Você tem um cão?
Ah, é um gato que você tem?
Se você não tem, algum parente, vizinho ou amigo seu tem, não?
Por favor, leia e repasse esta mensagem
CUIDADOS PARA A NOITE DA VIRADA DE ANO --(FOGOS DE ARTIFÍCIO)
Os fogos da virada de ano são responsáveis por acidentes dos mais variados tipos, principalmente com cães.
É grande o número de fugas e o conseqüente desaparecimento do animal, atropelamentos, ataques (investidas contra os próprios donos e outras pessoas), brigas (inclusive com outros animais com os quais convivem), mutilações em grades e portões, enforcamentos com as próprias coleiras, afogamentos em piscinas, quedas de andares e alturas superiores, aprisionamentos involuntários em porões e outros lugares de difícil acesso, alem de paradas cardiorespiratórias, etc.
O pânico desorienta o animal e pode deixá-lo agressivo, o que em se tratando de cães de grande porte, passa a ser também perigoso.
Procure evitar surpresas indesejadas garantindo condições mínimas de segurança, poupando ambientes conturbados e barulhentos desde antes do espocar dos fogos. Passe ao seu animal tranqüilidade e a sensação de que tudo está bem e sob controle.
Reações de medo, susto e espanto demonstradas pelo(s) dono(s) e/ou outras pessoas, o deixarão inseguro, o que poderá ser revertido em agressividade, fuga, e/ou farão com que procure tomar o controle da situação.
Cães são lobos domesticados que por natureza identificam e respeitam um líder. Você é o líder. E para isso não é preciso que ele tenha medo, mas respeito. O medo é (pode ser) imposto, o respeito é uma conquista. Onde não houver um líder um cão tentará esse posto. Situações de descontrole e desordem são propicias para que ele tente isso. É ai que entra a voz de comando - a sua voz de comando.
Outra conseqüência do que se está alertando aqui, além da serias mutilações, ferimentos, mortes e desaparecimentos, é o aumento de animais perdidos nas ruas, vindo a somar com os que já são animais de rua, o que fará aumentar um outro problema, e, claro, a dor da perda de seu mascote.
Tudo isso pode ser evitado com prudência, atenção e um pouco de boa vontade.
Alguns veterinários aconselham o uso de tampões de algodão nos ouvidos que podem ser colocados minutos antes e retirados logo após os fogos, como também a administração de calmantes naturais, com resultado bastante eficiente para os animais que historicamente apresentam o estresse.
(consulte o veterinário)
Todos os anos, nos primeiros dias de Janeiro, facilmente são identificados vagando pelas ruas animais desorientados e perdidos. Boa parte deles (é fácil identificar na aparência) se perderam desesperados com os fogos da virada do ano.
Esse alerta serve também para datas comemorativas, grande jogos de futebol (clássicos e decisões), Copa do Mundo, época de São João, etc.
PRATIQUE A POSSE RESPONSÁVEL DE ANIMAIS.
VAMOS PREVENIR?
*Divulgue o conteúdo dessa mensagem aos seus amigos, parentes e vizinhos, assim com no seu bairro, condomínio, no
trabalho, etc. (não só pela Internet).
Feliz Natal e que no Ano Novo tomem os cuidados com seus bichos.
Uma humanidade solidária, amorosa... construída com todos incluídos num mundo menos elitista, preconceituoso, autoritário e desigual, por la vida... siempre!
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
Cachorreiros
Lá, pelo dia 22 de dezembro, recebo carta no correio da internet. Uma amiga de muito tempo sem ver, e de muita vontade de rever, manda um aviso de cuidado. Ei-lo, É muito importante, pois eu tenho meus cães e com orientação do veterinário tenho que deixá-los sedados. Eles sofrem muito na noite da virada de ano, com os fogos de artifícios, quebram portas, tentam se esconder, ficam desesperados, então leia atentamente. Não li. Ou melhor, lembro de ter visto de relance, bem lá embaixo, Pratique a posse responsável de animais. É isso, não quero praticar a posse de nada mais, nesse mundo. Fiz um pequeno resmungo e passei para o próximo e-mail. Todos a desejar um feliz natal e próspero ano novo. Nada de novo. Até mesmo as lembranças são dos mesmos amigos e amigas. Todos e todas bem-vindos.
