quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Hannah Arendt (1906-1975)

Líderes judeus também contribuíram para o holocausto de seu povo

Diário Gauche


Com essa polêmica ruidosa sobre grupos de pressão judeus, acusações de antissemitismo para quem ousar criticar um só ato dos belicosos governos israelenses, (o que dirá referir os extermínios nos campos de refugiados palestinos na Faixa de Gaza), etc., vem à lembrança, quase naturalmente, a figura corajosa de uma frágil mulher judia chamada Hannah Arendt (1906-1975).

Essa teórica política, durante toda a sua prolífica vida intelectual, foi provocadora de grandes polêmicas, sempre em torno dos seus estudos sobre a condição humano sob regimes de opressão e totalitarismo. Ao analisar as origens do totalitarismo no regime nazista, por exemplo, não se limitou a examinar somente o lado dos que foram sujeitos da opressão, mas também dos que foram objeto da mesma.

Eichmann em Jerusalém, publicado em capítulos na revista New Yorker, entre fevereiro e março de 1963, é uma obra que procura entender esses dois agentes da relação opressiva. Ela narra o julgamento de um carrasco-burocrata do regime nazista alemão, Adolf Eichmann, ocorrido em Jerusalém, depois de ter sido sequestrado no subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense.

O nazista é conduzido então à Jerusalém, para o maior julgamento de um carrasco alemão depois do tribunal de Nüremberg. Durante o julgamento, a figura discreta de Eichmann discrepava dos crimes de que estava sendo acusado, e pelos quais assumia relativa responsabilidade. Hannah Arendt, então, mostra toda a sua capacidade de extrair reflexões filosóficas do que ela denominou de “banalidade do mal” – a conjugação de fatores desumanizantes (totalitarismo, criminalidade como norma estatal, burocracia, etc.) combinados com a reação apática das vítimas (em especial dos judeus), num processo de normalização da desumanidade e da “calamidade dos sem-direitos”. Arendt, evidentemente, foi muito criticada desde então pelas lideranças judaicas do mundo inteiro, pelo menos até a sua morte, em 1975.

No livro Eichmann em Jerusalém, uma das tantas obras publicadas, Hannah Arendt (foto) não fica somente na constatação da apatia estóica das vítimas do regime hitlerista, mas, corajosamente, aponta também fatos documentados sobre atividades nada-estóicas de líderes de comunidades judaicas que colaboravam com os nazistas, com o objetivo de obterem vantagens materiais e poupar vidas apenas dos seus protegidos.

“Onde quer que vivessem judeus – escreve Hannah Arendt – havia líderes judeus reconhecidos, e essa liderança, quase sem exceção, cooperou com os nazistas de uma forma ou de outra, por uma ou outra razão. A verdade integral era que, se o povo judeu estivesse desorganizado e sem líderes, teria havido caos e muita miséria, mas o número total de vítimas dificilmente teria ficado entre 4 milhões e meio e 6 milhões de pessoas. Pelos cálculos de Freudiger [Pinchas Freudiger, um 'judeu ortodoxo de considerável dignidade', segundo Arendt], metade delas estaria salva se não tivesse seguido as instruções dos Conselhos Judeus”.

Um aspecto é muito exaltado por Arendt nessa obra. Trata-se da solidariedade e da capacidade de resistência à opressão – qualidades raramente encontradas naqueles tempos sombrios – mas quando elas aconteceram, os alemães recuaram.

“Quando [os nazistas] encontraram resistência baseada em princípios, sua ‘dureza’ se derreteu como manteiga ao sol. [...] O ideal de ‘dureza’, exceto talvez para uns poucos brutos semi-loucos, não passava de um mito de auto-engano, escondendo um desejo feroz de conformidade a qualquer preço, e isso foi claramente revelado nos julgamentos de Nüremberg, onde os réus se acusavam e traíam mutuamente e juravam ao mundo que sempre ‘haviam sido contra aquilo’, ou diziam, como faria Eichmann, que seus superiores haviam feito mau uso de suas melhores qualidades. Em Jerusalém, ele acusou ‘os poderosos’ de ter feito mau uso de sua ‘obediência’” – ironizou Arendt.

A Holanda, lembra Arendt, foi o único país da Europa em que os estudantes entraram em greve quando professores judeus foram despedidos, e onde uma onda de greves operárias explodiu como reação à primeira deportação de judeus para os campos de concentração, principalmente de Sobibor.

Na Dinamarca, quando os alemães abordaram altos funcionários governamentais para que fosse possível a identificação de judeus por um emblema amarelo no braço, eles simplesmente responderam que nesse caso o rei também usaria a identificação, e que se os alemães insistissem haveria uma imediata renúncia generalizada. Segundo Arendt, os nazistas recuaram e foram tratar de criar outros meios para perpetrar seus crimes na região.

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