Robin Williams era tão bom que brincava com a própria morte
Por Rodrigo Salem
Robin Williams no pôster de "Weapons of Self Destruction"
Há dois anos, Robin Williams fez uma participação especial em um episódio da série “Louie”. Interpretando uma versão mais sóbria de si mesmo, o quadro basicamente consistia em um diálogo com uma série de memórias desgraçadas sobre um conhecido que acabara de falecer.
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Williams e o protagonista, Louis C.K. partem, então, para um strip club, onde as dançarinas começam a chorar ao saber da morte de um de seus fregueses mais frequentes.
É a situação que batiza o episódio: “Man Dies, Mourned Only by Strippers” ou “Homem Morre, Apenas Strippers Lamentam”.
É um humor negro que Williams amava e não podia mais exibir tanto em filmes hollywoodianos ou séries para a TV aberta. É uma discussão que Louis C.K., hoje o humorista mais complexo da cultura pop, propôs sobre a trivialidade da profissão e da arte do comediante. Por isso, chamou outro mestre da depressão cômica.
O mais assustador? No fim, após o enterro do conhecido, Williams se despede de Louis e pede para ele ir a seu enterro, para que não seja uma cerimônia solitária. É uma pancada.
Menos de dois anos depois da brincadeira mórbida, Robin Williams morre, aos 63 anos. Nesta segunda-feira (10), o corpo do comediante foi encontrado em sua casa, em Los Angeles. Aparentemente, suicídio.
A notícia é surpreendente, não chocante. Williams, que sofria com depressão, tinhaproblemas financeiros em decorrência de um vício em cocaína e álcool que persistia há 20 anos com altos e baixos –mês passado, o ator se trancou em uma clínica de reabilitação para tentar controlar “o monstro”, como costumava dizer.
A surpresa vem pela imagem que Robin Williams costumava passar. Já participei de algumas poucas entrevistas com ele e era um terror: a gente se divertia horrores com suas piadas, causos, imitações de mão cheia e humor rápido. Não rendia nada para a matéria, normalmente, mas era um show a parte. Williams parecia se mover em uma velocidade diferente da nossa, mais rápido, turbinado, sempre com uma sacada inteligente ou uma paródia hilariante. Mas, acima de tudo, não tratava ninguém mal, independente da pergunta. Ele podia responder com uma piada impublicável, mas nunca mandava uma grosseria.
Coincidentemente, havia recebido um convite para cobrir, em setembro, “Uma Noite no Museu 3”, previsto para estrear em janeiro de 2015 no Brasil. A assessora me perguntou quem eu gostaria de tentar uma entrevista individual. Não hesitei: “Robin Williams!" Mas logo questionei: "Ele vai dar realmente entrevistas sozinho? Acabei de ler que foi internado para se recuperar do vício”. Nunca tive esperanças concretas, agora elas se foram de vez com a morte de um dos raríssimos comediantes capazes de te fazer chorar com a mesma intensidade que nos fazia rir.
Quem não derramou lágrimas no fim de “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) com os alunos subindo em suas carteiras para saudar o professor (Williams) rebelde que mostrou o significado de “carpe diem”? “Aproveite o dia, garotos. Façam de suas vidas algo extraordinário”, ensinou Williams em sua segunda indicação ao Oscar de melhor ator.
Ou quem não sofreu junto com o psicólogo de “Gênio Indomável” (1997), o homem que tenta resgatar um talento matemático perdido no moleque arrogante de Matt Damon? “Você só consegue ter uma perde real quando ama algo mais do que ama a si mesmo”, explicou no papel que lhe rendeu o primeiro Oscar, agora de ator coadjuvante.
Williams parecia pedir ajuda. Isso ficava claro em sua filmografia. O tema o atraiu para viver o mendigo fantástico de “O Pescador de Ilusões” (1991), um homem destroçado pelas perdas ao ponto de criar um universo imaginário –outra indicação ao Oscar pelo papel – e se desligar da realidade. Até mesmo em “Uma Babá Quase Perfeita” (1993), talvez seu filme mais conhecido, ele se veste de mulher para poder ficar perto dos filhos. Se você para e pensa, existe algo mais triste? O assunto é ainda mais óbvio no piegas "Amor Além da Vida" (1998), no qual procura a mulher morta depois de ele mesmo sofrer um acidente fatal. Detalhe: a esposa se matou e foi para o inferno.
