O sucateamento da saúde pública em São Paulo
O processo de terceirização e privatização implementado por governos tucanos em São Paulo repetem o padrão das políticas que FHC e Serra fizeram enquanto estiveram no governo federal: sucateamento e pauperização crescentes das estruturas públicas, principalmente as hospitalares e educacionais, e desvalorização de seus funcionários, para que o argumento privatizador pudesse encontrar respaldo junto à população em geral, com o devido apoio das corporações midiáticas. E assim foi. E assim continua sendo São Paulo. O artigo é de Gilson Caroni Filho e João Paulo Cechinel Souza.
Gilson Caroni Filho e João Paulo Cechinel Souza (*)
Nos últimos dias, temos visto uma infindável  torrente de notícias trazendo o presidenciável José Serra como o  baluarte derradeiro na defesa por uma saúde pública decente. Cabe-nos,  entretanto, salientar alguns pontos propositalmente obscurecidos pela  grande mídia sobre o tema em questão.
Desde 1998, com a eleição  de Covas e a edição/promulgação de um projeto de lei pelo então  presidente FHC, as Organizações Sociais (OSs) passaram a gerir uma série  de instituições hospitalares Brasil afora, mas encontraram no Estado de  São Paulo seu porto pacífico.
A partir de então, os hospitais e  serviços de saúde, que vinham sendo administrados diretamente pelas  autarquias municipais e estaduais tiveram seu gerenciamento  progressivamente terceirizado, privatizado – sempre pelas mesmas (e  poucas) empresas (OSs), e sempre sem licitação.
O esquema, de  contratos milionários, envolve aquilo que FHC e Serra fizeram enquanto  foram gestores federais: sucateamento e pauperização crescentes das  estruturas públicas, principalmente as hospitalares e educacionais, e  desvalorização de seus funcionários, para que o argumento privatizador  pudesse encontrar respaldo junto à população em geral, com o devido  apoio das corporações midiáticas.. E assim foi. E assim continua sendo  São Paulo.
Serra deixou à míngua o renomado Instituto do Câncer  Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho (IAVC), forçando os profissionais a  pedirem demissão pela falta de condições dignas de trabalho no local,  relegando a segundo plano o tratamento dos pacientes que lá procuram  auxílio. Preferiu deixar de lado um centro de excelência para inaugurar o  resplandecente e novo Instituto do Câncer de São Paulo Octávio Frias de  Oliveira (ICESP), só para homenagear seu padrinho midiático, aquele  cuja família lhe oferece a logística de um jornal diário e a metodologia  favorável do Datafolha.
Infelizmente, até hoje o ICESP não  funciona plenamente, os profissionais de saúde têm dificuldades imensas  para encaminhar para lá os doentes que dele precisam e os pacientes do  IAVC continuam com sérios problemas para conseguirem ter sua saúde  recuperada.
Por conta dessa mesma terceirização da saúde pública  paulista e paulistana, o vírus da dengue encontrou em São Paulo um  grande apoio governamental. Minimizando a atuação das Unidades Básicas  de Saúde (UBS) na prevenção de diversos problemas de saúde, subestimando  o fator pluviométrico e seu poder disseminador de doenças, a Prefeitura  Municipal de São Paulo demitiu centenas de agentes de combate às  zoonoses, essenciais para o controle da doença.
A  responsabilidade pelo aumento de quase 4.000% no número de casos de  dengue na cidade é debitada na conta da população que não está à altura  da arquitetura inovadora do tucanato. Sem contar os assombrosos índices  de contaminação nas cidades de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto,  todas administradas por políticos com ideias semelhantes às dos  prefeitos paulistanos Serra-Kassab – e por eles apoiados.
Não  bastasse tamanho descalabro, delegou às OSs a administração de diversas  UBS, prejudicando, sobremaneira, a inserção das equipes de Estratégia de  Saúde da Família (ESF) no Estado, onde podemos encontrar um enorme  vácuo no mapa brasileiro no que diz respeito à sua efetiva  implementação. A saber, as equipes de ESF são inseridas tendo em vista,  basicamente, o contingente populacional a ser atendido. Com base nisso,  São Paulo deveria ser o Estado com maior número de equipes – justamente o  contrário ao que se constata na realidade.
No que diz respeito  às estratégias de atendimento primário à saúde, Serra fragmentou todo o  atendimento prestado pelas UBS, esperando, assim, reinventar a roda – e,  com ela, quem o legitimasse publicamente. Essa foi a lógica que o levou  a criar o “Dose Certa”, o “Mãe Paulistana” e as unidades de Atendimento  Médico Ambulatorial (AMAs), que, reunidos, constituem, justamente, o  que se chama no resto do Brasil de ESF.
Mas a farsa de José Serra  não tem começo tão recente. Antes  de redescobrir a pólvora no  atendimento primário, já estava chamando para si os louros do programa  dos Genéricos, verdadeiramente criado pelo médico e então Ministro da  Saúde Jamil Haddad (PSB/RJ) em 1993, que, atendendo a orientações da  Organização Mundial de Saúde, editou e promulgou o Decreto-Lei 793. Este  sim, revogado integralmente por FHC e Serra em 1999, foi posteriormente  reeditado por eles mesmos (lei 9.787/99 e decreto 3.181/99),  acrescentando, vejam que pequeno detalhe, inúmeras concessões às grandes  indústrias farmacêuticas.
Presidente de honra do PSB, Jamil  Haddad faleceu em 2009, divulgando a todos quantos quiseram ouvi-lo que  sua ideia fora usurpada por Serra e seu respectivo partido. Faltou,  obviamente, o prestimoso apoio da mídia corporativa para divulgar suas  denúncias.
Da mesma forma, Serra se “esquece” de mencionar outros  atores importantes e nada coadjuvantes quando se refere ao Programa  Nacional de Combate à AIDS. Relata sempre que foi o mais importante,  senão o único, agente responsável pela implantação do Programa, tentando  obscurecer os trabalhos fundamentais desenvolvidos desde meados da  década de 80 pelos médicos Pedro Chequer, Euclides Castilho, Luís Loures  e Celso Ferreira Ramos Filho, além da coordenação realizada dentro do  Ministério da Saúde, no início da década seguinte, pelo ex-ministro Adib  Jatene e pela bióloga Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues.
Tanto  esforço não valeu muito no município de São Paulo, que parece não ter  feito a lição de casa no que diz respeito à redução da mortalidade  associada à AIDS nos últimos anos – entre o final da gestão Serra e o  começo da gestão Kassab (2008-2009). Segundo dados da própria Secretaria  Municipal de Saúde, houve um aumento do número de óbitos pela doença no  município, contrariamente ao que aconteceu no resto do país.
Muito  embora essa mistura de hipocrisia e obscurantismo seja maquiada pela  grande imprensa ao divulgar os feitos tucanos na área da saúde, contra  ela existem fatos concretos e objetivos. E sobre isso Serra não pode  fazer nada. Sobra-lhe a opção de negar sua existência ou pedir à Folha  de São Paulo que reescreva a história da forma que lhe parece mais  conveniente. Talvez não seja interessante para sua candidatura que se  descubra o real sentido do que promete. Quando fala em acabar com as  filas para a saúde estamos diante de uma proposta de modernização  gerencial ou uma ameaça de extermínio? É uma dúvida relevante.
(*)  Gilson Caroni Filho – professor de Sociologia das Faculdades Integradas  Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e  colaborador do Jornal do Brasil
(*) João Paulo Cechinel Souza –  médico especialista em Clínica Médica e residente em Infectologia no  Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário