz respeito a algo que também não existia nas políticas públicas voltadas à população pobre no Brasil, é estabelecer uma linha abaixo da qual o Estado não aceita mais que as pessoas estejam. Uma coisa é ter um conceito de linha de pobreza para medir e poder fazer quantificações. Outra coisa é ter uma linha e estabelecer que, quem estiver abaixo dessa linha, terá uma complementação de renda garantida pelo Estado. Isso não é apenas um ditame, mas vem acompanhado de uma política pública que vai dar conta do problema. Introduziu uma mudança no Bolsa Família, fazendo com que o benefício variasse para completar a renda de quem estivesse abaixo da linha da pobreza. Essa foi uma mudança muito importante não só no que o Estado brasileiro assumiu para ele, como de referência para outros países. Tem gente que olha e não acredita que estamos fazendo isso. De fato, é uma inovação muito grande.

É óbvio que só foi possível fazer essas inflexões porque havia oito anos de governo Lula atrás. Houve ainda uma terceira grande inflexão que consistiu em dizer: não é só renda; nós queremos que os adultos tenham acesso a oportunidades para melhorar a sua renda. Isso envolve, entre outras coisas, capacitação profissional, acesso a bancos, possibilidade de formalização via carteira assinada, micro ou pequena empresa, cooperativa, economia solidária. Nós fizemos uma ação massiva muito forte de inclusão econômica dessa população. Isso não quer dizer que essas pessoas não trabalhassem. Trabalhavam (e trabalham). O que não tinham era qualificação profissional, tecnologia, informação, acesso a crédito, etc.




“Independente da existência de grandes políticas universais em áreas como saúde e educação, se você não tiver um caminho diferenciado a população pobre não acessa os serviços públicos”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


A última coisa, falando das inflexões, é que ficou claro para o Estado brasileiro uma coisa que, de certa forma, é óbvia, mas que não estava tão institucionalizado e que o Brasil Sem Miséria transformou em legado. É a noção de que, independente da existência de grandes políticas universais em áreas como saúde e educação, se você não tiver um caminho diferenciado a população pobre não acessa os serviços públicos. Queremos creches para todos, mas se tivermos um caminho tradicional de universalização, os últimos a serem universalizados serão os mais pobres. Queremos a possibilidade de que todos façam tomografia, mas, pelos caminhos tradicionais, os mais pobres serão os últimos a fazer. E assim por diante…

Então, para construir uma agenda de equidade dentro de uma política de universalização é preciso ter um caminho diferente que faça com que os mais pobres sejam incluídos ao mesmo tempo em que os outros, que não sejam os últimos a serem atendidos. É preciso ter um caminho diferenciado para essa faixa da população ter acesso à creche, ao Mais Médicos, a uma escola em tempo integral, ao crédito, etc.

Sul21: E esse caminho diferenciado é também, ele próprio, uma política pública…

Tereza Campello: São várias políticas. O Brasil Sem Miséria construiu esse espaço. Todo mundo sentava à mesa para discutir, por exemplo, como fazer para que a escola em tempo integral chegasse aos mais pobres, como fazer para que as comunidades mais pobres não fossem as últimas a terem acesso a essa escola. A partir daí fomos construídos vários caminhos para atingir esse objetivo.

Sul21: Qual é o universo de pessoas que é objeto da busca ativa hoje? Quantas famílias ainda não tem acesso às políticas públicas do Estado brasileiro?



“O que melhor expressa a nossa ambição é aquela frase da presidenta Dilma na posse: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


Tereza Campello: A nossa estimativa é de um universo de 150 mil famílias, algo em torno de 600 mil pessoas. É muita gente ainda. Além disso, temos que fazer um esforço gigantesco para impedir que as pessoas que melhoraram de vida e que foram incluídas voltem à situação anterior de pobreza. Nós não podemos deixar que isso aconteça em hipótese alguma. O que melhor expressa a nossa ambição é aquela frase da presidenta Dilma na posse: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás. É uma frase muito forte que afirma que não vamos recuar em direitos.

O Brasil Sem Miséria fechou um ciclo. Não que não existam mais pessoas a serem buscadas, mas cumprimos com todas as metas que havíamos definido para esses últimos quatro anos. Elaboramos um diagnóstico conjunto no governo, organizamos um conjunto de políticas, criamos um sistema de monitoramento, executamos e entregamos tudo, algumas coisas acima das metas fixadas e outras que nem estavam previstas.

Sul21: Como funciona esse processo de busca ativa na prática?

Tereza Campello: Ele ocorre de várias maneiras, pois o Brasil tem regiões e situações muito diferentes. Fizemos, por exemplo, alguns mutirões com barcos em reservas extrativistas na Amazônia, e encontramos pessoas muito pobres que ainda não havíamos localizado e que não tinham nem documentos. Chegamos a encontrar quatro gerações de uma mesma família sem qualquer documento, nem certidão de nascimento. Essa situação melhorou muito, pois o governo fez um esforço gigante, principalmente por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário com a política nacional de documentação de registro civil. Mais de um milhão de documentos foram emitidos com essa política. Nós contratamos a Marinha que acabou fazendo 120 lanchas que foram distribuídas a municípios da região Norte, com o objetivo de localizar essas famílias.

Também realizamos busca ativa em algumas regiões metropolitanas. Em São Paulo, por exemplo, aumentou muito o número de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. Quando Fernando Haddad assumiu em São Paulo, essa busca passou a ser política da prefeitura. Aqui no Rio Grande do Sul tínhamos uma baixa cobertura também que melhorou bastante nos últimos anos. Houve mutirões aqui também. Em resumo, há diferentes formas de implementar a busca ativa. Foram sendo construídos desenhos adequados às diferentes realidades encontradas no país.

Sul21: Há um debate agora, no início do segundo governo Dilma, sobre os rumos da política econômica. Fala-se da necessidade de ajustes e de alguns cortes no orçamento da União. Esses ajustes e cortes representam, na sua avaliação, alguma ameaça para a continuidade das políticas sociais?

Tereza Campello: Não há risco de cortes de benefícios ou de serviços sociais. O que todo mundo vai ter que fazer é um esforço para diminuir gastos da máquina. Sempre é possível melhorar aí. Nós temos também mecanismos de controle dentro de nossos programas para localizar pessoas que estejam recebendo benefícios de forma indevida. Isso não tem a ver com o ajuste fiscal, mas sim com nosso esforço permanente para ter uma política cada vez mais eficiente, que chegue aqueles que mais precisam. Podem ocorrer algumas coisas que não têm nada a ver com cortes. Nós fizemos, por exemplo, 750 mil cisternas. Praticamente universalizamos as cisternas na região do Semi Árido. Ainda há cisternas a serem feitas, algo em torno de 50 mil por ano. Nós estávamos fazendo 50 mil a cada dois meses. Então se olharmos para o dinheiro disponível para cisternas, veremos que ele é muito menor do que já foi, mas isso se deve ao sucesso que tivemos no cumprimento de nossas metas.



“Hoje temos 14 milhões de famílias dentro de nosso radar. Nós sabemos onde essas famílias estão, criamos uma ferramenta no Brasil que é a nossa tecnologia social mais difundida no mundo”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


Sul21: A senhora tem qualificado, em algumas ocasiões, programas como o Bolsa Família como construtores de políticas e instrumentos de reforma do Estado brasileiro. Poderia detalhar um pouco mais essa qualificação?

Tereza Campello: Hoje temos 14 milhões de famílias dentro de nosso radar. Nós sabemos onde essas famílias estão, criamos uma ferramenta no Brasil que é a nossa tecnologia social mais difundida no mundo. Nós exportamos hoje essa ideia do cadastro único. Temos um espaço de registro que não serve apenas para pagar o Bolsa Família. Ele fornece informações sobre essas famílias e é alimentado por outras fontes também. Nós estamos alimentando o cadastro do Bolsa Família, por exemplo, com dados do Banco Central sobre microcrédito. Nos interessa saber se essas famílias têm acesso a crédito, não com o objetivo de fazer algum tipo de fiscalização, mas para poder criar outras ferramentas que possam auxiliá-las. Esse tipo de cruzamento de dados permite também um olhar mais apurado sobre os territórios onde essas famílias vivem e sobre possíveis oportunidades para melhorar a sua qualidade de vida.

