Dez falsos motivos para não votar na Dilma
por Jorge Furtado em 25 de julho de 2010Tenho alguns  amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai  votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como  ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos  opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.
Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons  argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume  seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou  o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito  inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai  lá para o pé da página, quem quiser que leia. (1)
Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a  sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do  Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das  causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o  inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz  temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por  ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos  homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo  as células tronco.
Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me  parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos.  Passo a analisar os dez mais freqüentes.
1. “Alternância no poder é bom”.
Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a  escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em  conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo  políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram  quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de  que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o  desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o  aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a  concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si  não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade  de reeleição.
2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.
Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A  esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a  diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a  inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se  atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda  significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do  bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da  distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena  liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e  confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se  reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o  país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de  políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como  Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam  principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José  Serra, por sua vez, tem o apoio majoritário da direita e da  extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB,  PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge  Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire,  Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim  Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli,  são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no  folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou  Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.
3. “Dilma não é simpática”.
Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia  não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom  governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do  gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar  alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora  ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância  com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas,  especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.
4. “Dilma não tem experiência”.
Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de  Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras,  gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos  programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito  mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que  só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está  fazendo um bom governo.
5. “Dilma foi terrorista”.
Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há  qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”.  Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à  ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou  ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez  parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que  também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos  jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje  participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando  Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações  armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis,  ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de  orgulho, não de vergonha.
6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.
Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior,  políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O  governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o  FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e  aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do  governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o  mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De  qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos  do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.
7. “Serra vai moralizar a política”.
Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista - no  qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder  FHC - foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio  Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de  ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o  volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos  fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o  governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao  contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC  não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria  parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou  conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de  investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de  financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo  presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em  processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o  principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até  ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu  confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos,  incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser  mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao  contrário.
8. “O PT apóia as FARC”.
Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa  de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na  oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o  líder do governo tucano, Artur Virgílio. Estes contatos foram rompidos  com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a  não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o  governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve  estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da  diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por  exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das  relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se  tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país  democrático?
9. “O PT censura a imprensa”.
Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição  feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta  oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de  Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição  oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de  censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é  a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do  governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do  mundo, de regulamentar a atividade da mídia.
10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.
Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.
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(1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.
Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões
Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares
Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões
Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos
Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78
Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos x Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.
Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%
Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%
Taxa de juros:
FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%
(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10:
José Serra começou sua campanha dizendo: "Não aceito o raciocínio do nós  contra eles", e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de  chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o  narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de  Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o  DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá  da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na  disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do  conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos  Estados Unidos. 
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