É isso, fiquei decepcionado. Não, com certeza, fiquei desenganado. Tanto tempo e a carta que me chega, desta querida amiga, lá dos meus dezenove anos, é para cuidar de animais que não tenho. E não quero ter. Esses bichos precisam de cuidados constantes, jamais deixam de serem alimentados. Latem ao menor sinal de alegria ou estranhamentos. Deixam seus pêlos pela casa. Já me bastam os cabelos nos ralos dos banheiros. Quando chegamos ficam a rodar de lá para cá, aos pulos e num tal de lamba-lambe que sinceramente, não me animo. Relacionamento canino, apenas no limite da distância. Algo como, um reconhecimento mútuo. Um não incomoda ao outro. Eles lá e eu por aqui.
Não consigo me pensar a passear com animais, pela corda de uma coleira. Levá-los ao parque para brincar e esperar até que façam o número um ou o número dois, pelos gramados. Muito menos, levá-los à praia para vê-los correr pelas areias. Felizes com a liberdade que não querem, pois não se afastam nem se perdem. Com exceção dos mais desatentos. As ovelhas negras, os irresponsáveis.
Não sou cachorreiro nem gateiro.
Fico irritado quando as madames e os seus cachorrinhos se ficam instalados nas minhas areias. Aquele xixi ou aquele cocô, mais hoje, mais amanhã, irá parar em mim. Não tenho motivos para amá-los. Não tenho vontades de tê-los. Sou indiferente aos seus olhares de submissão e pedidos de carinhos, não lhes guardo em minhas poucas preces. Não os tenho em casa.
Mas como o tempo é o melhor remédio para feridas desprotegidas, segui em frente. Esquecido daquela senhora tão linda, afugentada das minhas memórias. Agora, preocupado com os preparativos para a noite de natal. Aquela reunião familiar e fraternal entre tantos e tantas. Quanto mais filhos, mais sogros e sogras e cunhados e cunhadas. Sobrinhos aos montes. Alguns se dão a conhecer durante a visita do velhinho, Oi, tio, conhece a minha namorada, Não, muito prazer, fique à vontade. Isso quando não lhe dão a missão de transportar seus amores de um lugar ao outro, Pai, me leva até a casa da Jú, Claro, meu filho, Pai, Você não, minha filha, fica em casa, Mas, pai, eu só quero saber se o Ravel pode vir aqui, em casa, Pode, minha filha, quer que vá buscá-lo, Não precisa, ele está no portão, Ah, então diz pra ele entrar.
É isso, minha noite de natal, mas têm mais, além dos abraços e as trocas de presentes, temos aqueles malucos que ficam pelas ruas a estourar rojões e bombas de papelão e pólvora. Barulhos de enlouquecer qualquer um. Sustos difíceis de suportar. Estrondos rápidos que apenas deixam como vestígio um cheiro da polvorada e um pequeno rastro de fumaça. Particularmente, está noite de 24 para 25 de dezembro foi muito barulhenta. Muitos estouros e sustos. Mas conseguimos sobreviver a estes humanos enlouquecidos.
A manhã seguinte é reservada à ressaca. Dormir e dormir. Com a preferência de acordar com litros de água ao lado da cama. Na distância de um braço. Beber e beber. Foi o que fiz.