Nós fizemos isso com o Mais Médicos. O novo decreto do programa repete esse mesmo desenho que permite, entre outras coisas, apontar onde há mais problemas para os médicos irem. Pegamos o mapa do Bolsa Família e colocamos sobre o território brasileiro, localizando as regiões onde havia posto de saúde e onde havia maior concentração de população pobre. Isso nos ajudou a definir as regiões onde a necessidade de médicos era mais urgente. Esse é um exemplo do que chamo de papel construtor de outras políticas desempenhado pelo Bolsa Família. Nós precisamos avançar agora em controle social.

Sul21: Por onde passa esse avanço?

Tereza Campello: Passa por várias coisas. Estou pensando muito neste tema agora. Considere o Bolsa Família, por exemplo. É um programa pulverizado, onde as famílias recebem o benefício. Há alguns elementos de transparência que nos ajudam com o controle público. Todos os beneficiários estão com o nome no Portal da Transparência. Quem quiser saber se o vizinho recebe Bolsa Família pode descobrir acessando esse portal. Esse é um passo importante que ajuda o controle social. Nós queremos que cada município tenha seu conselho de assistência social. Temos pressionado para que isso aconteça. Não é uma relação simples, pois temos entidades filantrópicas, gestores públicos, usuários e movimentos sociais com assento nesses conselhos. Mas é só assim que se constrói controle social, com as pessoas e entidades envolvidas sentando em volta de uma mesa e estabelecendo um espaço de diálogo. Um exemplo disso é o que vem acontecendo no Conselho Nacional de Assistência Social e no Conselho Nacional de Saúde onde temos, pela primeira vez, representantes da população de rua. São setores muito organizaram que se mobilizaram, criaram a sua institucionalidade e vem participando e cobrando o setor público
.



“O nível de preconceito que emergiu na sociedade neste período pós-eleitoral é algo assustador”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21


No Brasil Sem Miséria, nós fizemos seis diálogos com diferentes grupos da sociedade civil. Ouvimos críticas e sugestões antes de concluir o formato final do programa. Nós temos um espaço de diálogo e participação social muito forte, com gente muito qualificada e comprometida com uma agenda de avanço das políticas sociais. Agora, nenhum desses atores representa, de fato, aqueles mais pobres que geralmente não estão sindicalizados ou organizados em torno de alguma entidade. Então, nós temos um desafio colocado para o Estado e para os setores organizados da sociedade que consiste em ouvir a voz dessas pessoas. Hoje, ela começa a aparecer em tudo o que é lugar. Não é mais uma coisa esporádica. Agora, há muitos casos onde as pessoas não têm coragem de falar por conta do preconceito. O nível de preconceito que emergiu na sociedade neste período pós-eleitoral é algo assustador.

Sul21: Qual a sua avaliação sobre a crescente emergência dessas manifestações de preconceito contra setores mais pobres da população, vistas neste período mais recente?

Tereza Campello: Eu acho que piorou. Nós tivemos um período muito ruim do começo do governo Lula até 2005, 2006. Foi algo muito violento. Depois essas manifestações de preconceito diminuíram. Os raivosos pararam de falar e passaram a ficar envergonhados diante dos resultados muito efetivos que obtivemos. Hoje, mesmo com toda a tensão e radicalização verificada na última campanha eleitoral, a maioria da população brasileira é a favor do Bolsa Família. Cerca de 70% da população é favorável ao programa. O que muitas pessoas dizem é que não pode ser só isso, o que nós também achamos. Por isso temos o Pronatec, cursos de formação profissional, programas de crédito. O próprio Bolsa Família é também escola e educação.

O que piorou muito não está relacionado à media da opinião da população. O problema está entre aqueles setores mais reacionários que nutrem uma coisa racista contra os mais pobres. Essas pessoas passaram a ter coragem de expressar seus preconceitos mais abertamente. Saíram do armário. A impressão é que aumentou muito o número dos que são contra programas como o Bolsa Família, quando na verdade o que aumentou foi o número dos que têm coragem de falar esse monte de barbaridade, inclusive coisas que não têm a menor aderência com a realidade.

Recentemente tivemos o caso de uma jornalista que disse que os pobres só pensam em procriar. É um negócio inacreditável. A pessoa parece letrada, embora não deva ter ido muito longe para falar uma coisa dessas. Os dados sobre taxa de fecundidade no Brasil, hoje, são completamente conhecidos. A taxa de fecundidade brasileira caiu em todas as classes sociais e caiu muito mais entre os mais pobres, uma queda em torno de 50% acima da média nacional.

Então, não tem o menor cabimento as pessoas continuarem repetindo esse tipo de coisa. Por que repetem? Fico pensando nisso. Outra barbaridade que segue sendo dita é que a pessoa é pobre porque não trabalha. A pessoa é pobre porque é preguiçosa ou porque é uma perdedora, ou as duas coisas juntas. A verdade é que raríssimas pessoas que não se alimentaram bem na infância, que não tiveram oportunidades de formação e tiveram que começar a trabalhar muito jovens, conseguem posições melhores nas suas áreas. A violência dessas manifestações de preconceito constrange quem é pobre, pois difunde, entre as crianças, essa ideia de que a pessoa é pobre porque não trabalha, porque é preguiçosa.



“Tem gente que acha que, para uma família receber o benefício do Bolsa Família, basta ter as crianças matriculadas na escola. Não é isso. A criança tem que frequentar a escola e conferimos a cada mês se ela tem um mínimo de 80% de frequência.” Foto: Roberta Fofonka/Sul21



Sul21: Isso envolve, entre outras coisas, uma disputa cultural e simbólica. No início dessa entrevista, você se referiu a problemas de comunicação. Em que medida esses problemas contribuem para o problema do agravamento do preconceito? Caberia ao governo algum tipo de política nesta área?

Tereza Campello: Contra o preconceito eu acho que cabe sim. Acredito que a melhor arma contra o preconceito é a informação. Tem um monte de gente que repete essas barbaridades por que não tem informação. Ouve alguém falar, acha engraçadinho e sai repetindo a bobagem, que nem essa história dos “pobres gostam de procriar”. A pessoa que disse isso talvez não seja permeável a nenhum tipo de informação e de cultura. Mas, certamente, muita gente que leu essa bobagem sai repetindo sem saber o que está falando. Então, precisamos melhorar a nossa capacidade de transmitir informação clara e de qualidade para a população.

Tem gente que acha que, para uma família receber o benefício do Bolsa Família, basta ter as crianças matriculadas na escola. Não é isso. A criança tem que frequentar a escola e conferimos a cada mês se ela tem um mínimo de 80% de frequência. O nível de exigência sobre essa família é forte e positivo para o país, pois visa garantir a permanência dessa criança na escola. Por maiores problemas que tenha a escola, nela a criança tem acesso a um ambiente mais organizado, ao convívio com outras pessoas, tem acesso à informação, e está fora da rua e do trabalho infantil.

Perguntei em um programa de rádio do qual participei recentemente quantas crianças temos na escola hoje no Brasil. Ninguém soube responder. São 17 milhões de crianças. Esse número aumentou muito graças também ao Bolsa Família. Esse é o tipo de informação que eu acho que tocaria muita gente. Por mais conservadora que a pessoa seja, se ela souber que o Bolsa Família tem esse impacto sobre a saúde e a educação das crianças, pode mudar sua visão.

Dilma, escuta a Grécia e manda olevyano às favas! Volta, Lula!


Na Grécia, Levy não leva


Blog do Miro






Por Saul Leblon, no siteCarta Maior:



A suposição sobre a qual tudo se apoia é conhecida.

