quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

quer mais informações sobre a Grande Revolta Árabe(?)... vem comigo

Pepe Escobar: Tudo sobre a Rotatória da Pérola

Viomundo

por Pepe EscobarAsia Times Online

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

A histórica, Grande Revolta Árabe de 2011 prossegue incansável – os iniciais ventos de jasmins vindos do Maghreb transformados em tempestades de areia a leste e oeste, que hoje varrem todas as latitudes no Norte da África e do Oriente Médio, já a caminho do sudeste asiático, no Irã.

Na 5ª-feira, 17/2, o foco chave é a Líbia – observem as coisas por lá, onde o “Mande o diabo de volta prô inferno”[1] de hoje está dirigido contra o eterno Gaddafi, como se aprende num RAP convocação militante dilacerado (assista aqui). Domingo, 20/2, o foco é o Marrocos – vejam nesse vídeo o que jovens (e velhos) marroquinos querem para a vida deles (assista aqui).

Ninguém precisa ser homem-do-tempo para ver de que lado sopram os ventos, que trazem ares de desobediência civil Gandhiesca, sobre por toda a Umma al Arabiya (a nação árabe).Veja sobre o  sobre isso o Dilbert, aqui. Dilbert: “Você acha que as pessoas treinam risadas quando estão sozinhas? [Claro que sim!] “É. Soa tão natural nos outros…”). No meio, o pequeno, mas gigantescamente estratégico Bahrain.

Esse rei está mudo

 
O Bahrain é um microscópico arquipélago de 1,2 milhão de habitantes, separado da Arábia Saudita por um braço de mar – 65% do Bahrain é xiita. Mas a dinastia al-Khalifa no poder é sunita. A maioria dos xiitas são pobres, marginalizados e discriminados – um proletariado rural. E tem sido cada vez mais pressionados, à medida que uma massa de sunitas “importados” – mais de 50 mil do sul do Paquistão, do Baloquistão, da Jordânia e do Iêmen – já naturalizados. Acrescente-se a isso a estratégia clássica do dividir para governar – com a força de trabalho local empurrada contra a força de trabalho estrangeira; 54% da população são trabalhadores trazidos de fora, cerca de metade dos quais do sudoeste da Índia.

O rei Hamad está no trono desde 2002, formado na Universidade de Cambridge, e não é bobo. Há um Parlamento eleito, mulheres votam e alguns prisioneiros políticos foram libertados. A isso Washington chama de “estabilidade”. Mas o rei morre de medo da maioria xiita, e não por acaso praticamente todos no ministério da Defesa e na polícia são sunitas “importados”.

O Bahrain não nada em petróleo como Abu Dhabi, ou em gás como o Qatar. Mas o modelo de desenvolvimento adotado foi, sem dúvida, o do neoliberal ensandecido Dubai – o petróleo usado como combustível para a especulação imobiliária. Quem vence: a família al-Khalifa e adjuntos selecionados. Quem perde: antes de tudo e sempre: os xiitas. E houve as ondas de pós-choque da crise financeira de 2008. O governo cortou subsídios aos alimentos e ao combustível – enquanto os agentes e aderentes das elites globais continuaram a autoenriquecer-se. O povo enfureceu-se ainda mais. Para completar, a principal base da 5ª Frota da Marinha dos EUA – autodesignada cão de guarda – está no Bahrain.

Rumo à Rotatória da Pérola

 
O centro da ação, teatro dos sonhos, a praça Tahrir do Bahrain, é a Rotatória da Pérola em Manama, cercada de grandes shopping malls, próximo da avenida principal, ao lado do centro financeiro.

Aqui veem-se vários filmes feitos com câmeras de telefones celulares, dos protestos dessa semana. Desde a 3ª-feira, milhares de pessoas têm passado a noite numa cidade de barracas construída à moda de uma nova praça Tahrir, e a Rotatória já está sendo chamada de “praça dos mártires”. Durante o dia a multidão aumenta imensamente. Todos os fins de semana no mundo muçulmano – as quintas e sextas-feiras – os sauditas abandonam o sufocamento Wahhabista e buscam relaxar nos malls de Manama. Por isso, tem-se a impressão de que os xiitas sauditas unem-se aos protestos.

