quinta-feira, 25 de abril de 2024

governo de leis ou governo de vontades?

Os planos explícitos de tomar o poder à força



Por WILSON GOMES*


Bolsonarismo acredita num governo de vontades, não num governo de leis.

Os bolsonaristas lapidaram a convicção de que estão vivendo sob uma ditadura do Judiciário. Já estavam convencidos disso quando Sara Winter guiou seus exércitos num cerco de intimidação à sede do STF, para mostrar com foguetes e o rugir da multidão que maiores são os poderes do povo.

Ou quando Sérgio Reis, Zé Trovão, Roberto Jefferson e tantos outros propagavam uma peculiar teoria democrática segundo a qual o povo bolsonarista havia adquirido o direito moral de coagir, intimidar e punir os membros do Poder Judiciário pelo crime de impedir que o governo usasse o Estado como bem lhe aprouvesse. Uma crença alimentada pelo ex-presidente quando a cada contrariedade desferia impropérios contra juízes, explicava aos seus seguidores que era decente desrespeitar a Corte e prometia que cedo ou tarde iria medir forças com o tribunal e mostrar quem é que realmente mandava neste país.

Toda vez que o Judiciário impediu Bolsonaro de violar direitos, abusar do poder ou desrespeitar a lei, isso foi interpretado como prova de uma atitude ditatorial. Segundo o bolsonarismo, quem vence uma eleição presidencial ganha o direito de moldar o Estado, a Constituição e a sociedade conforme seus projetos e caprichos. Como uns juízes que não foram eleitos se atrevem a contrariar um presidente eleito democraticamente sem violar a democracia?

Inúmeras vozes radicais de direita na esfera pública digital aprontaram o diabo durante a hegemonia do bolsonarismo. Colocaram em risco a população com mentiras e meias verdades durante a pandemia, espalharam o pânico moral para destruir a oposição às suas pretensões eleitorais, ameaçaram juízes do STF e suas famílias, atuaram deliberadamente para destruir a credibilidade do processo eleitoral brasileiro, mobilizaram pessoas para uma tentativa de abolição violenta do Estado de Direito. Mas cada vez que algum juiz do STF tomava providências para impedir aquele estado de coisas, compartilhava-se mais uma rodada de comprovação empírica de que uma ditadura togada varria a esfera pública para violar a liberdade de expressão dos bolsonaristas.

Nada há que possa ser feito contra golpistas ou sediciosos antidemocráticos que na leitura bolsonarista não sirva como comprovação do que já se sabe: estamos sob uma ditadura. Prender e processar os extremistas que foram incendiar os Três Poderes no 8 de Janeiro, naturalmente, não poderia ser compreendido de outra forma.

Não é à toa que foi exatamente nesses termos que Elon Musk se referiu a Alexandre de Moraes na semana passada: um ditador que tem Lula na coleira, aos seus pés. Moraes sintetiza para os extremistas de direita o Poder Judiciário que diz “não” aos seus apetites e vontades.

Muita gente andou dizendo que o ataque de Musk teria sido uma reposta a eventuais abusos do ministro. Não tenho recursos para julgar o mérito da alegação de que Moraes tenha cometido abusos e estou pronto a concordar que essa discussão mereça ser feita. Faço notar, entretanto, que a fórmula ideológica segundo a qual “qualquer ação que freie, controle ou puna Bolsonaro e o bolsonarismo é um ato indevido e antidemocrático” precede de muito os inquéritos do 8 de Janeiro ou a prisão de pessoas que usaram o espaço público para atacar o STF.

O bolsonarismo acredita num governo de vontades, não num governo de leis, é do seu DNA; embora só o segundo seja compatível com um regime democrático. Essa briga, desculpem, não é com Moraes, é com o que ele representa.

Bolsonaristas sempre alternaram, como em um game, entre o modo vitalista e o modo vitimista, conforme suas conveniências. Como todo extremismo de direita, gosta de exibir um “ethos” viril, afirmativo, arrogante, que despreza fracos e perdedores e passa por cima de qualquer força. Por outro lado, como um identitarismo de direita, adora mostrar-se perseguido, cercado de malignos e poderosos inimigos por todos os lados, uma minoria moral contra a qual se levantam as forças do mal em uma conspiração em que estão todos envolvidos.

A ideia da “ditadura do Judiciário” faz parte do modo vitimista que passou a ser predominante a partir de 2022. A figura do Malvado Alexandre, devorador de direitos e liberdades, implacável e sem coração, coaduna perfeitamente com o imaginário paranoico de uma facção que sente agora que está por baixo, mas que não faz muito tempo rugia e mostrava os dentes, ameaçava soltar as Forças Armadas contra os inimigos e fez planos explícitos de tomar o poder à força e colocar em correntes o próprio Alexandre de Moraes.


* Professor Titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma tragédia Anunciada"


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