A saber: o governo toma as medidas econômicas que os mercados e seus ventríloquos preconizam -algumas necessárias, como o reajuste dos combustíveis; outras discutíveis - o encarecimento do crédito, por exemplo, em um quadro de desaquecimento da economia; e não poucas indesejáveis -entre estas, sobressaem a alta dos juros, mudanças em salvaguardas trabalhistas e o desmonte da função indutora do BNDES e demais bancos públicos no desenvolvimento do país.

Missão cumprida, o que deve ocorrer ao longo deste ano, avisam os otimistas, os detentores do capital encerrariam a greve de investimentos em curso no Brasil.


Novos projetos e planos de expansão engavetados nos últimos dois anos voltariam à agenda dos negócios recolocando a economia na rota de um novo eldorado de expansão puxado pelo desejável investimento privado.

Mais que isso: a inflação retrocederia, as exportações alçariam voo de cruzeiro, o déficit em contas correntes (de preocupantes 4% em 2014) despencaria; o Brasil, enfim, voltaria a ser um pujante canteiros de obras, a jorrar empregos e salários por todos os poros.

A leveza com que essas ideias frequentam os prólogos e epílogos dos colunismo de mercado é notável.

Nesse mundo idílico, a confiança dos investidores e a ‘reversão das expectativas pessimistas dos mercados’ só dependeria de o país adotar o ‘bom senso’ na gestão fiscal e a ‘racionalidade dos mercados’ na macroeconomia, predicados que, como se sabe não comparecem entre as qualidades atribuídas ao PT, aos ‘economistas da Unicamp’ e a ‘Dilma interventora’.

Por sorte, então, lançou-se mão do que há de melhor na praça.

Joaquim Levy, la crème de la crème da cepa de zeladores de confiança do dinheiro grosso, assumiu o leme do barco.

Sem cerimônia, ele acena com um cavalo de pau. Garante que assim desviará a sociedade da rota de colisão com o rochedo dos desequilíbrios macroeconômicos para reconduzi-la ao porto seguro dos fundamentos sadios e austeros.

Tudo o mais permanece constante na vida dos nacionais?

Como não se pensou nisso antes: trocar a mediação de fato de Lula –entre o governo e sociedade-- pela austeridade de Levy?

Quanto tempo e dor de cabeça teriam nos poupado a troca da política conturbada e contraditória para a formação de maiorias, pela matemática clara e afiada como um punhal da austeridade?

Eureka!?

Os gregos que o digam.

E o que eles disseram neste domingo nas urnas, de forma algo sonora e incontestável, é que a receita de arrocho vendida aqui como o atalho óbvio ao paraíso na prática consiste em um mergulho ao inferno com passagem de ida.

A de volta há que ser comprada das mãos do diabo.

Ou tomada à força. Como eles acabam de fazer neste domingo, sob a fuzilaria de ameaças e chantagens de um apocalipse financeiro.

Inútil.

Os votos majoritários dados à esquerda, o Syriza, numa eleição histórica, alteram a correlação de forças na Europa e colocam a agenda neoliberal na defensiva ante o encorajamento de possíveis novas rupturas. Na Espanha em maio, por exemplo, com o Podemos.

Com 149 cadeiras obtidas no Congresso, um resultado superior aos cálculos mais otimistas, a esquerda grega passa a depender de apenas mais duas adesões para ter a maioria legislativa, necessária para as reformas e renegociações ansiadas pela população.

A crise terminal vivida pela Grécia - um país literalmente insolvente e preso a uma camisa de força cambial (o euro) - nem de longe se equipara aos solavancos vividos pelo Brasil na atual transição de ciclo de crescimento.

Mas a tragédia protagonizada nos últimos seis anos funciona como uma espécie de endoscopia das consequências sociais e institucionais de se entregar aos mercados o comando e o destino de uma nação.

Nesse aspecto o basta de domingo pode e deve ser lido com um olho na Europa e o outro no Brasil.

A percolação da tragédia na pirâmide social grega escancarou os custos humanos e econômicos de se preservar a lógica da ganância financeira como discutível moeda de troca para ‘resgatar a confiança dos mercados e dos investidores’.

A promessa, que durante seis anos escalpelou cada fio de cabelo do povo grego, ao mesmo tempo em que se exigia que ele se reerguesse puxando o que restou com as próprias mãos, não foi entregue a tempo de se evitar a rejeição eleitoral do domingo.

O que se deu, ao contrário, foi uma odisseia às profundezas do arrocho mais dramático já enfrentado por um povo desde o início do século XX - superior à Grande Depressão norte-americana de 1929.

O ponto a reter é que a vida da população não apenas não melhorou, como se alardeava em defesa dos ‘sacrifícios’.

Ela foi capturada por um liquidificador desgovernado que interditou qualquer traço de segurança social, desidratou qualquer gota de certeza em relação ao amanhã e interditou a esperança no futuro.

Nos últimos seis anos, o PIB da Grécia retrocedeu 25%; o desemprego saltou de 8,3% - no início do programa de austeridade - para 27% (é de 50% entre a juventude); a dívida mantem-se em assustadores 170% do PIB (€ 322 bilhões).

Renegociar um desconto de 50% é o chão firme defendido pelo vencedor das eleições deste domingo para, a partir daí, deslocar a Grécia do atoleiro para um retorno gradual à viabilidade econômica e social.

Trata-se, é preciso dizer, de uma ruptura.

Há seis anos a prioridade de Atenas é adequar o país aos 'programas de ajuste' traduzidos em sucessivos cortes orçamentários.

No interior do metabolismo social deu-se o previsível.

Mas há detalhes que ainda desconcertam: o orçamento da educação, por exemplo, sofreu um corte de 60% nessa razia.

Em miúdos: a rede pública de ensino dispõe atualmente de quatro de cada dez euros que recebia em 2010.

Não há como preservar o essencial quando 60% do alicerce desaba.

Inclua-se no essencial a merenda.

Das periferias mais pobres surgiram nos últimos anos relatos de desfalecimentos em sala de aula.

Fraqueza.

Não só a infância foi convocada a pagar em libras de carne aos banqueiros da Alemanha e assemelhados.

Aposentados foram 'convidados' a viver com pensões entre 20% a 30% menores.

O salário mínimo foi cortado em 20%.

Todo o país foi estripado nessa proporção: entre 20% a 25% das vísceras.

Macrodados não conseguem traduzir o que se passa na agonia da vida de uma família quando o facão do arrocho corta a carne com esse talho e essa regularidade.

A camada de gelo mais fina trinca a olhos vistos. Mas é o lago todo que se revolve por baixo em correntes devastadoras.

Governada de forma irresponsável, diga-se, por sucessivos gabinetes antes da crise mundial, a Grécia foi a primeira economia da Zona Euro a ser excluída dos mercados financeiros quando a bolha do crédito fácil estourou.

A partir daí passou a depender dos programas de ‘ajuda’ para respirar.

A lambança precedente sugeria certa legitimidade a um ciclo de maior controle e sacrifícios.

Assim se fez.

Assim se desfez a ilusão na ‘racionalidade’ dos mercados para substituir a ‘sujeira’ da política.

A negociação com a sociedade foi substituída pelos ‘pronunciamentos’ e metas da troika, que durante seis anos fizeram gato e sapato da sociedade e da economia, com implicações iguais ou piores que as distorções que prometiam corrigir .

Vencida a paciência dos gregos, o que se tem depois de tudo é uma economia colapsada, um país desacreditado e uma população disposta a correr todos os riscos para se livrar do lacto purga interminável e devastador.

Essa talvez seja a maior lição das eleições deste domingo: trata-se do grito de alerta emitido por um povo que passou pelo inferno dos ajustes ‘racionais’.

E justamente por isso decidiu devolver à negociação política a construção do passo seguinte de sua história.

O protagonista que recebe esse mandato não é um partido qualquer.

E nisso também há algo a se extrair como lição à esquerda brasileira nos dias que correm.

O Syriza não é um partido, mas uma frente de organizações.

Surgiu em 2004 depois de um intenso processo de diálogo iniciado em 2001 entre múltiplas correntes progressistas, incluindo-se de socialistas a eurocomunistas, passando por ecologistas, maoístas e trotskistas.