Na tarde, resolvi que deveria manobrar o carro e guardá-lo de ré. Foi o que fiz. Não sei a razão, mas escolhi a hora de sol mais intenso, alguma coisa do tipo duas horas da tarde. Sol a pino. Erguido o portão, olhei para os lados, nenhuma alma viva ou morta se manifestava por ali, sai e tornei a entrar com o carro de costas. Barbada em dias normais, mas hoje, foi necessário mais de um ir e vir, até ajustar o carro nas medidas da garagem. Depois de feito, ergui os olhos para o portão e com o controle na mão me preparei para fechá-lo. Surpresa. Aparece a caminhar de maneira perdida e desorientada uma cachorra. Antes de continuar o grito mecânico, Sai daqui, reconheci o sexo do bicho, pelo par de fitinhas presas em suas orelhas. E, mais, reconheci a cachorra também. Tuca, a cadela da minha cunhada. Estava a quadras e quadras de distância. Moramos em bairros diferentes. E ali está a cachorra. Tuca. Passa no exato instante em que estou lá, para reconhecê-la. Naquele calor infernal. Chamei-a pelo nome, Tuca, Tuca, me ignorou. Continuou a caminhar. Sem destino. Desorientada. Segui em seu encalço. Deixando tudo em aberto. Não podia perder a Tuca de vista. Cuidando para não assustá-la. Mas sem nenhuma condição de competir com sua correria. Lembrei que carregava meu celular em um dos bolsos, Alô, Denise, Oi, Menina, achei a tua cachorra, Onde, Caminha aqui, na minha rua, To indo.
Nesse tempo de falar ao telefone e perseguir a desatinada, recebo socorro. Meu filho vem na correria e se põe na perseguição. Grito em aviso, Cuidado, não assusta a cachorra. Como se o animal já não estivesse desnorteada e apavorada. Ele segue em frente, Tuca, Tuca. Lembrava que, logo adiante, temos uma avenida muita movimentada e, por certo, aquele bicho criado em casa não saberia se esquivar e desviar. Peguei, novamente, o celular e já quase em desespero, Venham logo, ela está indo para a avenida, Onde vocês estão, Quase no final da rua. Na verdade, eles, meu filho e a cachorra, iam bem adiantados, eu os seguia como podia. Atrasado. Com os pulmões repletos do ar quente daquele dia ensolarado. Os pequenos arbustos me impediam a visão. Vi quando meu filho entrou na avenida e um enorme carro, desses gigantescos, deu uma freada brusca. Meu coração estava aos pulos. Apressei mais meus passos. Naquela esquina temos uma praça e algumas árvores, não conseguia ver. Acho que corria. Não sei. Quando consegui espichar meus olhos lá estavam os dois. Parados em meio da avenida. Os carros parados. Meu filho conseguira segurá-la. A mantinha deitada e a acariciava. Depois a pegou no colo. Estava protegida. Não reagia apenas se deixava carregar. A boca aberta, a língua caída da boca, os olhos arregalados. O coração galopava pelo seu peito peludo. Pêlos brancos com manchas amareladas.
Estava salvo.
Ela também. Fugira em desatino na noite dos estouros e vagara perdida toda noite até àquela hora da tarde. Ela tem estrela, eu tive destino.
Acima, na íntegra, a mensagem de aviso. Podem ler, caso não tenham lido. Eu acabei de ler.
É isso, fiquei decepcionado. Não, com certeza, fiquei desenganado. Tanto tempo e a carta que me chega, desta querida amiga, lá dos meus dezenove anos, é para cuidar de animais que não tenho. E não quero ter. Esses bichos precisam de cuidados constantes, jamais deixam de serem alimentados. Latem ao menor sinal de alegria ou estranhamentos. Deixam seus pêlos pela casa. Já me bastam os cabelos nos ralos dos banheiros. Quando chegamos ficam a rodar de lá para cá, aos pulos e num tal de lamba-lambe que sinceramente, não me animo. Relacionamento canino, apenas no limite da distância. Algo como, um reconhecimento mútuo. Um não incomoda ao outro. Eles lá e eu por aqui.
Não consigo me pensar a passear com animais, pela corda de uma coleira. Levá-los ao parque para brincar e esperar até que façam o número um ou o número dois, pelos gramados. Muito menos, levá-los à praia para vê-los correr pelas areias. Felizes com a liberdade que não querem, pois não se afastam nem se perdem. Com exceção dos mais desatentos. As ovelhas negras, os irresponsáveis.
Não sou cachorreiro nem gateiro.
