Esquema de propina para licitação de água e esgoto pode ter abrangência nacional
Felipe Prestes no SUL 21
O ex-prefeito de São Luiz Gonzaga, Vicente Diel (PSDB); o ex-secretário municipal de Obras, Dilamar Batista; e o ex-assessor jurídico do Município, Cláudio Cavalheiro foram presos temporariamente nesta segunda-feira (2), suspeitos de fraude em licitação para serviços de água e esgoto para beneficiar o Consórcio Nova Missão, que acabou vencedor. Das investigações no município das Missões, surgiu denúncia de que o esquema pode ser maior, com empresas loteando entre si cidades em vários estados do país, com anuência de políticos.
O deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), que vinha se posicionando contra a privatização do serviço em São Luiz Gonzaga, revela que chegou à Promotoria de Justiça Criminal da cidade uma gravação em que um político local explica para outro político o funcionamento do esquema. Nesta quarta-feira (4), pela manhã, a deputados da bancada estadual do PT terão audiência com o procurador-geral de Justiça do Estado, Eduardo da Lima Veiga. “Vamos pedir que ele fortaleça a equipe para que se investigue esta denúncia”, afirma Fernandes.
O Ministério Público confirma que há a hipótese, não comprovada, de que empresas combinariam de não questionar licitações direcionadas para que rivais ganhassem. Para garantir a vitória da empresa combinada, seriam usados os políticos locais.
Pedido de prisão foi feito para encorajar testemunhas
O diretor da Promotoria Especializada Criminal, Flavio Duarte, afirma que o Ministério Público pediu a prisão temporária, para facilitar as oitivas com funcionários da Prefeitura. “Os três têm uma influência muito grande sobre uma série de pessoas, servidores municipais. A prisão facilitou a produção de prova testemunhal, as pessoas depuseram de forma mais tranquila, deu sensação de segurança. Este foi o motivo”, explica.
No mesmo dia da prisão, o MP ouviu diversas pessoasem São Luiz Gonzaga. Outros depoimentos estão marcados para quinta-feira (5) e outros para a semana que vem. O promotor ainda vai ouvir outras testemunhas, inclusive em São Paulo – oitivas que ainda não estão agendadas, o que deve retardar o oferecimento de denúncia. “Mas não deve demorar tanto assim”, diz. Também foram feitas ações de busca e apreensão na residência de envolvidas e sedes de empresas, em Bento Gonçalves, Porto Alegre e Florianópolis, com auxílio do MP catarinense e da Brigada Militar.
Antes de ouvir testemunhas, o MP monitorou funcionários da Prefeitura, de uma empresa contratada para assessorar o Município na licitação e do consórcio vencedor por sete meses. A petição da prisão temporária, e um relatório anexado a ela, tem cerca de 400 laudas.
Flavio Duarte afirma que a fraude não estava em vícios do edital, mas na definição prévia de quem seria vencedor. “O edital não tinha problema nenhum. A questão é que desde sempre estava escolhido quem ia ganhar. O direcionamento foi feito no julgamento, no decorrer do procedimento”, explica.
Segundo o promotor, o monitoramento deu conta de que havia estreitas relações entre funcionários do Município e das empresas envolvidas. “Eles debatiam assuntos sobre o andamento do processo licitatório. Uma advogada contratada pelo Município, inclusive, era casada com alguém vinculado ao consórcio e repassava informações”, conta.
O promotor Flavio Duarte revela que, inicialmente, estava sendo acordada uma propina referente a um percentual da licitação. Depois, o prefeito e os dois funcionários da Prefeitura passaram a pedir para empresa ajuda na campanha eleitoral. Duarte não revela os valores que estavam sendo negociados.
Para Jeferson Fernandes, “não há surpresa” na investigação feita pelo MP. Segundo ele, “há tempos” um comitê do qual participa, em defesa da gestão pública da água em São Luiz Gonzaga, denunciava fraude à Agergs, ao TCE e ao TJ-RS. Segundo Fernandes, o plano de saneamento da Prefeitura era copiado de outras prefeituras do país. “Uma folha tinha até timbre da Prefeitura de Tubarão”, diz. Além disto, o parlamentar afirma que advogados ligados ao consórcio ajudavam na defesa judicial que a Prefeitura fazia da realização do processo licitatório.
O Sul21 procurou os advogados Glademir Chiele e Fabiano Barreto, que defendem o ex-prefeito, mas eles não quiseram se pronunciar sobre o tema. Também procurou o presidente do PSDB de São Luiz Gonzaga, Raul Alves, que disse estar muito ocupado.
Licitação foi anulada por novo prefeito
A licitação passou por um longo imbróglio judicial desde o ano passado até que foi concretizada no dia 5 de abril de 2012, com a escolha do Consórcio Nova Missão. O consórcio operaria os serviços por 30 anos. Entretanto, apenas oito dias depois o mandato do então prefeito Vicente Diel foi suspenso pela Câmara de Vereadores, depois de sofrer condenação judicial por outra fraude em licitação.
Em 2005, quando era vice-prefeito e secretário de Obras, Diel tentou influenciar uma empresa a desistir de uma licitação de transporte escolarem São Luiz Gonzaga. A 4ª Câmara Criminal do TJ-RS o condenou a dois anos e três meses em regime semi-aberto, pena que foi revertida para prestação de serviços comunitários e pagamento de cestas básicas. Ele também foi multado em 2% do valor da licitação.
Ao assumir a Prefeitura no lugar de Diel, o vice-prefeito Mario Meira (PP) anulou a licitação, atendendo à pressão de parte da população do município missioneiro. O contrato com a vencedora nem chegou a ser assinado.
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