Hoje é composto por doze organizações.

Sua solidez política e consistência programático levou-o a se tornar um polo de convergência de centenas de personalidades independentes, entre elas lideranças que se afastaram do PASOK (Partido Socialista) e do partido comunista grego.

A posição firme e ao mesmo tempo serena da coligação na luta contra o arrocho alargou sua base de apoio nas ruas e entre a juventude, com adesões maciças entre os Indignados da Praça Syntagma.

A seguir, alguns números que mostram por que, na Grécia, um Levy não leva mais o povo na conversa:

PIB - a recuperação prometida cedeu lugar a uma contração de 25% da economia entre 2009 e 2013. O desgoverno que era um pesadelo virou um inferno, sob o açoite do arrocho.

Emprego - mais de um quarto da população ativa do país ficou sem emprego. Antes do ciclo de arrocho a taxa era da ordem de 8%. Entre os jovens, até 35 anos, saltou para 50%, sem perspectiva de se reverter com a manutenção das políticas de ajuste.

Investimento - a prometida redenção pela retomada do investimento privado revelou-se uma fraude. Admite-se que os níveis pré-crise estavam inflados por conta de gastos públicos irreais e endividamento privado. Mas o que sobreveio foi o desmoronamento completo desse motor. Asfixiado pela contração da demanda, da renda e do orçamento do Estado, o investimento caiu de 26% do PIB, em 2007, para cerca da metade agora, 13% - o valor mais baixo de toda a zona do euro.

População e vagas - como se vivesse uma guerra, a Grécia viu sua população diminuir nos últimos anos, assim como o seu estoque de empregos. Desde 2009, 150 mil pessoas deixaram o país (1,3% da população) e 850 mil vagas de trabalho foram destruídas (18% do total).

Inflação - A inflação que era de 4% em 2007 caiu para menos 2% nos últimos dois anos. Nada a comemorar: a deflação reflete o arrocho salarial implacável, cujo objetivo é baratear o ‘custo Grécia’ para dar à economia algum poder de competição nas exportações à Europa. Com o colapso econômico de toda a zona do euro, marcada por recessão e deflação, o sacrifício grego, ademais, mostrou-se inútil.

Dívida - A Grécia protagonizou a maior reestruturação de dívida pública da história, em 2012. Mas o seu peso continua asfixiante em relação a um PIB que se contraiu 25%. A dívida continua a esgoelar a sociedade, situando-se acima de 170% do PIB. É impagável. E é justamente essa certeza que fez a população votar no Syriza que defende um corte de 50% no saldo. Antonio Samaras, o líder do derrotado Nova Democracia, ao contrário, considerava esse enforcador ‘sustentavel’.

Déficit público – Há aqui uma síntese das razões que levaram o eleitor grego a dizer ‘basta’ nas urnas deste domingo: apesar da queda de 25% do PIB nos últimos seis anos, a política de arrocho do Estado grego ainda conseguiu reduzir em mais 10% o gasto fiscal. Não só: simultaneamente, elevou a receita de 40% para 45% do PIB, desde 2009. Arrocho por todos os lados e tributação por todos os poros: foi assim que se conseguiu derrubar o déficit público, da ordem de 15% em 2009, para algo como 3% no ano passado.

O colunismo brasileiro abestalhado de tanta ortodoxia aplaudiria de pé.
Mas exatamente por isso terá dificuldades para explicar aos seus leitores por que os gregos rejeitaram, com tanta ênfase e risco, um êxito tão graúdo que aqui se vende como a redenção da lavoura.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

ocê não medita nem pensa... humhum... tá dominado!?


Onde se passa o “Leviatã”?
Em Minas !



Foi tudo dominado: a Política, o Judiciário, a Polícia e a Religião (e o PiG).


Conversa Afiada





Na foto, um campo de pouso no interior do Espírito Santo




Além de ler Sermões de Vieira e o Piketty, o ansioso blogueiro também vai ao cinema.

E assistiu ao magnífico “Leviatã”, do russo Andrey Zvyagintsev, que ganhou a Palma de Ouro de Cannes do ano passado.

É tanto o “Leviatã” de Jó quanto o “Leviatã” de Hobbes.

É a história do controle de uma pequena cidade russa por um prefeito corrupto, que serve aos poderosos com a descarada cumplicidade do Judiciário, da Policia e da Religião.

O prefeito Vadim cobiça a propriedade do personagem principal, Kolia, para, ali, em nome de um ricaço, instalar um resort.

Kolia resiste, mas Vadim consegue o que quer: Kolia vai preso, a mulher dele se desestrutura psicologicamente e o melhor amigo e advogado o trai miseravelmente.

Ninguém escapa.

Nenhuma instituição, nenhuma !

A foto de Putin aparece na parede do gabinete do prefeito safado.

Assim como há menções a Yeltsin, o presidente bêbado, e os líderes da União Soviética.

Mas, a política aparece lá atrás, sutil.

O murro na cara é a descrição de um fenômeno universal, que os brasileiros do Maranhão conheceram.

E os de Minas Gerais também.

Quer assistir ao Leviatã ?

Procure conhecer os detalhes da história do helicoca.

Minas Gerais fica (ou ficava …) numa península próxima ao Mar de Barents: o Espírito Santo !

Clique aqui para ver que os delegados da Polícia Federal, que enterraram o helicoca na Rússia, foram pra cima do Eduardo Cunha.

Parece o Samba do Crioulo Doido, mas não é.

É a Rússia.

É o Brasil !

Em tempo: meditação inútil, à saída do “Leviatã”. Quando o cinema brasileiro vai fazer um filme assim? Quando tiver um romancista como Dostoievski, Tolstoi? E quando se livrar da submissão à Globo Filmes!



Paulo Henrique Amorim

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

a Polícia Federal e a verdade dos fatos


Quantos crimes
há na fita do Cunha?



A denuncia derruba o Cunha ou derruba o Ministro da Justiça (sic), o zé


Conveersa Afiada






O deputado Eduardo Cunha acusa a Polícia Federal – e o Governo Dilma, portanto – de forjar uma gravação para implicá-lo na Lava Jato.

E detonar sua candidatura a Presidência da Câmara, como explica o Janio de Freitas.

A história se resume assim, segundo a Fel-lha:

Cunha recebeu a informação de que integrantes da cúpula da Polícia Federal teriam forjado, a mando do governo, uma suposta gravação de um diálogo com o objetivo de incriminá-lo.

A gravação teria sido entregue a ele no sábado (17) por um suposto policial federal que estaria indignado com a fraude.

Cunha solicitou ao Ministério da Justiça a abertura de inquérito para apurar o caso.

No gravação, uma pessoa que supostamente seria um agente da Polícia Federal ameaça contar tudo o que sabe sobre Cunha caso o congressista o abandone. O interlocutor, que seria uma pessoa ligada ao peemedebista, tenta tranquilizar o agente.

Cunha disse que a ideia do diálogo seria mostrar que um dos homens seria o policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca, investigado na Operação Lava Jato –que apura um esquema de corrupção na Petrobras– pela participação no esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Ouça aqui no site da Fel-lha.




NAVALHA




É muito grave.

A denuncia derruba o Cunha ou derruba o Ministro da Justiça (sic), o zé.

Se a gravação é uma fraude, quem fraudou ?

A Polícia Federal, para ferrar a candidatura Cunha ?

Ou alguém de fora da PF e que se diz da PF ?

Quem entregou a quem entregou a Cunha ?

E se a gravação for verdadeira ?

Quem fala na ligação ?

E a conversa descrita na gravação – se ela for autentica – reproduz a verdade de fatos ?

Ou se tudo o que está na gravação autentica é uma ameaça de um falso policial ?

Uma chantagem para tomar dinheiro do Cunha ?

Há muitas possibilidades.

Portanto, a Polícia Federal será incapaz de apurar a verdade dos fatos.

A PF do zé não prendeu ninguém no helicóptero da coca.