Fico irritado quando as madames e os seus cachorrinhos se ficam instalados nas minhas areias. Aquele xixi ou aquele cocô, mais hoje, mais amanhã, irá parar em mim. Não tenho motivos para amá-los. Não tenho vontades de tê-los. Sou indiferente aos seus olhares de submissão e pedidos de carinhos, não lhes guardo em minhas poucas preces. Não os tenho em casa.
Mas como o tempo é o melhor remédio para feridas desprotegidas, segui em frente. Esquecido daquela senhora tão linda, afugentada das minhas memórias. Agora, preocupado com os preparativos para a noite de natal. Aquela reunião familiar e fraternal entre tantos e tantas. Quanto mais filhos, mais sogros e sogras e cunhados e cunhadas. Sobrinhos aos montes. Alguns se dão a conhecer durante a visita do velhinho, Oi, tio, conhece a minha namorada, Não, muito prazer, fique à vontade. Isso quando não lhe dão a missão de transportar seus amores de um lugar ao outro, Pai, me leva até a casa da Jú, Claro, meu filho, Pai, Você não, minha filha, fica em casa, Mas, pai, eu só quero saber se o Ravel pode vir aqui, em casa, Pode, minha filha, quer que vá buscá-lo, Não precisa, ele está no portão, Ah, então diz pra ele entrar.
É isso, minha noite de natal, mas têm mais, além dos abraços e as trocas de presentes, temos aqueles malucos que ficam pelas ruas a estourar rojões e bombas de papelão e pólvora. Barulhos de enlouquecer qualquer um. Sustos difíceis de suportar. Estrondos rápidos que apenas deixam como vestígio um cheiro da polvorada e um pequeno rastro de fumaça. Particularmente, está noite de 24 para 25 de dezembro foi muito barulhenta. Muitos estouros e sustos. Mas conseguimos sobreviver a estes humanos enlouquecidos.
A manhã seguinte é reservada à ressaca. Dormir e dormir. Com a preferência de acordar com litros de água ao lado da cama. Na distância de um braço. Beber e beber. Foi o que fiz.
Na tarde, resolvi que deveria manobrar o carro e guardá-lo de ré. Foi o que fiz. Não sei a razão, mas escolhi a hora de sol mais intenso, alguma coisa do tipo duas horas da tarde. Sol a pino. Erguido o portão, olhei para os lados, nenhuma alma viva ou morta se manifestava por ali, sai e tornei a entrar com o carro de costas. Barbada em dias normais, mas hoje, foi necessário mais de um ir e vir, até ajustar o carro nas medidas da garagem. Depois de feito, ergui os olhos para o portão e com o controle na mão me preparei para fechá-lo. Surpresa. Aparece a caminhar de maneira perdida e desorientada uma cachorra. Antes de continuar o grito mecânico, Sai daqui, reconheci o sexo do bicho, pelo par de fitinhas presas em suas orelhas. E, mais, reconheci a cachorra também. Tuca, a cadela da minha cunhada. Estava a quadras e quadras de distância. Moramos em bairros diferentes. E ali está a cachorra. Tuca. Passa no exato instante em que estou lá, para reconhecê-la. Naquele calor infernal. Chamei-a pelo nome, Tuca, Tuca, me ignorou. Continuou a caminhar. Sem destino. Desorientada. Segui em seu encalço. Deixando tudo em aberto. Não podia perder a Tuca de vista. Cuidando para não assustá-la. Mas sem nenhuma condição de competir com sua correria. Lembrei que carregava meu celular em um dos bolsos, Alô, Denise, Oi, Menina, achei a tua cachorra, Onde, Caminha aqui, na minha rua, To indo.