Embora haja alguns sunitas estranhos, os manifestantes no Bahrain são predominantemente xiitas. E são extremamente bem organizados: têm um centro de mídia, e várias barracas-hospital para primeiros socorros. A monarquia e o governo ainda não entenderam o que os atacou. Não há “Discurso do Rei” indicado para o Oscar: esse rei está é mudo. Tentaram até solução ‘preventiva’, e o governo mandou pagar US$2.660 a cada família, depois de aumentar os subsídios para alimentos e contratar empresas de Relações Públicas ocidentais para operar como conselheiros [no Brasil, diz-se ‘de marketing político’, expressão absurda, que, no mundo, só se ouve na Rede Globo, no Estadão, na Folha de São Paulo e em cursos de pós-graduação da ECA-USP (NTs)] na operação de controle de danos.

Além disso, o de sempre. A polícia antitumultos usou os proverbiais gás lacrimogêneo e balas revestidas de borracha. A internet ficou lenta – e funcionários do governo admitiram que obedeciam ordens.

Compare-se isso à Rotatória da Pérola, onde manifestantes instalaram projetor e talão para acompanhar a cobertura da mídia global, e uma cantina para distribuir comida. Tuítes de Manama exaltam “o nível de civilidade e auto-organização”. Uma coalizão de manifestantes seculares de esquerda está sendo formada. Está tudo andando à maneira da praça Tahrir.

E na noite dessa 4ª-feira, depois de a Rotatória da Pérola – carinhosamente chamada “Lulu” pelos habitantes locais – ter estado lotada, com todos cantando a plenos pulmões, até o hino nacional do Egito, às três da manhã, na calada da noite, aconteceu. Sem qualquer aviso, centenas de policiais da polícia antitumulto baixaram sobre as tendas, com granadas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, espancando quem vissem pela frente; às 4 da manhã, Lulu estava totalmente deserta. Muitos dormiam na cidade de tendas, inclusive mulheres e crianças. Pelo menos dois – talvez três – manifestantes foram mortos.

A que levará isso? Os protestos não diminuirão. Essencialmente, o povo do Bahrain quer uma monarquia constitucional; eleições justas; a libertação de todos os presos políticos; e a renúncia do primeiro-ministro Sheikh Khalifa bin Salman al-Khalifa (tio do rei, no poder há nada menos que 39 anos, desde a independência do jugo britânico), e o direito de eleger todo o Parlamento.

Até agora, a ideia de que o rei deve partir não era a primeira a ocorrer a ninguém; agora, é. Como não seria? Afinal de contas, o rei só foi pródigo na distribuição de riquezas para os sunitas. E depois do ataque policial, as pessoas voltarão ainda mais motivadas. Tuítes do Bahrain insistem que é movimento do povo pelo povo, sem diferenças de seitas. E se recusam a aceitar que se trate de levante sunita – dizem que os Bahrainis lutam por nova constituição e respeito aos direitos humanos, não por alguma revolução nem para mudar o regime. Mas também isso pode mudar a qualquer momento, sobretudo depois do ataque policial: vejam o Egito há três semanas e o Irã no começo dessa semana.

O principal partido xiita, al-Wifaq, já perdeu qualquer esperança de manter a fachada democrática e retirou-se da Câmara baixa do Parlamento para a qual fora eleito (18 deputados, num total de 40), como protesto contra o ataque policial (dois mortos, no mínimo, e dúzias de feridos).

Seja como for, o poder real no Bahrain continua a pertencer à Câmara alta do Parlamento, todos nomeados pelo rei, e ao próprio rei Hamad. É o que basta para a “estabilidade” que o embaixador dos EUA tanto louvou em telegrama de 2008 publicado por WikiLeaks. Quanto ao presidente Barack Obama dos EUA, saltou sobre o ataque dos policiais no Bahrain e preferiu louvar o sucesso do levante do Egito comparado aos ataques de policiais no Irã.

Trata-se de Irã versus Arábia Saudita

 
O Bahrain é o cenário privilegiado de uma guerra visível entre o Irã e a Arábia Saudita. O Irã xiita está ali, do outro lado do Golfo. E a Arábia Saudita ali, do outro lado do braço de mar, com suas províncias orientais explodindo de tantos xiitas – e é lá que está o petróleo. Não surpreende que a Arábia Saudita soterre o rei al-Khalifa do Bahrain com toneladas de dinheiro e segurança.

