Uma ressurreição assombra o STF
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Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Uma ressurreição assombra o STF
Vários advogados dos réus do mensalão levantaram uma questão interessante em seus embargos declaratórios no Supremo. Eles mostram uma contradição de datas para a realização de um crime que teve um impacto considerável na hora de definir a pena de cada um.
Como você poderá acompanhar neste vídeo, o que se debatia em 2012 era a data em que José Dirceu havia “fechado o pacote” de R$ 20 milhões com José Carlos Martinez, presidente do PTB.
A data correta, como se verá, era outubro de 2003.
Mas os juízes, após diversas intervenções de Joaquim Barbosa, se convenceram que o encontro havia sido em dezembro de 2003. Não é uma questão de calendário.
Em outubro de 2003, as leis que puniam a corrupção no país previam penas relativamente leves. A mínima era de 1 ano de prisão. A máxima, 8 anos.
Mas, por uma iniciativa do governo Lula, em novembro daquele ano se consumou uma mudança no código penal. As penas foram agravadas. A pena mínima tornou-se de 2 anos. A máxima, 12 anos.
Basta reparar que era um erro muito fácil de ser evitado.
Bastava um assessor do STF entrar no Google e conferir quando o ex-deputado Martinez havia morrido.
Não foi um fim banal, mas um desastre de avião.
A data foi 4 de outubro de 2003. Está lá, na Wikipédia. Fiz isso há alguns minutos.
Em 12 de novembro de 2012, no entanto, a ressurreição de Martinez fez seus efeitos.
Numa postura que trai alguma desconfiança, Marco Aurélio chegou a sublinhar: “é importantíssimo saber a data em que o pacote foi fechado”.
Com a mesma dúvida, Gilmar Mendes questionou Joaquim:
- Portanto, a data em que Vossa Excelência o identifica é de?
- É posterior à lei, é dezembro de 2003.
Outro ministro, Celso de Mello, esclareceu, concordando com Joaquim, que Martinez faleceu “quando estava em vigor a leis mais gravosa”.
Foi assim, nesse ambiente, que vários réus foram condenados pelo crime de corrupção ativa. O advogado Rogério Tolentino chegou a dizer que os réus condenados por corrupção passiva receberam a data correta, enquanto os condenados por corrupção ativa, como Dirceu e Jose Genoíno, receberam a data errada.
Dirceu foi condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa.
Faltou um mês para que fosse punido pela pena máxima – pelo critério antigo. Mas, pela nova legislação, foi uma punição menos grave.
O contexto das discussões entre os ministros mostra que eles votaram numa coisa quando a realidade era outra.
Será que as penas teriam sido tão longas se eles tivessem consciência de que os parâmetros eram outros?
Essa é a pergunta.
Nenhum ser humano está livre de cometer lapsos e erros de todo tipo.
Quantas vezes isso já aconteceu aqui neste espaço? Quantas correções já publiquei em minhas reportagens?
Perdi a conta.
Então não quero fingir que tenho muita lição a dar.
Mas estamos falando de um julgamento, apresentado como o mais importante da história do tribunal.
Estavam em jogo a liberdade e os direitos dos cidadãos, num país democrático. Os ministros questionaram, suspeitaram de um erro, mas ele foi cometido mesmo assim. Votaram a partir de um dado falso.
Essa é a questão que sobra aqui.
Os condenados terão suas penas reduzidas por causa desse erro? Ou vamos fingir que não aconteceu nada?
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