Nesse tempo de falar ao telefone e perseguir a desatinada, recebo socorro. Meu filho vem na correria e se põe na perseguição. Grito em aviso, Cuidado, não assusta a cachorra. Como se o animal já não estivesse desnorteada e apavorada. Ele segue em frente, Tuca, Tuca. Lembrava que, logo adiante, temos uma avenida muita movimentada e, por certo, aquele bicho criado em casa não saberia se esquivar e desviar. Peguei, novamente, o celular e já quase em desespero, Venham logo, ela está indo para a avenida, Onde vocês estão, Quase no final da rua. Na verdade, eles, meu filho e a cachorra, iam bem adiantados, eu os seguia como podia. Atrasado. Com os pulmões repletos do ar quente daquele dia ensolarado. Os pequenos arbustos me impediam a visão. Vi quando meu filho entrou na avenida e um enorme carro, desses gigantescos, deu uma freada brusca. Meu coração estava aos pulos. Apressei mais meus passos. Naquela esquina temos uma praça e algumas árvores, não conseguia ver. Acho que corria. Não sei. Quando consegui espichar meus olhos lá estavam os dois. Parados em meio da avenida. Os carros parados. Meu filho conseguira segurá-la. A mantinha deitada e a acariciava. Depois a pegou no colo. Estava protegida. Não reagia apenas se deixava carregar. A boca aberta, a língua caída da boca, os olhos arregalados. O coração galopava pelo seu peito peludo. Pêlos brancos com manchas amareladas.
Estava salvo.
Ela também. Fugira em desatino na noite dos estouros e vagara perdida toda noite até àquela hora da tarde. Ela tem estrela, eu tive destino.
Acima, na íntegra, a mensagem de aviso. Podem ler, caso não tenham lido. Eu acabei de ler.
sábado, 13 de dezembro de 2008
Inhacundá
As lembranças daquele arroio e dos meninos pelados correndo a se jogar nas suas águas não me deixam. As marés das chuvas a crescer suas águas no contorno da minha cidade, São Francisco de Assis. Meus cabelos brancos não me afastam destas memórias, pelo contrário, a cada novo fio pálido de leite meu memorial se reconstrói. As minhas carnes se ficam com doze anos, o fôlego me volta de uma só vez, os olhos se arregalam, esbugalhos de contentamento.
O arroio se chega em curvas de sinuosas intenções.
Tenho mais que a nostalgia poderia me trazer, tenho a memória do vivido com aqueles guris.
Voltei.
Precisava voltar.
Achei quase tudo no lugar. Minha casinha humilde com seu telhado de telhas em canoa. A porta. Janelas. As mexeriqueiras sumiram e as terras se dividiram para abrigarem muitas casas. Mas a praça e os bugios ainda andam por lá, viraram atrações. Os matos se acabam e resta a praça com os seus macaqueadores. Os turistas se vêm para alimentá-los e se fotografarem juntos. Fico de longe.
Não tenho precisão das fotos, pois tenho a vida, conservo as lembranças. Escuto os gritos de convocação, Milton, vamos jogar bola na beirada, Vó Nena, posso, Vai, mas cuida a hora do sol mais fraco, Tem pão quando eu voltar, Bem quentinho. E lá se iam os guris de São Chico na direção do arroio Inhacundá. A pelada se jogava com bola de costuras por fora nem parecia que doía chutar. O guri que eu era crescia entre os amigos, enquanto meus irmãos se foram pra capital mudar de vida. Deixaram a absoluta calmaria pela agitação das charretes e fords bigodes. Burburinho civilizatório.
Talvez, tudo não tenha sido bem assim, mas e daí, é como lembro e gosto de pensar que foi. Depois do futebol batia aquela vontade danada de pular no Inhacundá, mas o que fazer dos calções molhados, todos se olhavam e lá se iam eles pernas abaixo. Corríamos pelados até a barranca e pulávamos um após o outro, feitos pedras de dominó. Minhas lembranças se ficaram dos vôos até as suas águas límpidas de cor marrom. Cheiravam a mato. Sinto ainda estar a flutuar da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de alegria, os olhos arregalados de satisfação e os braços estendidos junto com minhas mãos e dedos. Voltei a ser aquele guri que já havia esquecido, deixado de lado, meio a contragosto.
Nadávamos até a ilha no meio do arroio e tornávamos a saltar nas águas, Silêncio, Psiu, O que foi, Ouçam, Não to escutando, As gurias estão a se banhar lá pra cima, Vamos espiar. E lá nos íamos espiar os banhos das gurias, com seus maiôs de manga e pernas compridas. Quando nos viam saiam nas correrias. Todos fugiam. Voltávamos a buscar calções e calças.