A PF do zé não sabe até hoje quem é o dono jatinho em que o Eduardo e a Bláblárina voavam.

A Polícia Federal e seus delegados aecistas só desvenderão esse mistério se o crime tiver sido praticado por um petista.

O Zé Dirceu, por exemplo.

O Genoino.

Aí, a PF do zé será mais eficiente que o FBI e a Scotland Yard, juntos !




Paulo Henrique Amorim

domingo, 18 de janeiro de 2015

“as Sete Irmãs”


"O caso Mattei" - o filme sobre as petroleiras


Diário Gauche







Petrobrás: um filme a ser revisto (assista acima, na íntegra)


Quanto à Petrobras, há um filme para ser visto. Chama-se 'O caso Mattei', de 1972. É dirigido por Francesco Rosi, e tem Gian Maria Volonté no papel título.Artigo de Flávio Aguiar (publicado originalmente no portal Carta Maior, em 02/jan/2015)

O Financial Times publicou recentemente um artigo onde se afirma que, dentre as companhias petrolíferas do mundo, a Petrobrás arrisca tornar-se uma “pária”, diante das acusações de corrupção interna e externa. Processada por um fundo abutre nos Estados Unidos, a Petrobrás passa por um momento em que, além das investigações (adequadas), enfrenta ataques demolidores no plano nacional e internacional.

O artigo do FT, além de noticiar as investigações, ressoa também o desejo (“wishful thinking”) de que a estatal brasileira venha a ser isolada, quebrando-lhe a espinha, e de quebra a espinha do governo brasileiro e do próprio Brasil, incômodo besouro que não deveria voar segundo as leis da ortodoxia econômica, mas que no entanto avoa, passando, apesar das dificuldades, por uma fase melhor do que a maioria dos países europeus, envoltos em crises de identidade, de empobrecimento galopante, de ascensão da extrema-direita e de perda de prestígio. Os ataques vão continuar e recrudescer, sobretudo desde que a ortodoxia europeia entrou em indisfarçável pânico diante da possibilidade de que o Syriza ganhe as próximas eleições nacionais na Grécia e arranque o país dos grilhões da “austeridade”. Se tiver sucesso, vai ser uma “catástrofe”...

Quanto à Petrobrás, há um filme para ser visto ou revisto. Chama-se “O caso Mattei”, é dirigido por Francesco Rosi (“O bandido Giuliano”, dentre outros), foi lançado em 1972 e tem Gian Maria Volonté no papel-título, o do engenheiro italiano Enrico Mattei, assassinado (hoje isto está judicialmente aceito, embora sem apontar os culpados) em 1962, num atentado contra o avião em que ia da Sicília para Milão e que matou também o piloto e um jornalista que o acompanhava.

Enrico Mattei (1906 – 1962) foi o engenheiro nomeado presidente da companhia Agip (Azienda Generale Italiana Petrolio), fundada por Benito Mussolini, para fechá-la. Ao invés disto, Mattei, convocando técnicos demitidos no pós-guerra, reativou-a, dinamizou-a e refundou-a sob o nome de Ente Nazionale Idrocarburi (ENI), empresa estatal que existe até hoje, sendo uma das mais dinâmicas da hoje combalida economia do país e uma das responsáveis pelo “renascimento italiano” dos escombros do fascismo na década de 50.

O motivo desta decisão surpreendente e que contrariou inúmeros interesses naquele momento, dentro e fora da Itália, foi a descoberta de um memorando em que um dos técnicos demitidos registrara a descoberta de jazidas de petróleo e gás no vale do rio Pó, perto de Milão, em terras pertencentes ao Estado. Em 1947 as prospecções confirmaram o memorando, encontrando não muito petróleo, mas muito gás, o suficiente para fornecer energia para a nova industrialização do norte do país.

Mas o esforço de Mattei não se limitou a isto. Ele projetou a ENI no cenário internacional, e aí seus maiores problemas começaram. Já havia problemas internos, que o filme de Rosi debate intensamente, centrando-se, entre outros temas, na discussão sobre o papel do Estado na recuperação econômica da Itália.

Jornalistas ortodoxos (parece um outro país que conhecemos...) criticaram violentamente o “estatismo” de Mattei, que não cedeu as reservas descobertas à exploração pela iniciativa privada, ressalvando que as empresas particulares eram benvindas – para fazer suas próprias prospecções em outras terras, vizinhas ou não, reguardando a propriedade estatal para a ENI.

Mas foi no plano externo que os problemas de avolumaram desmesuradamente. Tratava-se de um momento (década de 50) em que o cartel das “Sete Irmãs” (uma expressão cunhada por Mattei) dominava completamente o mercado petrolífero mundial, fazendo acordos lupinos e vorazes com governos corruptos e colonialistas dos países produtores no Oriente Médio e no norte da África, com condições abjetas, e simplesmente depondo governos que a eles e elas não se sujeitavam, como no caso da Pérsia, futuro Irã, em que o governo nacionalista de Mossadegh foi derrubado em 1953 sob a desculpa de “salvar o país do comunismo”.

As Sete Irmãs eram: a Anglo-Persian Oil Company (hoje British Petroleum, BP*), a Standard Oil of California (SOCAL), a Texaco-Chevron*, a Royal Dutch Shell*, a St. Oil of New Jersey (Esso), a St. Oil of New York (SOCONI) (hoje Exxon Mobil*) e a Gulf Oil. As assinaladas com o (*) existem até hoje e estão ativas no plano internacional.

Mattei tomou várias iniciativas que contrariaram o interesse do cartel e de quem a ele estava ligado, dentre elas:

1) Começou a percorrer os países do Oriente Médio e do norte da África oferecendo melhores condições contratuais. Alvos: Argélia (então ainda um “protetorado” francês), Tunísia (idem), Marrocos, Pérsia (hoje irã) e Egito. Objetivo: assinar acordos na base de 50%/50% na repartição dos lucros.

2) Realizou um acordo de compra de petróleo da então União Soviética, contrariando e enfurecendo a OTAN. Um memorando então secreto do National Security Council dos Estados Unidos considerava Mattei alguém “irritante” e um “obstáculo”.

3) Apoiou o movimento de independência da Argélia, atraindo a ira da organização terrorista francesa Organisation Armée Secrète (OAS), a mesma que tentou matar o General De Gaule, dentre outros atentados. Com isto contrariou também o próprio serviço secreto francês, o Service de Documentation Exterieure et de Contre-Espionage (SDECE).

Mattei criou uma espécie de fábula, no estilo de La Fontaine e Esopo, para explicar o que estava acontecendo:

“Um pequeno gato chega onde alguns cachorrões estão comendo num pote. Os cachorrões o atacam e o expulsam. Nós, italianos, somos como este pequeno gato. No pote há petróleo para todos, mas alguém não quer deixar que cheguemos perto dele”.

Mattei era uma figura pública, no centro da captação financeira do momento. De fato, tornou-se “irritante” e um “obstáculo”. E num momento em que, na Itália do pós-guerra, as várias versões da Máfia tinham se tornado investidoras no mercado financeiro. Não só lá: nos EUA também.

O desfecho deu-se num vôo da Sicília para Milão. Hoje se admite oficialmente que houve um atentado, provavelmente por uma bomba colocada no avião, acionada por algo como o acender de um isqueiro na cabine (sempre fui contra fumar em vôos). O avião caiu, e sabe-se que vários indícios e evidências foram “lavados” no local, ou não tomados em consideração, como o de que o corpo de Mattei tinha cravados vários fragmentos de metal – o que só uma explosão podia explicar.

O assassinato – hoje oficialmente admitido – aconteceu num momento em que isto era comum como “aggiornamento” ao mundo da Guerra Fria: recordemos o de Patrice Lumumba, no Congo, e a morte suspeita do Secretário Geral do ONU, Dag Hamarskjold, também numa queda de avião, no mesmo Congo, hoje objeto de nova investigação. Sem falar nos inúmeros golpes de direita na América Latina.

