terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

eu não iria

Os suspensórios do Otavinho




A primeira coisa em que pensei ao saber que a presidenta Dilma iria à comemoração dos 90 anos da Folha de São Paulo foi na comemoração dos 80 anos do jornal, para a qual convidou este que até então era apenas um leitor que, segundo o  ombudsman da época, Bernardo Ajzemberg, chegou a ser o que teve mais cartas publicadas naquele veículo.

Era o penúltimo ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Este blogueiro ainda acreditava em que era possível manter um diálogo civilizado com a imprensa conservadora, de maneira que interagia com colunistas daquele jornal como Eliane Cantanhêde e Clóvis Rossi – primeiro, por e-mail, e depois, pessoalmente, em eventos para os quais passei a ser convidado.

Esse lambe daqui, lambe dali durou até 2005, quando estourou o escândalo do mensalão e o jornal não aceitou bem as minhas críticas ao que me pareceu uma legítima tentativa de derrubar o governo Lula. Dali em diante, fui me tornando persona non grata, deixei de receber convites e de ter as minhas cartas publicadas.

Dois anos e meio depois, convoquei os leitores deste blog para o primeiro de quatro atos públicos de protesto que promoveria diante daquele jornal, com destaque para o da ditabranda, em 2009.

Aquele primeiro ato público, explique-se, derivou de afirmação do ministro do Supremo Ricardo Lewandowski de que a Corte que integrava aceitara o inquérito do mensalão porque a imprensa lhe teria colocado a “faca no pescoço”, o que me pareceu uma ameaça ao Estado de Direito, pois a Justiça processar pessoas com base em pressão da imprensa era – e continua sendo – assustador.

A segunda coisa em que pensei foi em tudo que fez a Folha de São Paulo ontem e hoje – no apoio que deu à ditadura militar, na ficha policial falsa da mulher que ali estava para prestigiar seu carrasco e na matéria em que permitiu que um sem-vergonha qualquer acusasse Lula de ter tentado estuprar um adolescente.
Senti engulhos.

Contrariado e um tanto quanto chocado, desliguei o computador, abri uma garrafa de vinho e fui para diante da tevê ver um filme. Em dado momento, não resisti e sintonizei a NBR (canal de TV da Presidência da República). Eis que entra Gilberto Kassab em minha sala, obviamente bajulando a Folha em discurso. Em seguida, vem Geraldo Alckmin também para bajular.

Dilma foi a última a discursar. Mesmo pela tevê era possível quase tocar o constrangimento que pairava na Sala São Paulo, anfiteatro pomposo do centro velho de São Paulo em que também ocorreu a comemoração de dez anos antes. Àquela altura, Dilma, seus ministros e aliados já pareciam perceber o choque que foi a presença dela no coração da imprensa golpista.

Ao assistir ao discurso da presidenta – e não sei se por conta do que aquela situação encerrava de patético –, ela já foi explicando que sua presença ali se tratava de um gesto simbólico de respeito à liberdade de imprensa e de convivência democrática.

Muito diplomaticamente, Dilma aludiu ao momento “especial” em que disse estar a imprensa escrita diante do que a internet está gerando em termos de relações dela com seus leitores – uma fala cheia de simbolismo, sobretudo no que se refere à blogosfera. E disse ainda ter “certeza” de que os jornalistas daquele veiculo saberiam “conviver” com as críticas de seus leitores…

Doce ilusão.

Todavia, em vez de rendição, passei a entender o gesto de Dilma como uma homenagem à democracia, à liberdade de imprensa e de opinião. Uma retórica cheia de menções à mesma ditadura que a Folha pediu e sustentou até quase o seu fim, quando abandonou o barco dos ditadores e passou a trabalhar pelas diretas já.

Ainda assim, não consegui engolir que um governo supostamente popular, nascido da luta do ex-presidente Lula, que sempre lembra que em seus oito anos jamais precisou almoçar com dono de jornal, tenha ido em peso prestigiar um jornal com um histórico como o da Folha só para provar que não quer censurar ninguém.
Até porque, não sei a quem a presidenta quis provar isso – se ao país ou aos barões da imprensa.

Até o momento em que vou concluindo este texto, a cena tétrica em que não paro de pensar é a seguinte: a presidenta papeando com o Otavinho no convescote até que, em dado momento, elogia os seus suspensórios. Não paro de pensar naqueles suspensórios ridículos a poucos centímetros daquela em quem depositei tanta confiança.

PS: refiro-me a suspensórios conceituais.

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