terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

terremoto ou maremoto, você escolhe

As causas econômicas da revolta no Egito e os sinais de um terremoto no horizonte

Em um artigo intitulado “Levantamiento en Egipto, lecciones para México”, publicado no jornal mexicano La Jornada, Alejandro Nadal, economista e pesquisador do Centro de Estudos Econômicos, no Colégio do México, chama a atenção para um fato que vem sendo pouco abordado na cobertura midiática da revolta popular no Egito: as causas econômicas do levante. “A revolta no Egito tem um vínculo estreito com a economia. Mas não como afirma a imprensa internacional de negócios. A pobreza, o desemprego, a desigualdade crescente e a deterioração inexorável dos serviços públicos desfiguraram a sociedade egípcia”, escreve Nadal. Não se trata, portanto, somente de uma rebelião contra um ditador. Há um modelo econômico sendo posto em xeque também.

O curioso, assinala ainda Nadal, é que, no Fórum Econômico Mundial de Davos, concluiu-se que o regime de Mubarak fracassou “porque não empreendeu a abertura financeira e comercial nem realizou as privatizações indispensáveis para que o setor privado pudesse desenvolver sua atividade”. O economista mexicano registra um paradoxo que pode ser notado hoje principalmente na Europa e nos Estados Unidos: “Em meio à pior crise financeira e econômica em 70 anos, afirmar que o neoliberalismo é a receita para o desenvolvimento é absurdo. Mas precisamente por estar na defensiva, o aparato de propaganda neoliberal está mais ativo do que nunca”.

É digno de atenção também que esse paradoxo passe praticamente em branco pela maioria dos meios de comunicação. Já havia sido assim por ocasião da eclosão da crise financeira e econômica de 2008-2009. As causas e as matrizes ideológicas que engendraram a crise tiveram tratamento essencialmente discreto. Muito discreto. Agora, mais uma vez, a cobertura esmera-se em apresentar “fatos” sem conectá-los e sem revesti-los com o devido contexto histórico. Como vive hoje o povo egípcio? Quais são as oportunidades de educação e trabalho para sua juventude? Onde foram parar os bilhões de dólares da ajuda norteamericana dos últimos anos? As respostas a essas perguntas colocam o dedo na ferida do regime egípcio.

Desde 2006, observa Nadal, as greves na indústria egípcia se multiplicaram. Ele resume o processo de mobilizações e greves que só cresceu nos últimos quatro anos:

A resistência operária cresceu no setor têxtil e se estendeu para outros ramos das manufaturas do setor privado e público. Em muitos casos houve ocupações de fábricas, como no caso das indústrias têxteis em Mahalla al/Kubra no delta do Nilo. A onda de paralisações e greves atingiu as ferrovias, a construção, a indústria alimentícia e alguns serviços públicos como a coleta de lixo. Entre 2006 e 2010 o número total de greves, tanto no setor público como no privado, ultrapassou o milhar.

E faz uma comparação com a realidade mexicana: fachada de democracia, eleições manipuladas, pobreza generalizada, deterioração das expectativas para os jovens, desemprego, deterioração dos serviços públicos. Um caldo de cultura, em resumo, pronto para explodir. Os protestos no Egito mostram mais uma vez que o detonador pode explodir por acontecimentos quotidianos, desprovidos de dramaticidade histórica. A revolta popular no Egito, diz Nadal, ensina o que pode ser o caminho de um processo similar no México. “Não é preciso um exército nem dez anos de preparação para a luta armada. A população está farta e sabe que não é escutada. Também está há anos lutando e resistindo no campo e nas cidades. Amanhã poderia sair às ruas e praças com qualquer detonador”.

A repetição deste fenômeno em vários países árabes neste início de 2011 sinaliza que podemos estar diante de uma nova tendência mundial, capaz de provocar profundas transformações no tabuleiro geopolítico. Como costuma acontecer, o Egito deixou as manchetes nos últimos dias e passou a ocupar os títulos secundários. Mas a energia social e política liberada pelos protestos no Cairo seguem se propagando como ondas de terremoto. Como já sabe há algum tempo, as previsões de Fukuyama foram atropeladas pela história que, não só não acabou, como apresenta-se neste início de década com uma renovada e potencialmente explosiva energia. Ou, dito de outro modo, podemos estar assistindo ao início de um processo de profundas transformações mundiais. O Egito, afinal de contas, já viu esse filme em nossa relativamente curta história de alguns poucos milhares de anos. As previsões revelam-se incompetentes nestes processos. A economia e a política, lembra Nadal, costumam fornecer algumas boas pistas para acompanhar a direção dos ventos. E a biruta está se agitando freneticamente, apontando para novas direções. 2011 promete ser um ano muito interessante.

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