“A magrela é um estilo de vida”
Somos Andando
Cris Rodrigues
Um ano e 25 dias em cima de uma bicicleta, percorrendo 150 a 170 km por dia, sozinho. Miguel Lawisch estava empolgado contando sua história para quem quisesse ouvir durante o Fórum Mundial da Bicicleta, que terminou hoje, domingo (26), em Porto Alegre. Já faz 20 anos que o ciclista de Santa Cruz do Sul percorreu os 18.250 km até Los Angeles, nos Estados Unidos. Aos 46 anos, mostra-se nostálgico e saudoso de um tempo “romântico”: “naquela época a gente não tinha muita estrutura, mas podia dormir em posto de gasolina, na rua. Hoje não dá”.
Lawisch nunca mais fez uma viagem longa como aquela em cima da magrela, “mas é meu meio de transporte até hoje”, afirma, orgulhoso de nunca ter tido carro nem moto. Falta patrocínio para embarcar mais uma vez, segundo ele. Afinal, uma viagem como essa pode não requerer muito investimento, mas significa mais de um ano sem fonte de renda. Durante os 390 dias no caminho até os Estados Unidos, ganhava dois salários da empresa Expresso Mercúrio. “Depois o filho do dono foi fazer kart e aí eu não consegui mais patrocínio deles, o que é natural. Mas hoje os interesses mudaram e está mais difícil conseguir apoio. Era uma época romântica”, repete. O espírito explorador não morreu, mas teve que se acalmar um pouco.
Fui apresentada a Lawisch por José Carlos Zanona, que, apesar da admiração pelo ciclista de Santa Cruz do Sul, também não faz feio. Ele aprendeu a pedalar com o filho e, desde então já foi até Montevidéu e começou a participar de competições de ciclismo, o que faz até hoje. Isso aos 62 anos. “A magrela é estilo de vida”, resume.
Esse amor pela bicicleta, aliás, parecia ser o motor de todos os que frequentaram a Usina do Gasômetro nos últimos quatro dias. Impressiona a vontade com que falam de suas magrelas, que acabam se transformando de apenas um meio de transporte mais ecológico e saudável em uma verdadeira paixão. É por isso que o atropelamento coletivo de um ano atrás, quando um motorista passou por cima de dezenas de ciclistas durante uma Massa Crítica – pedalaço que acontece uma vez por mês em diversas cidades do mundo, inclusive Porto Alegre –, provocou tanta comoção. Os ciclistas se identificam com o outro e têm um espírito de comunidade que não se vê em muitos lugares hoje em dia.
Um objeto símbolo de solidariedade
Para que o dia não fosse lembrado só com tristeza ao completar um ano, foi organizado o Fórum Mundial da Bicicleta, com o objetivo de ser propositivo.
“A ideia nasceu quando a gente fez uma reunião depois que rolou um convite no blog Vá de Bici pra discutir o que a gente faria quando fechasse um ano do atropelamento. E daí surgiu a ideia de fazer um fórum, fazer uma coisa propositiva”, conta Marcelo Sgarbossa, um dos organizadores e idealizador do fórum e ativista dos direitos humanos, além de pré-candidato a vereador da capital. Do pessoal que estava lá, cada um assumiu alguma parte da organização, de acordo com o que sabia fazer melhor. “Em 40 dias foi feito o Fórum.” E ele foi construído só com a colaboração através da rede, com o Projeto Catarse, que arrecadou R$ 6.051,00 de forma espontânea, e doações de bicicletas e assessórios que foram rifados durante o evento.
Foram quatro dias de muita atividade na Usina do Gasômetro, e com muita gente. Na metade da tarde de sábado, mais de 500 pessoas já tinham assinado o livro de presença, que ficava ali num canto e não era visto por todo o mundo. E, claro, Massa Crítica na sexta-feira, como de praxe. Só que dessa vez com cerca de 2 mil pessoas, segundo estimativa da EPTC. “Tinha um mar de bicicletas. Tinha muita gente de fora, por causa do Fórum, mas a Massa Crítica já tem reunido em torno de 500 pessoas por edição. A pessoa que vem uma vez não deixa mais de vir. A não ser que ela caia, fique traumatizada…”. Sgarbossa ria da minha cara e do meu joelho, esfolado depois do pedalaço de sexta.
Falando sério de novo, contou que o objetivo do Fórum é “discutir a bicicleta nas suas mais variadas dimensões, porque a bicicleta na verdade é só um símbolo. A bicicleta significa solidariedade, encontro com as pessoas, novo olhar da cidade”. Como exemplo de ativismo, cita a ocupação dos espaços públicos, como o Largo Glênio Peres, para impedir que ele fosse ocupado por carros.
A bicicleta não é nem só meio de transporte nem só paixão. A bicicleta, em debate no primeiro fórum mundial dedicado a ela, é ativismo e participação. Representa uma forma de radicalização do conceito de democracia, com um movimento livre e aberto que se organiza apenas através de ideias em comum e consegue, sem presidente nem estatuto, pressionar o poder público e a sociedade.