Lembro dos dias de chuva dentro do rancho. Não sei se o rumo dos sonhos viaja no tempo e chega a terra de lugares distantes, para mudar as lembranças, apenas atravesso a rua. Eis a agonia de percorrer o tempo e lugares antes que o estalar dos dedos se faça ouvir. Caminho com as mãos nos bolsos e passos deliberadamente lentos. Tenho a pele avermelhada pelo sol radiante e mergulhada em sua luz devastadora. A vasta cabeleira negra cedeu lugar ao cabelo encanecido pelo tempo, cortado baixinho. Digo que estou ainda inteiramente ingênuo e, até esse tempo, represento por inteiro aquele menino.
Paro a tomar fôlego e ouvir minhas preces ocultas. As vozes dos guris.
Ninguém percebe minha alegria do espanto, o eco me retorna. Sou aquelas memórias que só existem em mim. Fui feito em muitos anos. Lutei em muitos moinhos e sonhos, devaneios de guri feito homem sozinho. Esses pedaços da memória que me pertencem me fazem de carne e osso.
Tenho oitenta, e sei, sempre terei doze. Aquele guri do Inhacundá chegou até aqui e pretende ir mais longe, Nada é tão simples, meus filhos, do que viver. Sou um narrador intrometido nos próprios sonhos de lembrar. Sinto saudades da escola que não fui, fugia para jogar bola e tomar banho de rio. Sinto a ausência das letras que deixei pelos caminhos sem decifrá-las. Fiz um mundo diferente para mim. Tenho meus grandes heróis, brilhantes e universais. Quero reunir todos e todas que enquanto dormem sonham e são felizes.
Sinto o sonho do sono invadir os lugares mais retirados do meu corpo. Minha consciência vai me abandonando, quase adormeço do mesmo modo que sempre digo que devem descansar, confiantes, sem medo do escuro, pois, no final, sempre vencemos a escuridão. Continuo a conduzir as histórias do real, gostosas lembranças de guri. Eu sou o que existe de fato, o andamento dos compassos recolhidos dentro da memória. Intacto. Descobri o tempo de dizer o que decifrei do tempo que também sou. Isso, eu sou o guri que nunca deixei de ser. No mundo dos sonhos estou apenas usando minha memória, lembrando do que desejo sonhar de novo, coisas que podem ser acontecidas. Sigo fazendo o meu discurso, o meu abraço em vocês, meus filhos, desses que acontecem de vez em quando, pelo mundo desta ilha de muitos sabores.
Hiiiippppp, estou a flutuar da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de contentamento, os olhos arregalados de satisfação e os braços estendidos junto com suas mãos, meus filhos. Meus cabelos nevados se arrepiam, envelheceram. Minhas memórias pulam ansiosas, gritam alegres.
A magia é um mundo aberto sem porteiras.
O arroio se chega em curvas de sinuosas intenções.
Tenho mais que a nostalgia poderia me trazer, tenho a memória do vivido com aqueles guris.
Voltei.
Precisava voltar.
Achei quase tudo no lugar. Minha casinha humilde com seu telhado de telhas em canoa. A porta. Janelas. As mexeriqueiras sumiram e as terras se dividiram para abrigarem muitas casas. Mas a praça e os bugios ainda andam por lá, viraram atrações. Os matos se acabam e resta a praça com os seus macaqueadores. Os turistas se vêm para alimentá-los e se fotografarem juntos. Fico de longe.
Não tenho precisão das fotos, pois tenho a vida, conservo as lembranças. Escuto os gritos de convocação, Milton, vamos jogar bola na beirada, Vó Nena, posso, Vai, mas cuida a hora do sol mais fraco, Tem pão quando eu voltar, Bem quentinho. E lá se iam os guris de São Chico na direção do arroio Inhacundá. A pelada se jogava com bola de costuras por fora nem parecia que doía chutar. O guri que eu era crescia entre os amigos, enquanto meus irmãos se foram pra capital mudar de vida. Deixaram a absoluta calmaria pela agitação das charretes e fords bigodes. Burburinho civilizatório.
