Papa Francisco X Jorge Mario Bergoglio
“Papa dos pobres”?
publicada segunda-feira, 29/07/2013 às 11:00 e atualizada segunda-feira, 29/07/2013 às 11:46
Escrevinhador
por Rejane Hoeveler, no Brasil de Fato
“Papa dos pobres”?
publicada segunda-feira, 29/07/2013 às 11:00 e atualizada segunda-feira, 29/07/2013 às 11:46
Escrevinhador
por Rejane Hoeveler, no Brasil de Fato
Num contexto de graves crises ligadas a escândalos sexuais e financeiros no Vaticano – que levaram à renúncia do ultraconservador Joseph Ratzinger (Bento XVI) – a escolha de Jorge Mario Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, para ser o novo papa tem a intenção clara de dar uma “cara nova” à última monarquia absolutista da Europa.
Dessa vez, a Igreja se volta claramente para a América Latina, continente com maior número de fiéis católicos do mundo, mas que, além disso, tem vivido um contexto de forte ativação política e social. Em meio a governos que se apresentam como progressistas ou mesmo socialistas, como os da Bolívia e Venezuela, é evidente que a atuação do papa latino-americano tem um papel político.
Independentemente do caráter real desses governos, é fato que surgem em meio a movimentos políticos de massas, em geral com um sentido anticapitalista, apresentando-se como alternativa ao projeto neoliberal.
Neste cenário, o Brasil, além de ser o país com o maior número de católicos, era, até então – ao menos antes das chamadas “jornadas de junho” – o país mais “calmo” da região, apresentado como exemplo de “estabilidade” face ao que tem sido chamado de bolivarianismo.
“Papa dos pobres”?
Assim que Bergoglio foi escolhido papa, toda a grande mídia internacional passou a construir uma imagem de um papa “simples” e “humilde”, que “dispensa luxos” – parece esquecer que, ainda assim, é o administrador de uma das maiores fortunas do mundo, beneficiária de diversos privilégios que ferem frontalmente o princípio da laicidade do Estado (com ativos que ultrapassam 5 bilhões de dólares, sem contar obras de arte e construções de valores os quais é impossível estimar).
Alguns importantes expoentes do pensamento cristão crítico, e inclusive ligados historicamente aos movimentos sociais, como Leonardo Boff e Frei Betto, depositaram esperanças na escolha do argentino. E a própria escolha do primeiro latino-americano foi saudada por parte desses setores como sinal de uma mudança dentro da Igreja.
Recentemente, Boff inclusive chegou a ligar algumas posturas do novo papa à Teologia da Libertação, embora tenha admitido que ele nunca foi ligado a esta corrente de esquerda, que teve influência muito importante numa América Latina sacudida por golpes militares.
Mas, será mesmo Francisco “o papa dos pobres”? Será que atitudes como dispensar uma suíte, almoçar no refeitório dos funcionários, e trocar a cruz de ouro pela de prata são demonstrações suficientes de uma “opção pelos pobres”, tal como vem sendo propagandeado?
Antes de ser Francisco
É preciso ir além das aparências. Pois seria mero detalhe o fato de que seus patrocinadores sejam conglomerados capitalistas como Bradesco, Santander, Estácio, Nestlé, TAM, Itaú e McDonald’s? – este último, aliás, lanchonete oficial do evento apesar de desrespeitar sistematicamente os direitos trabalhistas de seus funcionários?
Para tanto, há de se levar em conta como o atual “bispo de Roma” atuava politicamente enquanto cardeal de Buenos Aires. Em 2010, foi líder de uma frente conservadora contra a aprovação da união civil entre homossexuais – classificada por ele como um “projeto do diabo”.
Opositor ferrenho da descriminalização do aborto, Bergoglio é defensor assíduo do velho conservadorismo que relega à mulher um papel de submissão e que condena a homossexualidade. Do ponto de vista moral, portanto, representará uma continuidade das posições conservadoras da Igreja Católica. Além disso, Bergoglio sempre teve ligações com a oposição de direita aos governos Kirchner, tendo inclusive se comprometido explicitamente com o recente paro agrário – um lockout patronal, realizado por grandes proprietários de terra para pagar menos impostos, “denunciando” supostas articulações dos governos de Néstor e Cristina Kirchner com o “chavismo”, encarado por este setor como adversário político.