Foto da Massa Crítica: Ramiro Furquim/Sul21
Fotos do Fórum Mundial da Bicicleta: Cristina Rodrigues
Um ano e 25 dias em cima de uma bicicleta, percorrendo 150 a 170 km por dia, sozinho. Miguel Lawisch estava empolgado contando sua história para quem quisesse ouvir durante o Fórum Mundial da Bicicleta, que terminou hoje, domingo (26), em Porto Alegre. Já faz 20 anos que o ciclista de Santa Cruz do Sul percorreu os 18.250 km até Los Angeles, nos Estados Unidos. Aos 46 anos, mostra-se nostálgico e saudoso de um tempo “romântico”: “naquela época a gente não tinha muita estrutura, mas podia dormir em posto de gasolina, na rua. Hoje não dá”.
Lawisch nunca mais fez uma viagem longa como aquela em cima da magrela, “mas é meu meio de transporte até hoje”, afirma, orgulhoso de nunca ter tido carro nem moto. Falta patrocínio para embarcar mais uma vez, segundo ele. Afinal, uma viagem como essa pode não requerer muito investimento, mas significa mais de um ano sem fonte de renda. Durante os 390 dias no caminho até os Estados Unidos, ganhava dois salários da empresa Expresso Mercúrio. “Depois o filho do dono foi fazer kart e aí eu não consegui mais patrocínio deles, o que é natural. Mas hoje os interesses mudaram e está mais difícil conseguir apoio. Era uma época romântica”, repete. O espírito explorador não morreu, mas teve que se acalmar um pouco.
Fui apresentada a Lawisch por José Carlos Zanona, que, apesar da admiração pelo ciclista de Santa Cruz do Sul, também não faz feio. Ele aprendeu a pedalar com o filho e, desde então já foi até Montevidéu e começou a participar de competições de ciclismo, o que faz até hoje. Isso aos 62 anos. “A magrela é estilo de vida”, resume.
Esse amor pela bicicleta, aliás, parecia ser o motor de todos os que frequentaram a Usina do Gasômetro nos últimos quatro dias. Impressiona a vontade com que falam de suas magrelas, que acabam se transformando de apenas um meio de transporte mais ecológico e saudável em uma verdadeira paixão. É por isso que o atropelamento coletivo de um ano atrás, quando um motorista passou por cima de dezenas de ciclistas durante uma Massa Crítica – pedalaço que acontece uma vez por mês em diversas cidades do mundo, inclusive Porto Alegre –, provocou tanta comoção. Os ciclistas se identificam com o outro e têm um espírito de comunidade que não se vê em muitos lugares hoje em dia.
Um objeto símbolo de solidariedade
Para que o dia não fosse lembrado só com tristeza ao completar um ano, foi organizado o Fórum Mundial da Bicicleta, com o objetivo de ser propositivo.
“A ideia nasceu quando a gente fez uma reunião depois que rolou um convite no blog Vá de Bici pra discutir o que a gente faria quando fechasse um ano do atropelamento. E daí surgiu a ideia de fazer um fórum, fazer uma coisa propositiva”, conta Marcelo Sgarbossa, um dos organizadores e idealizador do fórum e ativista dos direitos humanos, além de pré-candidato a vereador da capital. Do pessoal que estava lá, cada um assumiu alguma parte da organização, de acordo com o que sabia fazer melhor. “Em 40 dias foi feito o Fórum.” E ele foi construído só com a colaboração através da rede, com o Projeto Catarse, que arrecadou R$ 6.051,00 de forma espontânea, e doações de bicicletas e assessórios que foram rifados durante o evento.
Foram quatro dias de muita atividade na Usina do Gasômetro, e com muita gente. Na metade da tarde de sábado, mais de 500 pessoas já tinham assinado o livro de presença, que ficava ali num canto e não era visto por todo o mundo. E, claro, Massa Crítica na sexta-feira, como de praxe. Só que dessa vez com cerca de 2 mil pessoas, segundo estimativa da EPTC. “Tinha um mar de bicicletas. Tinha muita gente de fora, por causa do Fórum, mas a Massa Crítica já tem reunido em torno de 500 pessoas por edição. A pessoa que vem uma vez não deixa mais de vir. A não ser que ela caia, fique traumatizada…”. Sgarbossa ria da minha cara e do meu joelho, esfolado depois do pedalaço de sexta.
Falando sério de novo, contou que o objetivo do Fórum é “discutir a bicicleta nas suas mais variadas dimensões, porque a bicicleta na verdade é só um símbolo. A bicicleta significa solidariedade, encontro com as pessoas, novo olhar da cidade”. Como exemplo de ativismo, cita a ocupação dos espaços públicos, como o Largo Glênio Peres, para impedir que ele fosse ocupado por carros.
A bicicleta não é nem só meio de transporte nem só paixão. A bicicleta, em debate no primeiro fórum mundial dedicado a ela, é ativismo e participação. Representa uma forma de radicalização do conceito de democracia, com um movimento livre e aberto que se organiza apenas através de ideias em comum e consegue, sem presidente nem estatuto, pressionar o poder público e a sociedade.
Foto da Massa Crítica: Ramiro Furquim/Sul21
Fotos do Fórum Mundial da Bicicleta: Cristina Rodrigues
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