sábado, 19 de fevereiro de 2011

não me queira mal porque pensamos diferente

A qualidade do debate

 
 
 
Parece que a democracia brasileira não para de melhorar. Num ambiente com liberdade e meios de expressão, quase todos se manifestam sobre quase tudo. Não há mais segredos, ficou difícil enganar a maioria das pessoas por muito tempo, o que é péssimo para as ditaduras e para os monopólios. Se há quem possa levar democracia à China é o Google.

O otimismo quanto ao poder libertário da internet tem limites. A leitura dos comentários nos sites dos grandes jornais e revistas e nos portais de informação pode abalar a fé de que um governo escolhido pela maioria é sempre uma boa idéia (1), mas a tendência, eu espero, é que o nível vá subindo, aos poucos. Alguns blogs e sites mantém a conversa boa graças ao trabalho de seus editores: ler centenas, milhares de posts e só publicar o que presta, eliminando, se não todas as maledicências, pelo menos os preconceitos mais grosseiros, as ofensas e baixarias, além das calúnias, injúrias e difamações, que são crimes. No meu blog, mesmo com um número pequeno de leitores, desisti faz tempo de publicar comentários, (2) eu não tinha a condição exigida a um editor, ler cada um dos textos que publica.

Um dos meus blogs preferidos de política é o de Luis Nassif, dos melhores jornalistas do país. (http://www.brasilianasorg.com.br/luisnassif) Na eleição de 2010, o blog do Nassif  foi um espaço fundamental de resistência à campanha movida pela antiga imprensa contra Lula e Dilma (e a favor de Serra, é claro). O embate da blogosfera e da antiga imprensa na eleição de Dilma é história, e já está escrita.

Pois já faz algum tempo que o blog do Nassif mudou a maneira de publicar os comentários. Na impossibilidade de ler os milhares de posts, a publicação passou a ser automática para os leitores cadastrados, podendo ser eliminada se houver alguma denúncia de que a nota é ofensiva ou caluniosa, recurso usado por quase todos os sites que aceitam comentários. A edição dos comentários passou a ser coletiva – é esta a idéia – e não mais de Luis Nassif e equipe. Existe, ainda que remota, a possibilidade de que ninguém além do autor leia um texto publicado. A identidade dos comentaristas não é divulgada, embora o autor possa ser identificado se for preciso, por exemplo, se cometer algum crime.

O resultado é que o nível do debate, me parece, despencou. Entrei um dia desses para falar sobre o Caso Battisti (3), fui grosseiramente ofendido por uma turba cujo ímpeto guerreiro é inversamente proporcional à qualidade dos argumentos - muitas maiúsculas e pontos de exclamação e fieiras de adjetivos, quase nada de informação – e cujo governismo canino anda entre o nauseante e o ridículo.

Voltei ao blog estes dias, quando li o título de um post: “A estratégias de escandalização do Caetano”. “O que foi agora?”, pensei. Fui ler, não era absolutamente nada, um leitor mandou um comentário maldoso de Ivan Lessa, publicado em dezembro de 2009, onde ele sugere que Caetano dá declarações polêmicas em entrevistas com o objetivo de vender discos e ingressos para os seus shows.

http://www.brasilianasorg.com.br/blog/luisnassif/a-estrategia-de-escandalizacao-de-caetano

A maledicência de Lessa é uma bobagem, Caetano faz shows todo tempo, lança discos e dvds quase todo ano, qualquer entrevista sua precede shows ou lançamentos de discos. O comentário polêmico de Caetano, no caso, seria uma crítica que fez ao Woody Allen. Lessa atribui a Caetano dois adjetivos com os quais ele teria se referido a Allen, “careta” e “reacionário”.

Esta singela crítica cinematográfica feita no final de 2009 virou pretexto para uma inacreditável enxurrada de ofensas ao Caetano: “chato”, “gagá”, “Quem com menos de 40 anos ouve Caetano?”, “cala boca Caetano!!!!!”,“tolo”, “mentiroso”, “bicha louca rebolante”, “burguesinho”, “frutinha”,”falastrão”, “é um velho”, “hermafrodita de sacristia”, “fez 500 músicas? Se 10 prestarem é muito”, “ “histérico e almofadinha”, “E pedófilo. É o que a revista Veja diz.”

Um dos comentaristas cita um texto em que Luis Fernando Veríssimo teria chamado Caetano de “chato”. Escrevi protestando, garantindo que Veríssimo não escreveu texto algum chamando Caetano de chato, pedi a fonte. Ele respondeu, deu como fonte um texto fraquinho falsamente atribuído ao Veríssimo e circulando na internet e xingou minha mãe. (4)

Estas ofensas contra o Caetano (e outras ao Gil e ao Chico) foram publicadas em 11.02.2011 no blog do Nassif em resposta a críticas que o compositor teria feito ao Woody Allen em 2009. A estratégia de escandalização adotada pelo blog – enquentando uma fofoca de 2009 - deu resultado: foi o post mais lido desta semana.

Escrevi um comentário, que foi publicado, com destaque:

http://www.brasilianasorg.com.br/search/node/em%20defesa%20de%20caetano

Recebi alguns apoios, discordâncias, críticas e agressões, não muitas. Denunciei o caráter homofóbico de um post, ele continua no ar. Segundo o critério editorial do blog – exercido pela maioria dos leitores – é válido, em resposta a uma crítica cinematográfica, chamar o autor da crítica de “bicha louca rebolante”, “pedófilo”, “mentiroso” e “velho gagá”.

É da qualidade do debate político que virá o aperfeiçoamento da nossa democracia. Acho que esta qualidade, por sua vez, virá do bom senso da mediação de editores, jornalistas que assinam seus jornais, revistas, sites e blogs, selecionam comentários e se responsabilizam pelo que nele é publicado. Não dá para deixar uma máquina fazer este serviço, nem esperar que um enorme coletivo de leitores tenha o bom senso exigido para – quando e se lhe der na telha - editar e publicar textos jornalísticos. A tendência é que os radicais, os mais agressivos e com mais tempo livre, acabem dominando o debate, e passem a mandar “calar a boca” quem não concorda com eles.

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