Em sua defesa, Boff argumenta que o cardeal de Buenos Aires teria se indisposto com Cristina porque teria lhe cobrado “mais empenho político para a superação dos problemas sociais”.
Cumplicidade com a ditadura
O passado político de Bergoglio tem ainda outras obscenidades. Segundo os historiadores Gilberto Calil e Marcos Vinícius Ribeiro, “a cumplicidade com a ditadura foi compartilhada por toda a alta hierarquia católica argentina (o que naturalmente não exime a responsabilidade individual de cada bispo)”.
Uma das denúncias partiu de Estela de la Cuadra, irmã de Helena, uma militante grávida de cinco meses que, sequestrada pela ditadura, teve sua filha roubada de dentro de uma delegacia.
Estela é uma das fundadoras das Avós da Praça de Maio, organização fundada para encontrar descendentes de militantes e dissidentes da ditadura militar argentina, que tiveram seus filhos raptados pelo Estado e dados a outras famílias, naquele que é um dos maiores dramas da história recente na Argentina.
A um tribunal encarregado de julgar esse caso, Bergoglio disse que só teria tido notícia dos sequestros muitos anos depois. Todavia, segundo Estela, Bergoglio foi procurado logo após o sequestro, e na ocasião, ele teria dito que a criança “estava com uma boa família, que cuidaria muito dela”.
O “Movimento de Famílias Cristãs”, diretamente subordinado à Igreja, esteve fortemente envolvido com a distribuição de bebês de militantes e dissidentes presos ou mortos na Argentina, e são inúmeras as comprovações de que toda a cúpula da Igreja argentina colaborou com o golpe militar de 1976, que levou ao poder o general Videla.
O sequestro de dois jesuítas
Porém, a denúncia talvez mais notável, proveniente de vários religiosos argentinos, se refere à cumplicidade de Bergoglio no caso de Francisco Jalic e Orlando Yorio – dois padres pertencentes à ordem dos jesuítas, que realizavam trabalhos de alfabetização e assistência na periferia de Buenos Aires, estes sim fortemente influenciados pela Teologia da Libertação.
Em março de 1976, foram expulsos por Bergoglio da ordem dos jesuítas e da Igreja sob a justificativa de conflito de obediência – o que, além de deixá-los totalmente desprotegidos, ainda justificava possíveis perseguições posteriores.
Dois meses depois disso, os padres foram sequestrados e torturados por meses na Escola Superior da Marinha (ESMA), um dos maiores centros de tortura da ditadura argentina. Bergoglio teve que responder na justiça pelas acusações formais sustentadas por Graciela Yorio, irmã de Orlando, segundo a qual, depois do sequestro, os dois padres teriam pedido ajuda a Bergoglio, o qual, porém, se recusou a sequer falar sobre o assunto.
Para ela, não há dúvidas que Bergoglio esteve envolvido no sequestro. Horácio Verbitsky, reconhecido jornalista e um dos mais conhecidos estudiosos da ditadura argentina, revelou uma série de documentos que incriminam Bergoglio em mais de uma ocasião (acessível em http://iglesiaydictadura.wordpress.com/tag/bergoglio/).
Convite indecente
Quando as denúncias em relação ao passado do novo papa saíram na imprensa internacional, nem Bergoglio nem o Vaticano deram explicações. Segundo Calil e Ribeiro, “ao mesmo tempo em que repudiava as denúncias contra Bergoglio como obra da ‘esquerda anticlerical’, o Vaticano enviava um convite para a cerimônia de coroação do papa Francisco a Carlos Pedro Blaquier, dono do engenho Ledesma, processado pelo sequestro e desaparecimento de 29 dirigentes sindicais e trabalhadores de sua empresa durante a ditadura”.
O convite enviado a ele ainda dizia: “Representas um dos setores mais pujantes do país, que fez esta revolução agrícola e industrial, modelo internacional e celeiro para o mundo”. É muito simbólico que um dos convidados de honra do novo papa seja, além de latifundiário, um dos empresários mais fortemente ligados à ditadura argentina.