Além de focar uma tragédia, o filme de Rosi teve a sua própria. Durante a preparação do roteiro o diretor pediu ao jornalista Mauro de Mauro que fizesse uma investigação sobre Mattei. De Mauro tinha uma biografia interessante e complicada. Apoiara os fascistas de Mussolini e depois, quando os ventos mudaram, tornou-se membro da Resistência. Isto lhe garantiu inúmeros contatos, mas também lhe trouxe o hábito de falar demais, com todo mundo.

De Mauro foi à Sicília, e de lá, num dos últimos contatos com amigos, disse que tinha descoberto “a história de sua vida”. “Algo que iria abalar a Itália”.

Aparentemente, segundo um destes amigos, “falou a coisa errada para a pessoa certa e a coisa certa para a pessoa errada”. Foi sequestrado e morto pela Máfia siciliana. Seu corpo nunca foi encontrado. Dois dos investigadores de sua morte – o Coronel Alberto Della Chiesa e o Capitão Giuseppe Russo – foram mortos também pela Máfia. O episódio é evocado no filme.

Em 1997 o “Caso Mattei” foi reaberto, à luz das declarações do “capo” Tomaso Buscetta, duas vezes preso no Brasil e duas vezes extraditado para a Itália. Buscetta foi o primeiro a admitir que Mattei fora morto por ordem da Máfia Siciliana. A versão hoje predominante é a de que esta o matara a pedido da “Cosa Nostra”norte-americana que, como o NSC, considerava Mattei um “obstáculo irritante”, por atrapalhar seus investimentos petrolíferos junto a algumas empresas das Sete Irmãs. O envolvimento destas nunca foi comprovado, sequer investigado – exceto pela sugestão do filme de Rosi.

O caso de De Mauro foi a julgamento em 2011, no de Salvatore Rine, o único mafioso sobrevivente que teria um envolvimento com seu desaparecimento e morte. Rine foi absolvido por falta de provas, e o veredito apontou “assassinato com autores desconhecidos”, um final melancólico para a justiça italiana.

Embora com pontos análogos, a situação da Petrobrás hoje é diferente. Ela não é mais “um pequeno gato”. Virou um cachorrão. O próprio FT publicou não faz muito uma lista do que consdera hoje “as Sete Irmãs”: a Saudi Aramco, a China NP Corporation, a Gazprom, a National Iranian Oil Co., a PDVSA venezuelana, a Petronas da Malásia, e a Petrobrás. Há diferenças gritantes em relação às antigas “Sete Irmãs”: elas não formam um cartel. Tanto quanto se sabe, não patrocinam golpes de estado. E algumas das antigas “Sete” continuam em operação, com seus métodos nada ortodoxos.

Quanto à Petrobrás, o seu problema é que hoje ela descobriu o novo “grande pote”. Ou seja, o Pré-Sal. Isto pode desequilibrar (reequilibrar?) o mundo petrolífero em vários sentidos. O Brasil pode se tornar membro da OPEP. Pode trazer autonomia em matéria de petróleo não só para si mas para a América do Sul como um todo. E o petróleo ainda tem vida longa como fonte de energia.

A cachorrada ao redor está alçada. A externa, para por os dentes na reserva, impedindo que seus dividendos sejam usados para beneficiar a educação e a saúde dos brasileiros, favorecendo ao invés a “saúde” e o “bem estar” dos mercados internacionais. A interna, para lucrar com a entrega à voracidade internacional deste patrimônio nacional.

O filme de Rosi repartiu a Palma de Ouro do Festival de Cannes com “A classe operária vai ao Paraíso”, de Elio Petri. Está no youtube. No anúncio, diz que o filme tem legendas em português. Na versão que vi, não tem. Mas é compreensível para um falante de português ou espanhol.

Não perca.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Pensando melhor...

Meu texto final sobre o caso Charlie

17 de janeiro de 2015 | 12:32 Autor: Miguel do Rosário
racista
Estou em Paris, onde permaneço até o dia 23.
Minha mulher veio a trabalho e aproveitei para ficar em seu quarto de hotel. Comprei uma passagem em duas vezes, no cartão, com pagamento da primeira parcela no próximo dia 5. Digo isso para afastar insinuações sobre minha “prosperidade”. Infelizmente continuo um blogueiro pobre, que vive da mão-para-boca, sem outra renda que as assinaturas e contribuições dos leitores, além dos anúncios randômicos do Adsense.
Pobre, sem filhos, morando num quarto e sala na Lapa.
Mas livre.
E em Paris.
Não quero pensar nos R$ 20 mil que o diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, conseguiu arrancar de mim na Justiça, e que terei de pagar a qualquer momento.
Liberdade de expressão, para a Globo, vale só para blogueiros de Cuba e chargistas de Paris.
Para blogueiros do Brasil, é só porrada e processo na Justiça. De vez em quando morre um blogueiro assassinado, sem que haja qualquer repercussão em nossa mídia.
Eu sempre detestei essas ondas linchatórias das redes sociais, que não admitem o contraditório, e vão num crescendo que se transforma rapidamente numa grande fogueira inquisitória.
No caso do Charlie, com a sua redação dizimada, e seus desenhistas mortos, sem poderem se defender, fiquei particularmente indignado com as acusações apressadas contra seu trabalho.
E mais chocado ainda porque as acusações partiram principalmente da esquerda, absorvida por um rancor incrível contra os desenhistas. Mesmo depois de explicados os contextos das charges mais pesadas, e esclarecido que a linha do jornal era fortemente anti-racista, pró-socialista, pró-trabalhista, progressista, as pessoas agora torcem a boca para dizer que os desenhos “não são engraçados”, ou que são de “mau gosto”.
Como se isso tivesse alguma importância diante da conjuntura!
Humor é uma questão de gosto, evidentemente.
O francês tem um humor historicamente negro, talvez em vista de um passado com tantas tragédias. Enquanto pesquisava as edições do Charlie, numa mesa do centro George Pompidou, um senhor sentado a meu lado apontou-me uma notícia que ele lia no jornal.
O título era algo como: “Lucro da indústria de tranquilizantes dispara após atentados”.
Ele sorria maliciosamente. A notícia era um chiste puro de humor negro. Sempre haverá alguém faturando em cima da tragédia alheia.
O humor negro é um humor triste, como um palhaço olhando a si mesmo no espelho.
Aliás, pensando bem, nós, brasileiros, também temos humor negro. Só que ele não aparece nos jornais. Rimos de “memes” infames nas redes sociais, mas ficaríamos chocados de ver as mesmas imagens em nossos periódicos.
Mas voltemos para o caso Charlie Hebdo, cuja honra eu resolvi defender, sabe-se lá porque.
Através de uma pirueta cheia de incompreensão, alguns brasileiros passaram a comparar o humor libertário do Charlie ao humor reaça que eles tanto odeiam no Brasil.
É uma confusão fatal.
O humor reaça brasileiro é bancado pelos monopólios. Nem preciso ler a Globo para saber que a emissora tentou faturar politicamente com a tragédia, associando-se aos jornalistas mortos.
Não tem nada a ver.
Charlie tinha muito mais a ver com a blogosfera do que com a mídia corporativa.
A Globo é propriedade da família Marinho, os maiores bilionários do país.
Charlie era um jornal pobre, que em novembro publicava editorial pedindo aos leitores para o salvarem da bancarrota.
Lembrei-me imediatamente dos frequentes e desesperados pedidos de SOS deste Cafezinho.
Charlie era um jornal de esquerda.
Um jornal que combatia de frente a extrema-direita e suas políticas racistas e anti-imigrante. Os desenhistas não tergiversam. A extrema-direita é o inimigo.
ScreenHunter_5464 Jan. 17 10.55

