segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

30 dias de um americano em Cuba

Repórter americano escreve sobre Cuba sem comentar embargo



Demorei alguns dias para ler – na tela do computador – todo o relato do jornalista norte-americano Patrick Symmes sobre seus 30 dias vivendo em Cuba como um cubano. É uma leitura fácil, mas o texto é bastante extenso.

Não cheguei a uma conclusão definitiva. Acho, sinceramente, que ninguém que não conheça Cuba – meu caso, não de Symmes – pode opinar claramente sobre a ilha. Leio a reportagem publicada na Folha.com no último dia 30, pouco tempo depois que alguns amigos voltaram de duas semanas intensas em cidades cubanas. Todos estiveram no mesmo país, na mesma época, mas as impressões são radicalmente opostas.



Quem tem razão?

Tendo a valorizar mais o que me contam os amigos, por razões óbvias – são meus amigos, oras!, e sei que não estão mentindo. Mas não só de mentiras e verdades compõem-se as impressões. Suponho que tanto Symmes quanto meus amigos jornalistas de esquerda foram à ilha procurando algo. Encontraram exatamente o que buscavam.

Afinal, o que é ter razão?

O repórter norte-americano relatou sua experiência, mas para que a reportagem fosse de fato completa faltou algo. Seu texto prende, flui, as palavras encontram a linha certa no momento ideal para que o leitor aguente o fôlego da leitura completa sem cansar. Mas será que informa? Será que dá a exata noção do que acontece e, principalmente, por que acontece?

Em qualquer reportagem, o jornalista tem que contextualizar a informação. Aprendemos isso no curso de comunicação como um pressuposto básico.

Esse tipo de texto é diferente de uma reportagem convencional, a leitura é mais agradável e sua construção parte de uma lógica peculiar, a da observação, do empirismo. É interessante, geralmente dá bons resultados quando o olhar é apurado e o texto é bom. Mas não importa a forma, tem sempre que contextualizar, com base em documentos e/ou fontes com credibilidade.

Symmes pecou ao ignorar esse “detalhe”. Um detalhe que coloca em xeque a informação ali apresentada.

Uma questão de honestidade

Sem a devida explicação do porquê das coisas, a interpretação sobre a informação – qualquer que seja – se transforma. A informação, portanto, muda. Interessante como uma mesma coisa pode significar coisas diferentes dependendo do contexto…



Não tenho o propósito de defender o governo de Fidel e Raúl. Sei que há problemas de condução política e questões bastante delicadas que ainda não me sinto suficientemente segura para avaliar. Mas sei também que os maiores e mais fortes problemas de Cuba residem no embargo econômico imposto há quase 50 anos pelos EUA.

Pode-se discordar sobre a validade da existência do regime socialista cubano, por uma questão de ideologia ou desencanto. Pode-se até questionar se é de fato um regime socialista. Pode-se apontar falhas políticas ou morais, talvez. Mas é desonesto apresentá-lo em todas as suas dificuldades e problemas – sem enfocar os êxitos, que os há – sem apontar suas causas. Não é justo com o regime que se o critique sem falar no embargo econômico senão para citá-lo, uma única vez, de passagem (178º parágrafo), como algo normal, quase irrelevante, que não merece maior consideração.

Assim como não seria correto apresentar qualquer governo – já que estamos falando em um – apenas em suas qualidades ou seus defeitos. Se é feito por pessoas, é falho. Pessoas erram, e isso não é ruim, é parte do processo. Então, sempre haverá pontos positivos e negativos. Cabe aos jornalistas elogiar uns e denunciar outros. Claro que há os que erram mais que acertam, e vice-versa, e há os que falham intencionalmente, o que é grave.

Mas o regime cubano tem pontos positivos importantes, que foram ignorados. Educação e saúde de graça para todos não é pouca coisa em um país assolado por um bloqueio econômico feroz. Se não era o objetivo mostrar esses aspectos, era preciso ao menos fazer essa ressalva, explicando, acima de tudo, as causas do que observa.

Senão, é diário de viagem, não jornalismo.

Problema de método

Além disso, há uma falha na execução do plano, que o prejudica e, por consequência, influencia o relato. Symmes separou para viver uma quantia de dinheiro equivalente à média de salário dos cubanos, US$ 20. Mas diz, em determinado momento, que “por ser norte-americano, eu era inelegível para o racionamento, nos termos do qual o arroz custa dois centavos de dólar o quilo. Como ‘cubano’ vivendo com salário de US$ 15 ao mês, eu não teria como comprar comida fora do sistema, nas dispendiosas lojas que vendem alimentos em dólares”.

Ao optar por manter o orçamento, mesmo tendo acesso apenas a produtos mais caros, ele já deixa de viver como um cubano. As dificuldades aumentam, ele passa mais fome e o relato fica inverossímil. Pela lógica, ele deveria ter adaptado seu orçamento para que seu valor efetivo fosse equivalente ao salário de um cubano.
Ao mesmo tempo, também aproveitou as vantagens de ser estrangeiro em Cuba, como a possibilidade de entrar em hoteis. Symmes também não trabalhou, como faria um morador de Havana.

Foi honesto ao colocar tudo no relato, mas comete um equívoco ao dizer que viveu 30 dias como um cubano. Viveu 30 dias como um americano em Cuba, vivendo muitas das dificuldades enfrentadas pelos cubanos e algumas mais.

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Recomendo a leitura do livro-reportagem de Fernando Morais sobre Cuba (A Ilha, Companhia das Letras), escrito em 1976, com um prefácio atualizado de 2001.

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