Jovens e conservadores: alguma coisa está fora do lugar
Somos andando
Preconceito contra nordestinos, preconceito contra pobres, criminalização verbal de mulheres que fazem aborto, homofobia. Nenhum desses exemplos trata de casos isolados, mas de situações recorrentes que vêm acontecendo no Brasil. Elegemos um governo à esquerda, mas vivemos em uma sociedade que ainda tem arraigados profundos valores conservadores.
Não sei até que ponto esse preconceito – de gerar uma opinião sem refletir, de agredir o outro sem motivo – é restrito a uma minoria. Vejo ainda em muita gente essa visão deturpada do ser humano. Ela é passada de geração a geração, em comentários, atitudes, piadas, imagens, símbolos. Alguns tentam esconder, pelo menos se esforçam para não exercerem sua discriminação. Já é um começo quando o sujeito reconhece o preconceito herdado e tenta lutar contra ele.
Mas outros escancaram ou simplesmente não disfarçam. Os mais ousados xingam, humilham, batem. Os mais tímidos fazem cara feia, atravessam a rua, reclamam baixinho. Mensagens ofendem nordestinos nas redes sociais. Jovens de classe média agridem gays em São Paulo. Um repórter de uma rede de televisão que exerce o monopólio da comunicação na região Sul acusa os pobres de responsáveis pelos acidentes de trânsito, exalando preconceito e defendendo que os direitos continuem restritos a uma minoria. Qual o critério para definir quem é privilegiado? Talvez a sorte de nascer em uma família endinheirada os faça superiores.
Qualquer desses modelos de preconceito é preocupante. Ainda mais preocupante porque são quase todos jovens com esse pensamento conservador. Significa que alguma coisa estamos fazendo de errado para essa geração andar para trás.
Questiono: por que o cidadão médio acha normal um beijo na rua entre um rapaz e uma moça e se ofende com o mesmo beijo quando há dos dois lados pessoas do mesmo gênero? Em que esse ato atinge sua vida? De que forma ele é ameaçado?
Uma vez li uma piada que dizia mais ou menos isso: “Meu colega de trabalho era contra o casamento gay e o aborto, até que ele descobriu que não seria obrigado a fazê-los”.
Trata-se de respeito e de humildade. Quando agrido o outro por algo que não concordo, parto do pressuposto de que eu tenho razão e ele está errado. Por quê? Quem me deu esse direito? Além de falta de respeito à diversidade, é prepotência.
Em que sou melhor que um nordestino? Pelo fato de minha região historicamente ter mais dinheiro? Pois se isso devia me despertar algum sentimento é o de revolta contra a injustiça de eu ter e ele não. Se minha cidade sempre foi privilegiada em relação às cidades nordestinas, devo lutar para que essa situação deixe de existir.
Aliás, vejo dentro de minha cidade a mesma desigualdade que noto entre regiões do país. Mas o mesmo que ofende nordestinos é o que xinga morador de rua por ele existir, que o criminaliza por tentar matar a fome.
Por todos os caminhos percorridos para procurar uma explicação, ela vem igual: prepotência aliada a ignorância e maldade.
Como resolver?
As medidas devem ser múltiplas e combinadas. É como no combate à miséria: é preciso dar comida ao mesmo tempo em que capacita para o mercado e oferece oportunidades, promovendo a justiça social. No caso do preconceito, deve-se aplicar a punição, criando leis onde não há. O racismo, por exemplo, dá cadeia, mas a homofobia ainda não. Há um projeto de lei tramitando para que a agressão por preconceito contra homossexuais seja punida. Cabe a nós, sociedade civil, pressionar para que seja aprovado. Na mesma linha vai a descriminalização do aborto, essa ainda mais atrasada.
Mas só punir não resolve. Se fosse um caso isolado, seria uma discrepância e a punição seria suficiente, porque atingiria um único indivíduo que, por algum motivo específico, pensa diferente do resto da sociedade. Mas quando o movimento é constante e talvez até crescente, é preciso muito mais. Campanhas educativas nas ruas, outdoors, propaganda de TV, palestras, seminários, discussão na mídia – aliás, para esse tipo de coisa seria fundamental termos uma TV pública de qualidade e consolidada, que atendesse os interesses da sociedade e não do mercado, do que vende mais.
Duas medidas são essenciais para que obtenhamos sucesso a longo prazo: exposição do tema na mídia, com ampla discussão e esclarecimento, e educação desde a primeira infância. As escolas têm que assumir a dianteira do processo. Isso, claro, com o governo garantindo escola para todas as crianças e condições para uma educação de qualidade. Ou seja, o processo de derrubada de um preconceito é profundo e complexo, mas merece muito empenho e todo o esforço para que funcione. Não é de um dia para outro, mas um dia é preciso começar.
O caso da diferença de gênero é um exemplo contundente. Demorou décadas, quiçá séculos para que as mulheres atingissem o nível que têm hoje na sociedade. Ainda recebem menos que os homens, têm menos oportunidades e sofrem com diversos tipos de problemas no trabalho, como assédio moral. Estão aprendendo ainda a conciliar a vida profissional com a pessoal sem perder a femilidade. Tarefa difícil, que não terminou, mas considerando que em 1900 mulher não votava em praticamente nenhum lugar do mundo e hoje temos uma mulher presidente do Brasil, uma mulher mandando na Alemanha e já tivemos mulheres à frente de nações como Chile, Índia, Israel…
Ou seja, demora, mas o fundamental é que caminhemos para frente. No preconceito contra nordestinos, contra pobres, contra homossexuais e na criminalização do aborto estamos andando para trás.
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Aproveito para socializar um vídeo que descobri ontem. Não é exatamente na mesma linha do que comento no post, mas complementa. Na verdade, seria um bom instrumento no processo de educação.
Homossexualidade é Pecado? É escolha?
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