ScreenHunter_5463 Jan. 17 10.54


A partir de 2012, com a ascensão de François Hollande, do Partido Socialista, ao poder, Charlie passou a fazer um contraponto à esquerda ao governo, sempre protestando contra as concessões do presidente ao conservadorismo econômico.
Mas o fazia com muita estratégia, mantendo a artilharia pesada contra a Frente Nacional, a famigerada extrema-direita francesa, que está em ascensão, e a centro-direita representada pelo UMP, de Nicolas Sarkosy.
Eu analisei uma coletânea de edições do Charlie, publicada há alguns anos, com resumo de seus trabalhos desde sua fundação, em 1969, quando sucede um jornal mensal de humor, intitulado Haraquiri, até 2004. E depois analisei, com muita atenção, umas trinta ou quarenta edições mais recentes, além desta última, publicada após a tragédia, e que vem se esgotando dia após dia nas bancas de jornais, num fenômeno de sucesso editorial jamais visto em lugar nenhum do mundo.
Não era, de maneira alguma, um jornal “islamofóbico”. Era um jornal ateu, com notória tendência anarquista, com uma volúpia maravilhosamente iconoclasta, o que é bem diferente.
Não há nenhuma charge ou desenho contra o Islã, mas somente contra os jihadistas que matam gente inocente, e mesmo assim, esse tema não é, nem de longe, dominante no jornal.
Pelas acusações nas redes, deu-se a impressão que o Charlie vivia para chocar e humilhar os muçulmanos na França. Outros o acusaram de sionismo.
Não é verdade. Não encontrei nenhum editorial em favor de Israel, mas vários textos em favor da Palestina.
ScreenHunter_5460 Jan. 17 10.13


O editorial de Charlie, de novembro do ano passado, critica o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e os deputados da UMP (centro-direita francesa, partido de Sarkosy) por não reconhecerem o Estado palestino, lembrando que a OLP, a autoridade nacional palestina, reconhece o Estado de Israel.
Charlie também criticava o Hamas e as facções palestinas mais radicais, que advogam a destruição de Israel. Alguns desenhistas do Charlie eram judeus, como Wolinsky, um senhor de 80 anos cujo pai fugiu da Polônia durante a II Guerra, e que deve ter perdido inúmeros parentes e conhecidos nos campos da morte nazistas.
Não podemos esquecer que os judeus formam uma minoria na França. São 600 mil judeus, contra 6 ou 7 milhões de muçulmanos na França. E que desde priscas eras, as vítimas dos atentados terroristas na França são sempre os judeus, não os muçulmanos.
Na Palestina, no Iraque, as vítimas são muçulmanos. Na França, ainda são judeus.
Claro que há uma questão de classe, muito forte na França.
Apesar do país não possuir um percentual significativo de miseráveis, e do Estado francês ainda ser socialista (ao menos em comparação com Brasil e EUA), com um sistema público de educação e saúde  universal, inúmeros programas sociais, amplo seguro desemprego, transporte público de massa de altíssima qualidade, a vida não é um mar de rosas para os mais pobres, que vivem nas periferias.
Os jovens de ascendência árabe, misturados a uma população crescente de imigrantes ilegais, criaram uma cultura própria, rica, contestadora. Há muitos rappers muçulmanos na França, cujas músicas trazem títulos como: “Não ao laicismo” e “Sou muçulmano, não entre em pânico”.  Não vou fingir que conheço todas as músicas, mas suponho que há canções interessantes, com letras agressivas e políticas, que tocam a juventude. Todos foram solidários com as vítimas e seus parentes, contudo.
Esses jovens odiavam, é preciso admitir, o jornal Charlie Hebdo, por causa da decisão dele de publicar as charges de Maomé. Eles não conheciam quase nada do jornal. Nunca leram uma edição. Tinham apenas uma visão simplista, construída pelo maniqueísmo típico de redes sociais, cujo exemplo vimos também no Brasil, de que Charlie era “islamofóbico”.
Este foi o caldo cultural que levou os terroristas a fazerem o que fizeram.
Também entre esses jovens, há um gigantesco ceticismo em relação à mídia tradicional. Teorias de conspiração proliferam rapidamente entre eles. Não se acredita que o atentado tenha sido cometido realmente por islâmicos, mas sim orquestrado por Israel, ou pelos EUA, ou pela extrema-direita, para jogar a França contra os muçulmanos.
Essas informações eu tirei do Le Monde de ontem, que entrevista vários jovens muçulmanos do sul da França.
A última edição de Charlie, pós-atentado, traz uma análise destas teorias. Elas não se sustentam, de nenhuma forma, diz o jornal.
Agora já se conhece a história pessoal dos terroristas. Eles efetivamente se ligaram a elementos com histórico no jihadismo internacional, e aderiram ao islamismo radical. Não eram, contudo, experts. Eram muito jovens, e o seu crime foi, de longe, a ação mais ousada que jamais empreenderam. Talvez por isso os detalhes mais patéticos, como esquecer a carteira de identidade perto do local do crime.
Não vou dispensar totalmente nenhuma teoria de conspiração porque sou blogueiro e, como tal, altamente sensível a elas. Mas da mesma maneira que não posso dispensá-las, também não posso abraçá-las.
E esta teoria é mais difícil de acreditar porque os terroristas admitiram as suas intenções , a Al Qaeda o reinvindicou,  e a reação dos islamismo radical foi de júbilo. O Estado Islâmico chamou os terroristas de “heróis”.
O jornal era crítico às políticas norte-americanas e europeias no Oriente Médio, e criticava frequentemente a política de ocupação de territórios de Israel.
Alguém falou que a França proibiu uma manifestação pró-Palestina no ano passado. Sim, e o Charlie foi contra essa proibição, prevendo, acertadamente, que aquilo apenas iria estimular os radicais e afugentar as pessoas de boa paz – maioria – que apoiam a Palestina. Acabou que houve a manifestação, mesmo sem autorização do governo, e foi liderada pelos grupos mais radicais e mais violentos.
Culpar Charlie por qualquer erro da política externa francesa, desde os mais antigos, na Indochina, passando pela guerra da Argélia, até os mais recentes, como o apoio à Otan na derrubada de Kadafi, e o apoio aos rebeldes sírios, seria como pretender culpar a Caros Amigos pela Guerra no Paraguai e pela privatização da Vale.
Charlie sempre foi contra as guerras.
JOGO: Para você a perna deste jovem foi
JOGO: Para você a perna deste jovem foi arrancada por uma mina: theca, russa, chinesa, francesa.


O jornal trazia, frequentemente, desenhos contra o genocídio em Israel. Alguns são bem fortes, sempre na linha do humor negro que ele usava para tudo.
ScreenHunter_5452 Jan. 17 09.29

Na charge acima, vem escrito no chapéu: “Não nos deixemos comover!”
O texto que aponta para a barriga da mulher palestina diz: “Esconderijo de armas do Hamas”. E o soldado israelense no tanque fala ao rádio: “O colo do útero parece dilatado, um morteiro será lançado!”
São muitas charges assim! Não há nenhuma charge pró-Israel. Nenhuma!
ScreenHunter_5453 Jan. 17 09.30


Na charge acima, a legenda no alto diz: “fim do embargo ao Iraque”. E mostra a chuva de mísseis caindo sobre Bagdá.
ScreenHunter_5458 Jan. 17 09.53


Na charge acima, outra denúncia terrível em forma de humor. O título diz: “pensem no material escolar de hoje”. A menina pergunta ao pai: “papai, precisa me comprar outras pernas”. Ao que o pai responde: “de novo?”
Não podemos, evidentemente, criar uma imagem edulcorada e santa que o Charlie jamais quis para si. Ao contrário, sempre buscou, deliberadamente, a malícia. Seu humor sempre foi cruel e sarcástico. Mas seu objetivo não era humilhar, e sim promover uma crítica libertária, uma crítica que liberta.
Haverá um tempo, no futuro, em que os principais intelectuais islâmicos admitirão que o trabalho de Charlie ajudou a religião a purgar suas franjas medievais e sectárias. Essa luta nunca foi apenas do Charlie. Nos países islâmicos, também se tenta criar espaços de liberdade, humor e autocrítica.
O Charlie mesmo foi atrás de periódicos de países muçulmanos que tentavam brincar com os dogmas de sua religião.
ScreenHunter_5454 Jan. 17 09.32