Talvez, tudo não tenha sido bem assim, mas e daí, é como lembro e gosto de pensar que foi. Depois do futebol batia aquela vontade danada de pular no Inhacundá, mas o que fazer dos calções molhados, todos se olhavam e lá se iam eles pernas abaixo. Corríamos pelados até a barranca e pulávamos um após o outro, feitos pedras de dominó. Minhas lembranças se ficaram dos vôos até as suas águas límpidas de cor marrom. Cheiravam a mato. Sinto ainda estar a flutuar da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de alegria, os olhos arregalados de satisfação e os braços estendidos junto com minhas mãos e dedos. Voltei a ser aquele guri que já havia esquecido, deixado de lado, meio a contragosto.
Nadávamos até a ilha no meio do arroio e tornávamos a saltar nas águas, Silêncio, Psiu, O que foi, Ouçam, Não to escutando, As gurias estão a se banhar lá pra cima, Vamos espiar. E lá nos íamos espiar os banhos das gurias, com seus maiôs de manga e pernas compridas. Quando nos viam saiam nas correrias. Todos fugiam. Voltávamos a buscar calções e calças.
Lembro dos dias de chuva dentro do rancho. Não sei se o rumo dos sonhos viaja no tempo e chega a terra de lugares distantes, para mudar as lembranças, apenas atravesso a rua. Eis a agonia de percorrer o tempo e lugares antes que o estalar dos dedos se faça ouvir. Caminho com as mãos nos bolsos e passos deliberadamente lentos. Tenho a pele avermelhada pelo sol radiante e mergulhada em sua luz devastadora. A vasta cabeleira negra cedeu lugar ao cabelo encanecido pelo tempo, cortado baixinho. Digo que estou ainda inteiramente ingênuo e, até esse tempo, represento por inteiro aquele menino.
Paro a tomar fôlego e ouvir minhas preces ocultas. As vozes dos guris.
Ninguém percebe minha alegria do espanto, o eco me retorna. Sou aquelas memórias que só existem em mim. Fui feito em muitos anos. Lutei em muitos moinhos e sonhos, devaneios de guri feito homem sozinho. Esses pedaços da memória que me pertencem me fazem de carne e osso.
Tenho oitenta, e sei, sempre terei doze. Aquele guri do Inhacundá chegou até aqui e pretende ir mais longe, Nada é tão simples, meus filhos, do que viver. Sou um narrador intrometido nos próprios sonhos de lembrar. Sinto saudades da escola que não fui, fugia para jogar bola e tomar banho de rio. Sinto a ausência das letras que deixei pelos caminhos sem decifrá-las. Fiz um mundo diferente para mim. Tenho meus grandes heróis, brilhantes e universais. Quero reunir todos e todas que enquanto dormem sonham e são felizes.
Sinto o sonho do sono invadir os lugares mais retirados do meu corpo. Minha consciência vai me abandonando, quase adormeço do mesmo modo que sempre digo que devem descansar, confiantes, sem medo do escuro, pois, no final, sempre vencemos a escuridão. Continuo a conduzir as histórias do real, gostosas lembranças de guri. Eu sou o que existe de fato, o andamento dos compassos recolhidos dentro da memória. Intacto. Descobri o tempo de dizer o que decifrei do tempo que também sou. Isso, eu sou o guri que nunca deixei de ser. No mundo dos sonhos estou apenas usando minha memória, lembrando do que desejo sonhar de novo, coisas que podem ser acontecidas. Sigo fazendo o meu discurso, o meu abraço em vocês, meus filhos, desses que acontecem de vez em quando, pelo mundo desta ilha de muitos sabores.
Hiiiippppp, estou a flutuar da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de contentamento, os olhos arregalados de satisfação e os braços estendidos junto com suas mãos, meus filhos. Meus cabelos nevados se arrepiam, envelheceram. Minhas memórias pulam ansiosas, gritam alegres.
A magia é um mundo aberto sem porteiras.
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