Na Igreja, Francisco é apontado como capaz de promover uma conciliação entre “progressistas” e conservadores; aqui, trata-se de promover a conciliação social e política. Como diz a música, o papa pode até “ser pop”, mas ainda restam muitas dúvidas se realmente, ao deixar Bergoglio para trás, o papa está ao lado do povo explorado e oprimido ou daqueles que governam este mundo desigual e opressor. E enquanto isso, segue solta a Santa Inquisição das manifestações.
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Dessa vez, a Igreja se volta claramente para a América Latina, continente com maior número de fiéis católicos do mundo, mas que, além disso, tem vivido um contexto de forte ativação política e social. Em meio a governos que se apresentam como progressistas ou mesmo socialistas, como os da Bolívia e Venezuela, é evidente que a atuação do papa latino-americano tem um papel político.
Independentemente do caráter real desses governos, é fato que surgem em meio a movimentos políticos de massas, em geral com um sentido anticapitalista, apresentando-se como alternativa ao projeto neoliberal.
Neste cenário, o Brasil, além de ser o país com o maior número de católicos, era, até então – ao menos antes das chamadas “jornadas de junho” – o país mais “calmo” da região, apresentado como exemplo de “estabilidade” face ao que tem sido chamado de bolivarianismo.
“Papa dos pobres”?
Assim que Bergoglio foi escolhido papa, toda a grande mídia internacional passou a construir uma imagem de um papa “simples” e “humilde”, que “dispensa luxos” – parece esquecer que, ainda assim, é o administrador de uma das maiores fortunas do mundo, beneficiária de diversos privilégios que ferem frontalmente o princípio da laicidade do Estado (com ativos que ultrapassam 5 bilhões de dólares, sem contar obras de arte e construções de valores os quais é impossível estimar).
Alguns importantes expoentes do pensamento cristão crítico, e inclusive ligados historicamente aos movimentos sociais, como Leonardo Boff e Frei Betto, depositaram esperanças na escolha do argentino. E a própria escolha do primeiro latino-americano foi saudada por parte desses setores como sinal de uma mudança dentro da Igreja.
Recentemente, Boff inclusive chegou a ligar algumas posturas do novo papa à Teologia da Libertação, embora tenha admitido que ele nunca foi ligado a esta corrente de esquerda, que teve influência muito importante numa América Latina sacudida por golpes militares.
Mas, será mesmo Francisco “o papa dos pobres”? Será que atitudes como dispensar uma suíte, almoçar no refeitório dos funcionários, e trocar a cruz de ouro pela de prata são demonstrações suficientes de uma “opção pelos pobres”, tal como vem sendo propagandeado?
Antes de ser Francisco
É preciso ir além das aparências. Pois seria mero detalhe o fato de que seus patrocinadores sejam conglomerados capitalistas como Bradesco, Santander, Estácio, Nestlé, TAM, Itaú e McDonald’s? – este último, aliás, lanchonete oficial do evento apesar de desrespeitar sistematicamente os direitos trabalhistas de seus funcionários?
Para tanto, há de se levar em conta como o atual “bispo de Roma” atuava politicamente enquanto cardeal de Buenos Aires. Em 2010, foi líder de uma frente conservadora contra a aprovação da união civil entre homossexuais – classificada por ele como um “projeto do diabo”.
Opositor ferrenho da descriminalização do aborto, Bergoglio é defensor assíduo do velho conservadorismo que relega à mulher um papel de submissão e que condena a homossexualidade. Do ponto de vista moral, portanto, representará uma continuidade das posições conservadoras da Igreja Católica. Além disso, Bergoglio sempre teve ligações com a oposição de direita aos governos Kirchner, tendo inclusive se comprometido explicitamente com o recente paro agrário – um lockout patronal, realizado por grandes proprietários de terra para pagar menos impostos, “denunciando” supostas articulações dos governos de Néstor e Cristina Kirchner com o “chavismo”, encarado por este setor como adversário político.
Em sua defesa, Boff argumenta que o cardeal de Buenos Aires teria se indisposto com Cristina porque teria lhe cobrado “mais empenho político para a superação dos problemas sociais”.
