A Garota no Espelho, de Lichtenstein
Paulo Nogueira*
Num encontro com cientistas, ele disse nunca ter visto “tanta baixaria” numa campanha presidencial. Para ficar perfeita a frase de Serra, só faltava ele olhar para o espelho e arrematar: “Eis o culpado!” Ou os culpados, se ele chamasse para ficar a seu lado sua mulher, Monica Serra. Entre as pretendentes à posição de primeira dama, jamais houve um gesto tão abjeto quanto a declaração de Monica Serra de que Dilma é a favor da “morte de criancinhas”. Chilena, Monica parecia estar nos tratando, aos brasileiros, como débeis mentais.
Alguém poderia imaginar Rute Cardoso numa infâmia dessas? Ou Mariza? Ou qualquer outra primeira dama exceto Rosane Collor?
A formidável coleção pessoal de baixarias de Serra começa no momento em que o caráter de alguém é testado: na iminência de uma derrota. As promessas do desespero são uma infâmia. Dobrar o Bolsa Família, levar o salário mínimo a 600 reais etc. Num determinado momento, Serra passou a praticar a usurpação despudorada. Você o ouve e tem a nítida sensação de que ele é o pai do Bolsa Família quando afirma ter criado os programas que deram origem ao maior dos triunfos de Lula na área social. Quem acredita nisso acredita em tudo, como disse certa vez o Duque de Wellington.
Mas a pior das baixarias das eleições de 2010 foi de outra natureza. A simulação repulsiva de Serra depois de ser atacado por uma bolinha de papel entra na lista curta das maiores trapaças de campanhas presidenciais brasileiras. Ainda que tenha havido, além da bolinha, um rolo de fita crepe – o que é discutível. Circulam na internet vídeos que aparentemente desmontam as imagens com as quais a TV Globo – que provavelmente sairá das urnas com um desgaste na credibilidade comparável ao que sofreu na época das Diretas Já — tentou provar o segundo ataque.
Mas ainda assim. Se houvesse algo além da bolinha de papel. A tentativa de se passar por mártir da liberdade foi uma piada muito bem captada pelo brasileiro. A tomografia do nada já foi para a história. Faz parte do cinismo ignorar todas as evidências que possam desmascará-lo. Serra não tinha uma mísera gota de sangue, um mísero arranhã, um mísero galo. Mesmo assim, fez uma tomografia teatral cujo resultado era sabido de antemão até por mim.
Sim, Serra tem razão. Nunca houve tanta baixaria.
É por isso mesmo que o autor da maior parte delas deve ser varrido da política primeiro para que a punição seja exemplar e depois para que possa haver renovação. Se Serra olhar para o espelho e suportar a imagem, verá o culpado pela frase que proferiu com acerto na reunião com cientistas.
*Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.
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