terça-feira, 19 de março de 2013

“A única verdade é a realidade”


A política e o presente das coisas passadas

O tempo e a política

Marco Weissheimer

Começo hoje um novo desafio: uma coluna política aqui no Sul21. Inicialmente, ela será publicada três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas, sempre por volta das 8 horas da manhã. Dizer que é um desafio não é um mero artifício retórico por uma dupla razão. Em primeiro lugar, sustentar uma coluna regular com informação e análise de qualidade não é tarefa fácil ou simples. E será a minha primeira experiência nesta seara. Em segundo, esse espaço terá a pretensão de escapar de algumas das armadilhas que espreitam tais iniciativas, ainda mais em se tratando de política: escapar das picuinhas, das fofocas, de pequenas intrigas plantadas e de outras mesquinharias do gênero. A ideia é tratar da Política com “p” maiúsculo, reconhecendo, é claro, que a política diária é recheada de “pes” minúsculos. Justamente por isso – pela ampla proliferação e circulação dos minúsculos -, e pela ampla cobertura negativa da atividade política, esse espaço se propõe a mostrar que, diariamente, ocorrem coisas extraordinárias e de grande interesse público que são resultados da Política.
Falar é fácil, dizem. Na verdade, não é tão fácil. Cada vez menos, neste mundo virtual saturado de palavras, opiniões e imagens que, muitas vezes, atuam mais como ruídos bloqueadores do sentido e da reflexão do que qualquer outra coisa. Enfim, a ideia é tratar a Política como uma atividade digna, criativa e necessária para a construção de uma democracia comprometida com o interesse público e os bens comuns necessários à vida. Cabe observar que essa Política não se encontra apenas nos espaços tradicionais de governos e mandatos. Cada vez mais, ela é feita também em outros territórios da sociedade com conexões e realizações que nem sempre têm a visibilidade que merecem.
Este espaço, é importante assinalar, desde logo, não pretende ser isento ou imparcial. Ao contrário, assume compromissos com alguns temas que julga essenciais e urgentes: a defesa do aprofundamento da democracia, da prioridade do interesse público sobre interesses privados, da subordinação do direito à propriedade ao direito à vida, da defesa do meio ambiente diante da fúria enlouquecida das hostes de empreendedores de todas as matizes, a crítica à violação de direitos em cascata – direitos humanos, sociais, trabalhistas, ambientais e culturais -, a defesa de uma comunicação pública crítica e de qualidade, e, por fim, mas não menos importante, a defesa da memória como elemento construtor de um presente não alienado e de um futuro prenhe de esperança.
Santo Agostinho (Ordem dos Agostianos -www.agustinosrecoletos.com )
 A lição de Santo Agostinho sobre o tempo
Este não é um detalhe menor. Santo Agostinho tratou, nasConfissões, do conceito de tempo segundo três perspectivas. Segundo ele, nós só vivemos no presente, mas este presente tem várias dimensões: “o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes e o presente das coisas futuras”. O tratamento que se pretende dar à Política aqui reivindica essa tripla dimensão temporal. É impossível falar, com sentido, do presente das coisas presentes do Estado do Rio Grande do Sul sem olhar para o presente das coisas passadas e sem apontar para o presente das coisas futuras. E, no que diz respeito à conjuntura política do Rio Grande do Sul e do Brasil, de modo geral, o falar do presente das coisas passadas é uma tarefa urgente, dada a sistemática cultura do esquecimento em relação a escolhas que foram feitas e que ainda repercutem no presente e cercam o próprio futuro. Bem, essa é a declaração de intenções básica deste espaço. Ao trabalho.
Comissão da Verdade: as escolhas da ditadura ainda ecoam
Falando da importância do presente das coisas passadas, é de grande importância a audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, marcada para esta segunda-feira (18), em Porto Alegre (no auditório da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, rua Celeste Gobato, 81). Além da apresentação de relatos e documentos sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no Estado durante a ditadura, a audiência pública também debaterá as suspeitas que ainda cercam a morte do ex-presidente João Goulart e a Operação Condor.
Não se trata aqui, absolutamente, de debater um passado distante e enterrado, como incrivelmente ainda querem alguns. Muitos dos problemas estruturais que a população do Rio Grande do Sul enfrenta hoje, em seu dia a dia, são tributários de escolhas feitas naquele período. Escolhas relacionadas a um modelo de desenvolvimento e de organização política e social. O esquecimento em relação a essas escolhas só interessa aos seus protagonistas que ainda pontificam entre nós, alguns deles apresentando-se, sem ruborizar, como paladinos da democracia.
Se a comunicação fosse tratada como uma área de interesse público como ocorre com a saúde, a educação e a segurança pública, um encontro como este deveria ser transmitido ao vivo para a população, com ampla cobertura. A sonegação dessa história e o ocultamento de seus laços com o presente não são o melhor caminho para aperfeiçoar a nossa democracia e para enfrentar os nossos problemas.
Há um extraordinário – e muito pouco divulgado – trabalho a respeito: A Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985)”, uma publicação em quatro volumes organizada por Enrique Serra Padrós, Vânia M. Barbosa, Vanessa Albertinence Lopez e Ananda Simões Fernandes, resultado de uma parceria da Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul com o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2009. Essa é uma daquelas iniciativas apoiadas por um poder político, mencionadas acima, que são praticamente ignoradas pelo sistema midiático tradicional e que acabam ficando distantes (muito distantes) da população.
Horácio Verbitsky | Foto: Página/12
 Verbitsky: “A única verdade é a realidade”
O trabalho de cultivar permanentemente o presente das coisas passadas adquire maior importância neste momento em que se debate a atuação do novo líder da Igreja Católica, Jorge Bergoglio, durante a ditadura argentina. Há quem queira sepultar esse debate, reduzi-lo a um suposto revanchismo de uma “esquerda anticlerical”, como disse o Vaticano, e transformá-lo em mais um espetáculo midiático que transforma atores sociais em celebridades a-históricas. Para quem não se satisfaz com esse tipo de abordagem, fica aqui uma sugestão: a leitura dos artigos do jornalista Horácio Verbitsky, do Página/12, um dos principais pesquisadores dos crimes da(s) ditadura (s) em seu país e em outras terras da América Latina. Após ser atacado diretamente pelo Vaticano, Verbitsky publica neste domingo no Página/12 a sua resposta. O título é auto-explicativo: “A única verdade é a realidade”.
“A atitude de Jorge Bergoglio durante a ditadura surge de testemunhos dos sacerdotes sequestrados, de seus familiares e de outros protagonistas, assim como de documentos oficiais e da Igreja, e não como parte de uma campanha anticlerical, como afirmou o porta-voz do Vaticano”, diz Verbitsky, que divulga um documento, assinado por Bergoglio, imputando a sacerdotes jesuítas (que seriam presos e torturados pela ditadura) contato com guerrilheiros. Para quem quiser ler, segue o link da íntegra do artigo.

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