Cumplicidade com a ditadura
O passado político de Bergoglio tem ainda outras obscenidades. Segundo os historiadores Gilberto Calil e Marcos Vinícius Ribeiro, “a cumplicidade com a ditadura foi compartilhada por toda a alta hierarquia católica argentina (o que naturalmente não exime a responsabilidade individual de cada bispo)”.
Uma das denúncias partiu de Estela de la Cuadra, irmã de Helena, uma militante grávida de cinco meses que, sequestrada pela ditadura, teve sua filha roubada de dentro de uma delegacia.
Estela é uma das fundadoras das Avós da Praça de Maio, organização fundada para encontrar descendentes de militantes e dissidentes da ditadura militar argentina, que tiveram seus filhos raptados pelo Estado e dados a outras famílias, naquele que é um dos maiores dramas da história recente na Argentina.
A um tribunal encarregado de julgar esse caso, Bergoglio disse que só teria tido notícia dos sequestros muitos anos depois. Todavia, segundo Estela, Bergoglio foi procurado logo após o sequestro, e na ocasião, ele teria dito que a criança “estava com uma boa família, que cuidaria muito dela”.
O “Movimento de Famílias Cristãs”, diretamente subordinado à Igreja, esteve fortemente envolvido com a distribuição de bebês de militantes e dissidentes presos ou mortos na Argentina, e são inúmeras as comprovações de que toda a cúpula da Igreja argentina colaborou com o golpe militar de 1976, que levou ao poder o general Videla.
O sequestro de dois jesuítas
Porém, a denúncia talvez mais notável, proveniente de vários religiosos argentinos, se refere à cumplicidade de Bergoglio no caso de Francisco Jalic e Orlando Yorio – dois padres pertencentes à ordem dos jesuítas, que realizavam trabalhos de alfabetização e assistência na periferia de Buenos Aires, estes sim fortemente influenciados pela Teologia da Libertação.
Em março de 1976, foram expulsos por Bergoglio da ordem dos jesuítas e da Igreja sob a justificativa de conflito de obediência – o que, além de deixá-los totalmente desprotegidos, ainda justificava possíveis perseguições posteriores.
Dois meses depois disso, os padres foram sequestrados e torturados por meses na Escola Superior da Marinha (ESMA), um dos maiores centros de tortura da ditadura argentina. Bergoglio teve que responder na justiça pelas acusações formais sustentadas por Graciela Yorio, irmã de Orlando, segundo a qual, depois do sequestro, os dois padres teriam pedido ajuda a Bergoglio, o qual, porém, se recusou a sequer falar sobre o assunto.
Para ela, não há dúvidas que Bergoglio esteve envolvido no sequestro. Horácio Verbitsky, reconhecido jornalista e um dos mais conhecidos estudiosos da ditadura argentina, revelou uma série de documentos que incriminam Bergoglio em mais de uma ocasião (acessível em http://iglesiaydictadura.wordpress.com/tag/bergoglio/).
Convite indecente
Quando as denúncias em relação ao passado do novo papa saíram na imprensa internacional, nem Bergoglio nem o Vaticano deram explicações. Segundo Calil e Ribeiro, “ao mesmo tempo em que repudiava as denúncias contra Bergoglio como obra da ‘esquerda anticlerical’, o Vaticano enviava um convite para a cerimônia de coroação do papa Francisco a Carlos Pedro Blaquier, dono do engenho Ledesma, processado pelo sequestro e desaparecimento de 29 dirigentes sindicais e trabalhadores de sua empresa durante a ditadura”.
O convite enviado a ele ainda dizia: “Representas um dos setores mais pujantes do país, que fez esta revolução agrícola e industrial, modelo internacional e celeiro para o mundo”. É muito simbólico que um dos convidados de honra do novo papa seja, além de latifundiário, um dos empresários mais fortemente ligados à ditadura argentina.
Na Igreja, Francisco é apontado como capaz de promover uma conciliação entre “progressistas” e conservadores; aqui, trata-se de promover a conciliação social e política. Como diz a música, o papa pode até “ser pop”, mas ainda restam muitas dúvidas se realmente, ao deixar Bergoglio para trás, o papa está ao lado do povo explorado e oprimido ou daqueles que governam este mundo desigual e opressor. E enquanto isso, segue solta a Santa Inquisição das manifestações.
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