O novo comando de Zero Hora
Somos andando
Zero Hora entrou a semana sob nova direção. Depois de menos de quatro anos como diretor de Redação, Ricardo Stefanelli passa o posto para Marta Gleich, uma das diversas mudanças de chefia que o grupo está fazendo. Nesse período, dizem os dados do jornal, a Zero Hora ampliou sua circulação, mas convenhamos que, em termos de qualidade, não avançou muito.
Foi no período de Stefanelli que Zero Hora inaugurou seu novo parque gráfico e investiu em melhorar o jornal impresso, quando diversos veículos no mundo todo já começavam a abandonar o papel para assumir com exclusividade as plataformas digitais. Era o jornal gaúcho priorizando o impresso. Pelo menos era o que parecia, mas depois o grupo lançou seu novo portal. A Zerohora.com foi provavelmente a iniciativa mais acertada deste período, principalmente para um grupo que se propõe grande mas contava apenas com um portal tão pouco funcional como o ClicRBS.
Marta Gleich estava à frente deste projeto, como diretora de Internet do Grupo RBS. Mestre em jornalismo digital, deduz-se competente, aparentemente, e dedicada. Afinal, sempre trabalhou na Zero Hora, desde antes de formada em jornalismo pela UFRGS. Tenho minhas enfáticas restrições com quem se dedica quase 30 anos a uma empresa tipo RBS. Por lidar com informação, sua orientação ideológica influencia fortemente o trabalho de seus funcionários, que precisam estar alinhados para aguentar tanto tempo e ir galgando posições lá dentro, até chegar a diretora de Redação.
Zero Hora passa a ser dirigida por uma funcionária antiga, que tende a aprofundar ainda mais esse viés ideológico com o qual certamente se identifica. Um viés à direita, que criminaliza movimentos sociais, vê manifestações políticas como meros problemas de trânsito, esforça-se há décadas por despolitizar ao máximo seus leitores e compra briga com qualquer governo mais à esquerda que assuma qualquer nível da administração pública no país. Em perfil da nova diretora de Redação feito pelo site Coletiva.net, Marta é chamada de “uma Führer otimista”, apelido concedido pelo colega (já que no Brasil, como sempre pontua Mino Carta, jornalista chama patrão de colega) David Coimbra por seu caráter, digamos, um tanto autoritário. E, bom, vale dizer que ela sentiu-se “lisonjeada” com o apelido.
Stefanelli despediu-se, na edição de domingo, entregando o cargo para ir para Santa Catarina. Parece evidente, com a mudança, que Marta entra para investir no digital, tentar transformar o jornal em referência na área. Isso tudo sem mudar a linha de Zero Hora. Linha que, aliás, começou a ser definida com a grande transformação implementada por Augusto Nunes – aquele mesmo que fica dizendo asneira atrás de asneira nas páginas da revista Veja – na primeira metade dos anos 1990. Foi a grande modernização do jornal e, contraditoriamente, ao mesmo tempo, sua virada à direita.
Desde então, Zero Hora nunca retrocedeu nesses propósitos. A qualidade técnica até pode aumentar. As plataformas de distribuição da notícia, de divulgação, modernizam-se, ampliam-se. Mas, jornalisticamente, o conteúdo perde a cada dia. O bairrismo ufanista só faz aumentar, expondo o ridículo de quem compõe aquelas matérias deturpadas para enfatizar a participação, mesmo que minúscula, de algum gaúcho em qualquer coisa que aconteça em qualquer lugar do mundo. O preconceito, especialmente o de classe, assusta, principalmente porque vai de encontro às transformações por que passa o país, reduzindo a pobreza, incluindo tanta gente num futuro que antes não tinham. A manipulação e o “dois pesos, duas medidas” se tornaram parte da rotina, prática diária. Enfim, o futuro de Zero Hora não parece muito promissor para quem considera qualidade da informação e pluralidade mais importantes do que as plataformas em que elas circulam.