O título da matéria diz: “Piadas heréticas em terras muçulmanas”, e traz vários exemplos de charges e desenhos publicados em jornais de países islâmicos. Alguns são incrivelmente ousados politicamente, com críticas pesadas a um jihadismo que as elites árabes incentivam juntos aos mais pobres, mas do qual preservam seus filhos.
ScreenHunter_5455 Jan. 17 09.41

É uma questão a se pensar. As elites árabes incentivam o jihadismo por razões bem distantes de uma guerra anti-imperialista, mas porque assim evitam que o povo produza uma consciência de classe que os levem a querer coisas como melhores salários e mais serviços públicos.
Se todos concordam que não há santos em geopolítica, então devemos admitir que nem a França é nenhuma santinha libertária, nem as elites árabes são movidas por puro idealismo anti-imperialista. Tanto que mandam seus filhos estudarem nas melhores universidades da Inglaterra, França e EUA, enquanto os pobres são incentivados a matarem outros árabes. As principais vítimas do terrorismo islâmico são os próprios muçulmanos.
Entre as charges que os acusadores do Charlie chamam de “islamofóbicas”, poderíamos incluir, por exemplo, as que mostram o “palhaço terrorista”?
ScreenHunter_5456 Jan. 17 09.48


O que querem os palhaços terroristas?, diz a legenda sobre o desenho. O palhaço responde: “quero arrancar um sorriso”.
Estou selecionando apenas as charges que tratam do tema Israel-Palestina ou de terrorismo. 90% das charges do Charlie tratavam de outros temas.
A mania de mostrar a bunda, ou enfiar objetos nos rabos de figuras públicas, que tanto horrorizaram o público quando o personagem atacado foi Maomé, é na verdade uma antiga marca do Charlie.
ScreenHunter_5459 Jan. 17 09.57

A capa do jornal mostra o presidente norte-americana, George Bush pai, e a legenda diz: “O primeiro presidente com uma palma de ouro enfiada no rabo”. Ainda na capa, um desenho simpático de Michael Moore, o cineasta americano que é o pesadelo da direita.
Claro, esse tipo de charge choca o público brasileiro. No post anterior, eu expliquei que as artes francesas têm uma antiga tradição em chocar, em escandalizar. Um século antes de Machado de Assis, com suas histórias pudicas da burguesia fluminense, a França tinha Marques de Sade, descrevendo cenas eróticas de personagens do submundo.
A igreja católica, maioria na França, era o alvo preferido do Charlie Hebdo, desde a sua fundação.
Muitos acusadores dizem que eles não desenharam profetas de outra religião com a mesma crueldade com que o fizeram com Maomé. Talvez.
Talvez eles devessem ser mais ousados e mostrar Jesus com a bunda de fora, com um sinal do crescente estampado em suas nádegas.
Mas quem disse que eles não o fariam?
Mortos, é que não farão mesmo.
De qualquer forma, é justo perguntar: por que eles fizeram charges tão agressivas contra Maomé?
Bem, já mostrei e provei que eles faziam charges em favor dos palestinos, e contra os EUA.
Mas, de fato, nos últimos meses, os editores de Charlie se mostravam preocupados com a expansão do Estado Islâmico. E acusavam o Ocidente de não ver que a fonte do islamismo radical estava na Arábia saudita, o verdadeiro estado islâmico.
Os editores do Charlie não estavam gostando nada da expansão do obscurantismo islâmico no oriente médio e na própria França. Como ficou provado pelo atentado, eles tinham absoluta razão.
Sabemos que o Ocidente tem culpa pelo surgimento do Estado Islâmico. Em posts anteriores, expliquei isso em detalhe. Mas isso não nos impede de criticar o Estado Islâmico por si e repetir que nem tudo é guerra social. A Arábia Saudita é um dos países mais ricos do mundo, e incentiva  a proliferação de uma ideologia ultrarreacionária, contra a mulher, contra o homossexual, contra o laicismo.
A gente entende que há um fundo sócio-político no aumento do conservadorismo religioso em áreas pobres do Brasil, mas isso não pode nos fazer calar críticas contra as  lideranças que florescem nesse meio, como o Pastor Malafaia.
Se houvesse um Charlie Hebdo no Brasil, teríamos uma profusão de charges contra as lideranças evangélicas e católicas, as quais, na minha opinião, seriam muito bem vindas!
*
Muito se falou da presença de Benjamin Netanyahu na marcha de domingo, que reuniu quase 4 milhões de pessoas. Ora, não se pode culpar os mortos pela presença do primeiro ministro de Israel. O governo da França chegou a pedir que ele não viesse, mas ele, oportunista, fez questão de vir. Ao cabo, acho que teve um lado positivo, de ver o primeiro ministro de Israel e o presidente da Palestina, marchando juntos.
Se um punhado de jornalistas de uma revista de esquerda do Brasil fossem mortos por radicais religiosos, e houvesse uma grande marcha no Rio ou São Paulo, em prol da paz e da liberdade de expressão, seria um absurdo culpar os jornalistas mortos pela presença de Kassab e Ronaldo Caiado!
Um texto na edição pós-atentado, um dos sobreviventes aborda com duro sarcasmo esse apoio generalizado que vem de todos  os lados. Ele torce para o tempo passar e tudo voltar ao normal, quando os idiotas da direita atacavam o Charlie por sua posição política, e ele poderá contra-atacar do jeito que sempre fez, chamando-os de idiotas (em francês, “con”).
*
Lembram daquela polêmica sobre a charge da ministra da Justiça da França, uma senhora negra, retratada como macaca?
ScreenHunter_5467 Jan. 17 11.06



Explicamos mil vezes que a charge vinha no contexto de uma acusação a uma política da Frente Nacional, que havia xingado a ministra de macaca. O Charlie, antirracista, tomou a defesa da ministra.
Eis aqui os textos e uma outra charge, que contextualizam a situação:
ScreenHunter_5466 Jan. 17 11.03
Editorial atacando Anne-Sophie Leclere, política da Frente Nacional, que comparou a ministra Christiane Taubira a um macaco. O texto diz: Leclere, o macaco é você, até porque você veio do macaco como todos, embora no seu caso, parece não ter evoluído muito. Em seguida, o texto diz que o sistema político sonhado pela Frente Nacional lembra, em efeito, aquele dos babuínos e dos gorilas, com um chefe dominante se impondo pela força. Termina dizendo que alguns primatas são bem mais evoluídos que os membros da FN.

ScreenHunter_5465 Jan. 17 11.03
A charge comemora a condenação da política do FN pelo crime de racismo contra a ministra.

*
ScreenHunter_5469 Jan. 17 11.32

Acima, 4 charges de denúncia à violência israelense na Palestina, publicadas em edições recentes do Charlie: na primeira, o soldado israelense chama a senhora ferida, segurando uma perna: “Madame! Você esqueceu uma coisa”.
Na segunda, um israelense brinda com um palestino: “Em reconciliação, há Sion”,  ao que o palestino, degolado, responde: “Há um idiota também”. Há um  jogo de palavras e seus sons, intraduzível. Reconciliação em francês se pronuncia “reconciliacião”, ou seja, termina com o som de “sião”.  Na mesma palavrão, também há o fonema “con”, que significa idiota.
Na terceira, um retrato de casamento entre dois intransigentes: Netanyahu, primeiro-ministro israelense, e Mechaal, dirigente do Hamas.
Na quarta, o soldado israelense enrola nos braços as tripas de uma velhinha palestina, e fala: “quem faz a bagunça é que tem de arrumá-la”.  Uma crítica à inutilidade de medidas paliativas depois que o estrago da guerra está feito.
*
Encerro o post com uma charge tipicamente charliana, de humor negro e pegada de dura crítica política e social. O desenho mostra um menino atrás das grades, com olhar triste. “Prisão aos 13 anos”. Diante dele, seus pais dirigem o carro com expressão eufórica. A legenda no alto explica a cena:  “Enfim, férias tranquilas!”
ScreenHunter_5461 Jan. 17 10.42