domingo, 1 de julho de 2012

Ninguém sabe como será o dia de amanhã


O simbolismo do câncer de Civita

Posted by eduguim on 01/07/12 • Blog da Cidadania



Em situação normal, não haveria por que escrever sobre a notícia veiculada pelo blog de Luis Nassif de que o dono da revista Veja, Roberto Civita, está sofrendo de um mal que, nos últimos anos, tem feito a alegria de certos grupos políticos. Ser acometido por câncer não difere de ser atropelado, por exemplo. Pode acontecer a qualquer um.

Quem adoece tão gravemente, por certo experimenta um sofrimento adicional se a própria saúde se tornar objeto de especulações. Esse, porém, é preço que pagam pessoas públicas como Lula ou como o dono de império de comunicação que mais embates políticos tem travado com o ex-presidente.

Lula não foi a única pessoa pública a quem o câncer gerou onda de ataques rasteiros e virtualmente inumanos. Coincidentemente, uma sucessão de políticos de esquerda sul-americanos passou a sofrer de câncer e o mal que os acometeu se tornou objeto de regozijo de seus inimigos políticos, que chegaram a enxergar a doença como uma espécie de castigo divino.

O câncer de Civita é de direita ou de esquerda? Essa é a pergunta que vem à mente quando se lembra das centenas de milhares de comentários em redes sociais, em blogs, em portais e até no dia a dia, os quais clamavam para a doença levar logo aqueles políticos. E que pregavam que adoecer não lhes gerasse qualquer condescendência.

Condescendência deveria haver, até certo ponto. A mídia, por exemplo, deveria ser condescendente. Em se tratando de pessoas públicas, porém, isso não significa que devesse isentá-las de questionamentos de ordem legal sobre suas condutas.

Por exemplo: se houvesse um processo de investigação contra Lula ou Civita, é óbvio que não poderia ser interrompido por adoecerem. Se um dos dois fosse suspeito de algum crime, estar doente não poderia livrá-lo de um indiciamento, assim como não acontece com tantos que estão presos e são acometidos por doenças terminais.

Todavia, os comentários feitos contra Lula, Dilma Rousseff, Hugo Chávez, Fernando Lugo e Cristina Kirchner nos anos recentes atribuíam seu adoecimento a uma espécie de justiça divina que, obviamente, essas pessoas não enxergam agora no fato de o maior algoz desses políticos, no que tange à exploração de seus estados de saúde, ser vitimado pelo mal que usou como arma política ao permitir que seus funcionários estimulassem a vilania do público.

O principal motor da onda de burrice e de mau-caratismo que se levantou desde que o primeiro desses líderes políticos adoeceu foi o colunista da Veja Reinaldo Azevedo. Durante muito tempo, estimulou a insensibilidade de seus leitores para com a doença que se abateu sobre os desafetos políticos do patrão. E Civita não o conteve.

Mas e sobre o simbolismo do câncer de Civita? Ser vitimado pela doença que serviu aos seus propósitos políticos não significa nada?

Em termos. Definitivamente, não é um castigo por ter estimulado a hipótese de que o mal que ora o acomete fora um “castigo divino” aos seus desafetos políticos quando sobre eles se abateu. A teoria de que fatalidades constituem “castigo”, porém, é muito popular entre os pobres de espírito.

Entretanto, o adoecimento do homem que fez do câncer uma arma contra seus inimigos encerra, sim, um simbolismo que jamais existiu para os alvos de sua falta de limites. Mostra o risco de comemorar a desgraça alheia. Mostra que tripudiar sobre um adversário fragilizado pela condição humana é tripudiar contra si mesmo, pois todos somos humanos.

Escrever sobre o câncer de Civita, então, não é tripudiar? Não é não. Pelo contrário: não se está comemorando um fato triste; está sendo feita uma exortação aos que comemoraram quando Lula ou Dilma adoeceram a que se lembrem de que, sendo humanos, não devemos comemorar as fragilidades de uma espécie a que todos pertencemos.

De resto, o estado de saúde de Civita deve ser levado em conta pela Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o setor público e o privado.

Em primeiro lugar, uma eventual convocação do dono da Veja só deveria ocorrer em última instância, se for absolutamente imprescindível. Em segundo lugar, os ataques públicos de membros da CPI e de parlamentares ao empresário deveriam ser repensados, pois não acrescentam nada e desrespeitam alguém que vive um drama terrível.

O que se propõe não é condescendência legal, mas política. A crítica fácil faz parte da política, mas não dos processos legais de investigação e de eventual punição. Quem se horrorizou com a falta de respeito aos dramas dos políticos de esquerda agora deve dar exemplo respeitando o drama de Civita. Ninguém sabe como será o dia de amanhã.

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