Durante décadas, já desde antes da Revolução Islâmica, o Irã insistia que os xiitas do Bahrain são iranianos, porque a dinastia safavida ocupou as duas margens do Golfo Persa. Do ponto de vista de Teerã, Bahrain ainda é visto como província do Irã.

As mulheres no Bahrain são mais próximas das mulheres em Teerã do que na Arábia Saudita. Usam roupas tradicionais e em muitos casos sem o chador negro dos pés à cabeça; dirigem seus próprios utilitários esportivos; ninguém as faz parar nem as interroga; convivem com rapazes e homens em restaurantes, lojas e cinemas.

Há muitas escolas e uma boa universidade nacional – embora a maioria das mulheres prefira estudar nos EUA ou no Líbano. Ao mesmo tempo, ambos, tanto o Grande Aiatolá Sistani do Iraque quanto o Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei do Irã, são muito populares em Bahrain.

Temos assim um minúsculo reino do Golfo, onde a maioria – 65%, xiitas – não gozam sequer dos direitos de minoria, com um rei que pode vetar o que bem entenda e extinguir o Parlamento à vontade, que vive de uma pequena indústria do petróleo, de um florescente setor financeiro controlado por sunitas e por estrangeiros, e da renda que aufere do aluguel estratégico que Washington lhe paga pelos brinquedinhos navais caríssimos que patrulham o Golfo.

Não há dúvidas que está a ponto de explodir – e explodirá

A medieval Casa de Saud não pode, simplesmente, nem pensar Bahrain mais democrático representado por xiitas – mesmo que jamais se convertam em vassalos de Teerã. Os xiitas árabes são muito independentes; veem-se primeiro como árabes e só depois, como xiitas. A maioria não segue aiatolás.

O problema chave é que ver xiitas desafiar os poderes reinantes no Bahrain pode inspirar outras minorias xiitas árabes pelo Golfo – do Kuwait e dos Emirados Árabes à própria Arábia Saudita. E uma coisa é certa: qualquer governo que realmente represente os xiitas imediatamente declarará goodbye à 5ª Frota dos EUA, que será despachada dali.

Pode ser realmente muito grave – e com certeza já é e será. Se os protestos alcançarem níveis de febre egípcia – com massacres policiais ou não – a Arábia Saudita entrará no cordão para manter no poder o rei al-Khalifa. Correm rumores de que a polícia saudita já atravessou o mar para território do Bahrain, para combater os protestos.

Os sauditas, como vassalos obedientes, afinal, estão lutando pelos interesses da base naval dos EUA. E o circo tem de continuar – às vésperas de corrida da Fórmula 1. Uma coisa é certa: os xiitas resistirão furiosa e ferozmente. Mais cedo ou mais tarde, a Rotatória da Pérola conhecerá a vingança dos xiitas.


* Sobre “roundabout” (e para conhecer um dicionário totalmente interessantíssimo, muito útil para tradutores – Visual Thesaurus – , ver http://www.visualthesaurus.com/landing/?ad=tdc.small&__utmx=-&utm_medium=small&__utmv=-&__utmz=1.1294855507.1.1.utmcsr%3D%28direct%29%7Cutmccn%3D%28direct%29%7Cutmcmd%3D%28none%29&utm_source=tdc&utm_campaign=VT&rh=dictionary.reference.com&lang=en&__utmk=178822948&__utma=1.153358477.1294855507.1297876730.1297944405.47&word=roundabout&__utmc=1&__utmb=1.4.9.1297944416078 [NTs]).

[1] Orig. “Send the Devil Back to Hell”. É título de um documentário de 2008, sobre movimento de mulheres contra décadas de guerra civil na Libéria. Sobre o filme, ver http://www.theroot.com/views/sending-devil-home, onde se lê: “Armadas com camisetas brancas e orações, e usando a mais antiga ferramenta de barganha que o mundo jamais conheceu – o sexo –, as  mulheres levaram os senhores da guerra a por fim aos combates da guerra civil comandada pelo monstruoso Charles Taylor. Taylor era o ditador, é verdade, mas nem por isso mais cruel que as forças rebeldes que lutavam para arrancá-lo do poder. Guerra é isso.” [NTs].

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