Dia Internacional da Mulher: unidade e independência ainda são desafios
Rachel Duarte no SUL 21
Na semana do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, Porto Alegre recebeu o filósofo esloveno Slavoj Žižek que, entre outras indagações, levantou o debate sobre a falta de rumos dos movimentos sociais e da esquerda mundial. O Sul21 fez uma provocação ao movimento feminista, querendo ouvir das mulheres o que elas querem e pelo que elas lutam. Não restou dúvida sobre a causa comum que move milhares de ativistas no Brasil e no mundo: o fim do machismo, do patriarcado e das desigualdades de gênero. Porém, muitas vezes, a organização dos grupos não atende a objetivos comuns. Neste dia de reflexão mundial sobre a luta feminista, unificar a agenda e atuar de forma independente das estruturas partidárias ou governamentais parece ser ainda o desafio.
Até mesmo em uma questão central para a autonomia das mulheres, como a liberdade sobre o próprio corpo, acontecem divergências internas que enfraquecem os movimentos sociais de mulheres, considera a representante da Liga Brasileira de Lésbicas no Rio Grande do Sul (LBL-RS), Roselaine Dias. “A pauta da unificação da luta feminista pelo direito ao aborto, no que se refere a ter direito pelo seu próprio corpo, é uma fala que não aparece na sociedade. É uma pauta que tem consequências cotidianas nas diferentes camadas sociais do país e é neste momento que temos mais divergências nos nossos debates. Existem mulheres muito vinculadas a posições religiosas, principalmente no Norte e Nordeste”, fala.
A ativista da entidade que luta pelos direitos das mulheres lésbicas acredita na existência de dois tipos de organização feminista no Brasil. “O movimento amplo que luta por pautas muito semelhantes e outra que tem como bandeira de luta a expressão total das mulheres, principalmente sobre o seu próprio corpo”, diz. Para ela, a condição social afeta diretamente a garantia do direito da mulher sobre o que fazer com seu corpo, o que é a principal luta da LBL-RS. “Queremos a liberdade de direitos em todas as suas possibilidades. De sexualidade, de expressão, de pensamento, do nosso corpo. O aborto é uma possibilidade para quem tem dinheiro e pode sair do país para fazê-lo com segurança. Para quem não tem condições clínicas, a gestação é a única alternativa. Não defendemos que mulheres não podem ter filhos apenas por causa da condição social, mas achamos que elas precisam ter o direito de decidir”, explica.
Coletivo de mulheres assina carta de princípios para cobrar governo e parlamento
Um coletivo de movimentos feministas no Rio Grande do Sul assinou documento norteador de uma agenda única, que foi entregue aos poderes Executivo e Legislativo do estado esta semana. Conforme a integrante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Cláudia Prates, a luta é focada em “acabar com o machismo, com o patriarcado e na busca de direitos iguais não só no papel”. Na longa carta de recomendações aos poderes, porém, o tema do aborto não é citado de forma específica. Em um único ponto é recomendado ao legislativo “barrar a tramitação e votação dos projetos que retirem direitos das mulheres ou que lhe imponham controle sobre sua vida ou seu corpo, baseados em doutrinas e pensamento filosóficos religiosos, respeitando e fazendo cumprir a laicidade do Estado preconizado na Constituição Federal de 1988”.
Segundo Cláudia Prates, esta luta é mais difícil de ser enfrentada. “O limite da nossa luta é o fundamentalismo, que impacta diretamente na autonomia do nosso corpo e da nossa sexualidade. A possibilidade de adoção de filhos por pessoas do mesmo sexo, união entre pessoas do mesmo sexo e o tema do aborto – não são questões que possamos enfrentar com a atual formação do Congresso”, diz, citando a eleição do pastor evangélico Marco Feliciano para presidir a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara, ocorrida na véspera do Dia Internacional da Mulher.
Para a integrante da Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (Themis) e coordenadora da Carta de Gênero e Direitos Humanos do IPA, Virgínia Feix, a grande questão na luta feminista é a superação das desigualdades sociais, econômicas e culturais que atingem as mulheres. Ela cita os índices recentes divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que apontam que as mulheres ainda sofrem com a diferença de gênero no mercado. “Mulheres recebem 30% a menos que homens para as mesmas funções e com a mesma formação. As negras são as últimas da pirâmide, atrás de mulheres brancas, que estão atrás de homens negros, que estão atrás de homens brancos”, fala.
A informalidade do trabalho doméstico e outras diferenças nas relações trabalhistas alimentam a relação de poder do homem sobre a mulher na sociedade, argumenta a professora. Para ela, esta é a principal luta que deve ser enfrentada e que trará consequências positivas para redução da violência contra as mulheres. “As políticas de enfrentamento da violência e prevenção de morte de mulheres por agressão por si só não resolvem o problema da violência. Ela está diretamente ligada à desigualdade de poder em relação aos homens em todas as esferas da sociedade”, acredita.
Mulheres do campo não comemoram: ocupam empresas por reforma agrária
A violência contra a mulher é uma realidade comum às mulheres da cidade e do campo. Nesse sentido, o Movimento das Mulheres Camponesas quer mais que enfrentamento das violências físicas, psicológica e moral. “Nós denunciamos todos os anos, no Dia Internacional da Mulher e em todos os dias do ano, o sistema capitalista. Este é o nosso principal inimigo, que nos oprime e rouba nossas terras, nosso espaço de trabalho”, diz Arlete Pinto.
A Jornada de Luta das Mulheres Camponesas durou toda a semana e encerra neste dia 8 com atos de ocupação em frente a empresas e multinacionais de todo o país. “Aquelas que despejam agrotóxicos, as de celulose, as multinacionais que roubam nosso dinheiro e levam para o exterior, deixando o nosso solo contaminado. Ao invés de comemorar o Dia Internacional da Mulher, nós vamos denunciar isso”, defende. E complementa: “Nós não fazemos isso só em protesto, nós temos o que oferecer. Temos uma produção ecológica e limpa e sabemos que é o que alimenta este país”.
Apesar das particularidades, os movimentos feministas colocarão o bloco na rua para gritar sobre os abusos e a discriminação comuns que não podem mais fazer parte da democracia. Neste Dia Internacional da Mulher, uma Caminhada Unificada de Mulheres do RS marchará sob as palavras de ordem explicitadas pelas interlocutoras que falaram ao Sul21: “Mulheres na luta contra o capitalismo e o patriarcado. Por autonomia, igualdade, liberdade e pelo fim da violência”. A saída ocorrerá às 16 horas, do Largo Glênio Perez.
Marcha reunirá as mesmas palavras de ordem, mas poderá expor divergências internas
Para a representante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Roselaine Dias, a marcha poderá evidenciar algumas disputas político-partidárias por trás dos movimentos. “O histórico de contribuição de mulheres com vínculos partidários no movimento é grande. No RS ainda estamos vivendo isso. Precisamos sair deste espectro e formatar nossas lutas sem esta dependência”, critica.
Na avaliação da representante da Themis, Virgínia Feix, a evolução das mulheres é gradual, mas lenta desde o regime democrático. “A geração anterior lutou na ditadura para construir uma legislação. A estruturação do estado democrático de direito tem se preocupado com a inclusão dos movimentos sociais, mas estamos aprendendo a participar. As ONGs são tratadas como empresas privadas sendo que tem outra natureza pela legislação. Não podem ter o mesmo marco regulatório. Dificuldades de financiamento geram o risco do aparelhamento do estado e de partidos. São muitos os desafios”, fala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário