Jovem morto na Restinga revela riscos a usuários de bicicleta em Porto Alegre
Rachel Duarte no SUL 21
Nos últimos quatro anos o Rio Grande do Sul contabilizou 740 acidentes com vítimas fatais envolvendo ciclistas. Um caso recente ocorreu no dia 5 de fevereiro deste ano e matou um jovem de 14 anos que pedalava na ciclovia do bairro Restinga, em Porto Alegre. O caso é tristemente emblemático, por vitimar um adolescente, em região de periferia e que teria sido atropelado por um motorista de veículo pesado – características comuns à maioria dos acidentes fatais envolvendo usuários de bicicleta na capital gaúcha. Na noite da última segunda-feira (25), um grupo de 30 ciclistas, entre eles o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) visitou o local do acidente. Em memória a Davi Santos de Moura foi colocada uma ghost bike, bicicleta pintada de branco e deixada por ativistas ao redor do mundo nos locais do trânsito em que ciclistas perdem a vida.
A Delegacia de Delitos de Trânsito investiga a morte do jovem da Restinga que foi atropelado, segundo relato dos familiares da vítima e de algumas testemunhas, por um caminhão a serviço do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) enquanto pedalava na ciclovia inaugurada há dois anos no bairro. “Ele estava voltando para casa para almoçar. Foi próximo do meio dia. O caminhão não deu acesso a ele. Ele seguiu em frente na ciclovia e não houve chance de desviar. O motorista até tentou frear quando se deu conta que estava perto da bicicleta, mas não conseguiu”, relata a irmã de Davi, Simone Moura.
Na versão da irmã, testemunhas relatam o pavor do motorista na hora do acidente. “Ele ficou com medo e se escondeu no prédio do Foro. Meu irmão também tentou frear na hora, mas derrapou na areia da pista e o caminhão passou por cima dele”, descreve, ainda abalada. Segundo ela, o irmão sempre respeitou a ciclovia, razão pela qual a família resolveu presenteá-lo com a bicicleta. “Ele usava para ir para o trabalho voluntário que fazia na escola. Era o meio de transporte dele. Meu pai só comprou porque tinha a ciclovia aqui no bairro”, conta Simone.
A autoria do atropelamento está sendo apurada pela delegada Viviane Viegas, que não quis dar informações sobre o caso. Ela não confirmou se o veículo que atropelou o adolescente pertencia ao DMLU. “Não posso dar nenhuma informação agora. Não confirmo que foi um caminhão do DMLU. O inquérito foi aberto e dependerá das perícias e das oitivas a sua conclusão”, disse.
DMLU diz que responsabilidade é da empresa terceirizada
Por sua vez, a Prefeitura de Porto Alegre confirma que o acidente envolveu um caminhão do DMLU. Por meio de assessoria de imprensa, o departamento disse que “legalmente o caso não envolve a prefeitura por se tratar de uma empresa terceirizada” que faz o serviço de limpeza urbana. A contratada RN Freitas, responsável pelo serviço, afirma que só vai se pronunciar oficialmente após a conclusão da perícia.
Na explicação dada ao Sul21 pela assessoria de imprensa do DMLU, “o contrato (entre empresa e Prefeitura) deixa claro a relação de competência. Tudo que o ocorrer com o serviço e com os funcionários da empresa, é ela que responde. Acidentes acontecem sempre. Muitas vezes caminhões batem em muros das casas ou ocorrem acidentes de trânsito. Claro que envolver uma morte requer mais sensibilidade no tratamento do assunto, mas quem responde legalmente é o motorista e a empresa terceirizada”, informou a assessoria.
Inaugurada em julho do ano passado, a ciclovia da Restinga foi construída para trazer mais segurança para os ciclistas que pedalam na região. Segundo o diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Capellari desde que foi criada a ciclovia do bairro já reduziu em 60% os acidentes com bicicleta. “Para construção da ciclovia fizemos uma mobilização da comunidade em várias reuniões. Isso criou uma conscientização dos moradores, comerciantes e demais atores naquela região sobre a maior presença de bicicletas”, explica.
Vereador sugere alterar limite de velocidade para veículos de grande porte dentro da cidade
Na avaliação do vereador Marcelo Sgarbossa (PT) seria interessante estudar uma modificação na legislação para estipular limites de velocidade específicos para veículos de grande porte. “No ano passado tivemos duas mortes de ciclistas. Nos anos anteriores mais três. Todas foram em periferia e com veículos grandes”, analisa.
O trânsito tem variações de velocidade conforme o tipo de via e tem o mínimo de 30 km/h e o máximo de 60 km/h dentro dos perímetros urbanos, pelo menos na legislação de trânsito. Em Porto Alegre, de acordo com Vanderlei Capellari, os motoristas dos serviços públicos da Prefeitura receberam capacitação para conviver com os ciclistas no trânsito. “Foi um curso que fizemos quando começamos a fazer as primeiras ciclovias na cidade”, ressaltou.
A formação dos novos motoristas para receberem a carteira de habilitação no Rio Grande do Sul também passará a contar com conhecimentos sobre a convivência com a bicicleta como meio de transporte. O formato do ensinamento ainda está sendo estudado pelo Detran-RS, mas na avaliação do ciclista do Mobicidade, Renato Pecoitz, é na educação para o trânsito que está a maior possibilidade de se evitar novas mortes de ciclistas. “Há muita ignorância dos motoristas. Este caso da Restinga, por exemplo. Como um motorista que presta um serviço público, em um veículo com 10 toneladas, não faz direção defensiva? Não tem como segurar um caminhão pesado se estiver muito em cima”, afirma.
Para Pecoitz, a morte do jovem Davi Moura aumenta a estatística que só poderá ser zerada o dia em que a política pública inverter a prioridade no olhar sobre a mobilidade urbana. “Só resolveremos os problemas dentro da cidade quando a prioridade deixar de ser o carro. Se não tivéssemos carros estacionados nas vias, teríamos mais espaço para pedestres, ciclistas e os coletores de lixo da coleta seletiva”, compara.
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