terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

perderam a sua razão de existir...

O triste destino do anti-lulismo

 por Paulo Candido

o biscoito fino e a massa


Um dos efeitos mais impressionantes dos oito anos de governo Lula foi a incorporação orgânica da conservação ao projeto de país ora conduzido e liderado principalmente pelo PT. Este fenômeno parece ter escapado à imprensa anti-Lula, à oposição partidária parlamentar e mesmo, em parte, aos que se querem ideólogos da direita.

A imprensa parece perdida. Calada. Entre a eleição e a posse, alguns veículos e colunistas imaginaram que poderiam ditar à presidenta o ritmo de escolha de ministros e a formação “ideal” de seu governo, como se este fosse um governo novo, inédito. Como se Dilma não tivesse vencido a eleição como a herdeira de Lula.
[Eu uso logo a inflexão de gênero simbólica, para marcar lado. Nossa ridícula grande imprensa, a Folha e o Globo à frente, insiste em “a presidente” por uma contrariedade infantil que logo se tornará apenas falta de educação. Nesta segunda mesmo O Globo publica uma nota informando que “A presidente estreia … o programa “Café com a Presidenta”. Não podendo modificar o nome do programa, o Globo escolhe deixar o leitor imaginando sobre o que a presidente conversará com a presidenta...]

Um ou outro analista ainda consegue ânimo para elogiar Dilma por seu “silêncio”, contrastado sempre positivamente com o “ruído” constante que Lula produzia. Mas rápido os mesmos analistas quase se lamentam da falta de uma pauta negativa. Um ou outro encontra ânimo para criticar o ministério, mas para logo notar que estamos ainda falando do mesmo – as mesmas pessoas, o mesmo programa de governo, a mesma base parlamentar, agora apenas um pouco maior. Nem mesmo uma tragédia da magnitude da que aconteceu na Serra do Rio conseguiu acordar os abutres de ontem. Alguém dúvida que um ano atrás Lula seria pessoalmente acusado pelas centenas de mortes em dezenas de artigos e editoriais?

A oposição partidária se desfaz de forma quase indecorosa. Ao final do processo eleitoral a oposição e sua imprensa tentaram cantar alguma vitória. Quarenta e quatro milhões de votos pareciam dar a José Serra o direito de nos ameaçar com seu breve retorno. Aécio Neves entendeu bem a frase “Isto não é um adeus, é um até logo” de seu companheiro e colocou seus planos para 2014 e 2018 em movimento imediatamente. O DEM, atrelado ao PSDB no plano nacional há oito anos, parece querer obedecer Lula ao pé da letra – como a eleição não foi suficiente para “extirpar” este partido da política nacional, os democratas contemplam o haraquiri público. As siglas tributárias menores, PPS e PV, se uniram em um “bloquinho” na esperança de ao menos não morrerem de solidão. Se Marina Silva conseguir firmar-se como liderança nacional talvez haja futuro para o PV e sobrevida para o PPS, na sua função de sigla auxiliar de alguma força que possa lhe dar alguma visibilidade e talvez algum cargo (uma subprefeitura ou talvez a coordenação de algum assunto virtual, qualquer coisa assim). Enquanto isto os dez governadores eleitos da oposição (oito do PSDB e dois do DEM) já declararam seu amor incondicional pela presidenta e por seu governo. La nave vá.

Esta catástrofe iminente, este pânico um tanto deslocado, eles não deixam de ser algo surpreendentes. Afinal, não custa repetir, a oposição conquistou de forma legítima 44 milhões de votos e 10 governos estaduais, entre eles São Paulo e Minas. Não haveria muita dificuldade em “recuar para os estados” e gestar um retorno organizado em 2014 ou 2018, até mesmo coordenando os programas estaduais em contraponto ao governo federal. Claro, alguém vai objetar que estamos falando da oposição brasileira, uma gente que em oito anos não conseguiu sequer articular um programa de governo alternativo minimamente coerente ( “Eu vou melhorar o que está dando certo e arrumar o que está dando errado” não é um programa de governo, é só um desejo ardente que ninguém pergunte muito).

Os ideólogos, enquanto isto, se descabelam. Denunciam Aécio por trair Serra. Denunciam o rebaixado deputado Guerra por apoiar Aécio. Quase choram com as trapalhadas do DEM (que se dão também em torno de e incentivadas por Aécio). Pedem oposição sem tréguas ou prisioneiros ao governo Dilma. Mas neste quadro de derretimento de seus partidos, não se sabe a quem pedem tal oposição. Com certeza não a Aécio. Cabe aqui o desvio. Me parece que há um engano sério em considerar tanto o PSDB quanto o DEM representantes naturais do conservadorismo no Brasil. E seguindo o rastro deste engano talvez nós possamos levantar uma ou outra ideia sobre a situação atual e futura da oposição e do governo.

A interpretação que segue passa por caminhos pouco trilhados. Não a considero exclusiva nem principal, mas suplementar. Não é o caso de desprezar os fatores pessoais, as rivalidades internas, as avaliações estratégicas de cada grupo como causas do quadro triste que a oposição nos apresenta. Mas acho que vale acrescentar um fator menos aparente e mais simbólico, por assim dizer. E talvez o suplemento se mostre essencial para definir e entender o estado das coisas oposicionistas.

Eu proponho que, com o encerramento dos dois governos de Lula tanto o PSDB quanto o DEM perderam sua razão de existir. E que junto com sua razão de existir ambos perderam também muito de sua vontade de viver.

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