Mas acho que minha lembrança mais antiga vem do seu radialista em “Bom Dia, Vietnã” (1987).Ali ele entregou sua primeira frase de efeito (eu adorava mandar um “Bom dia, Vietnã!!” quando precisava chegar à redação cedo) e uma ideia da bipolaridade de sua carreira no cinema: era um filme sério, mas leve e engraçado, sobre a Guerra do Vietnã, algo que os americanos costumavam ter mil pés para falar sobre o assunto.Williams ousou dançar sobre a brasa e mostrou que era muito mais que um simples ator engraçado da TV.
Em todas as entrevistas que li sobre Williams, sua generosidade surgiu de maneira unânime. Nunca esquecia os amigos (ficou abaladíssimo com a morte de Christopher Reeve, o eterno Superman, seu chapa desde quando começou a estudar drama) e topava brincadeiras com eles em talk shows. Era um assíduo colaborador de apresentações para levantar colaborações financeiras, fazia shows para as tropas americanas no exterior e nos EUA –chamando a atenção para o descaso do governo com os veteranos de guerra ou enfermos.
Mas, acima de tudo, ele era uma fábrica de personagens antológicos, alguns não tão ousados, porém memoráveis. O sujeito foi Popeye, em 1980, quando desfrutava do seu sucesso na série de TV Mork & Mindy, um spinoff de “Happy Days”. Foi o gênio da lâmpada em “Aladdin” (1992), o Peter Pan de Steven Spielberg em “Hook” (1991), o afetado Armand na versão americana de “A Gaiola das Loucas” (1996) e o médico com nariz de palhaço em “Patch Adams – O Amor é Contagioso”(1998).
Não havia para nenhum outro comediante nos anos 1990 -Jim Carrey chegava perto, mas não tinha tanto alcance quanto Williams. Mas o sucesso também foi sua maldição. A grana era farta eWilliams se viu cada vez mais afogado em filmes familiares, de humor bobo e inocente.
Tentou escapar da armadilha com dois filmes sombrios em 2002: “Retratos de uma Obsessão”, de Mark Romanek, interpretando um solitário obcecado por uma família; e “Insônia”, de um Chris Nolan pré-“Batman Begins”, vivendo um psicopata em uma cidade no Alasca –ele teria voltado a beber durante as filmagens no território gelado. Foi quando o trem descarrilou. Nos anos seguintes, Williams faturava dublando desenhos bestas (“Happy Feet”), comédias que não o desafiavam (“Férias no Trailer”) ou participando de grandes produções inofensivas (“Uma Noite no Museu”, “O Mordomo da Casa Branca”). Pareceu ter desencanado da carreira.
Recebeu uma última chance para fazer um publicitário genial na série de TV “The Crazy Ones”, lançada ano passado. No entanto, o programa, mesmo com seu nome e o de Sarah Michelle Gellar ("Buffy), foi um fracasso e logo foi cancelado pela CBS. No cinema, o caminho estava mais árduo. Apesar do retorno para interpretar o boneco do presidente Teddy Roosevelt em “Uma Noite no Museu 3”, cujas filmagens acabaram há três meses, seu “O Que Fazer”, inédito no Brasil, já saiu em Video On Demand, nos Estados Unidos.
Novamente resvalando na ironia, sua turnê derradeira como comediante stand-up foi batizada de “Armas de Autodestruição”.
Ainda há o alívio de saber que seu último filme é dirigido por outro gênio da comédia, Terry Jones. Em “Absolutely Anything”, Williams faz a voz de um cachorro ao lado de outros membros da trupe inglesa Monty Python.
Um fim de carreira que, claro, não é digno de um dos grandes monstros da comédia americana, um homem que equilibrou enquanto pôde sucesso comercial e humor físico de primeira. É aquele comediante que hipster e aluno de cinema adora dizer que odeia.
Mas, como a “Laugh Factory”, principal casa de humor de Los Angeles, uma segunda casa de Williams, colocou bem: “Robin Williams. Descanse em Paz. Faça Deus rir.”
Eu não duvido que isso aconteça.
Abaixo, uma apresentação completa de Robin Williams:
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