terça-feira, 10 de dezembro de 2013

estão liberados pela idade

Acima do humano


Mandela não se permitiu o ressentimento, um feito, no seu caso, tão gigantesco quanto suas demais vitórias

Certas pessoas, raríssimas, parecem acima da condição humana. Nelson Mandela foi um desses seres inexplicáveis.

Passar na prisão 27 anos, com a consciência de que só lhe acontecia assim por defender uma das mais grandiosas causas universais, e emergir desse massacre sem ressentimento, com propósitos e atos de quem fosse servido por 27 anos com o melhor da vida --isso excede o humano. O animal homem não é assim.

O ressentimento é um dos menos lembrados sentimentos. E dos mais determinantes de vidas pessoais e do andar da história. Mandela não foi Mandela por suas ideias de democracia racial. Mandela só pôde ser Mandela porque não se permitiu o ressentimento, um feito, no seu caso, tão gigantesco quanto suas demais vitórias.

VELINHAS

Passou na semana passada sem celebração alguma, apesar de tão merecida, o aniversário de dez anos de permanência do mensalão do PSDB no Supremo Tribunal Federal. Distribuído ao hoje ex-ministro Ayres Britto, é o processo que ficou com o STF quando o tribunal decidiu desmembrar a ação penal, e entregou outra parte à Justiça comum de Minas. Desmembramento negado ao mensalão do PT, em prejuízo de vários dos réus, ao retê-los em uma só instância de julgamento.

Com a aposentadoria de Ayres Britto, o processo aguardou por sete meses a indicação do substituto por Dilma Rousseff. O novo ministro Luís Roberto Barroso recebeu-o e pretende vê-lo em julgamento no ano que vem. Será um feito, embora sem maior efeito. Já dois réus do mensalão do PSDB estão liberados pela idade.

O tempo tem ainda outros modos de colaborar com a Justiça à brasileira. Há três anos e três meses, o então deputado José Tatico, do PTB goiano, proporcionou um momento histórico ao Supremo: foi tido como o primeiro congressista ali condenado. Por apropriação de dinheiro destinado à Previdência Social. Como até agora esperasse o exame de um recurso pelo Supremo, também na semana passada foi beneficiado com a prescrição de sua pena, que a declarou sem sequer chegar ao exame do recurso.

Mas os parlamentares continuam por lá. Se bem que o relator Luiz Fux pediu o arquivamento da ação contra o deputado Arthur Lima, alagoano do PP. Perdeu, porém. O congressista foi acusado --é verdade que depois também desacusado-- de haver derrubado a ex-mulher, aplicado-lhe alguns pontapés e até lhe puxado os cabelos. Entre a entrada do processo no STF em 2011 e o parecer da Procuradoria Geral da República, representada pelo mesmo Roberto Gurgel do processo do mensalão, foram necessários 11 meses. E depois passados mais um ano e nove meses, na semana passada o Supremo decidiu pela ação penal contra o deputado. A agressão já tem sete anos de espera.

VIDA ÍNDIA

Tiuré voltou ao noticiário. Foi anistiado e indenizado em R$ 60 mil pelas torturas sofridas quando incentivou a reação de outros índios, no sul do Pará, à quase escravidão imposta por donos de castanhais e madeireiros em reservas indígenas. Tiuré era funcionário da Funai, que trocou pela resistência coletiva, revoltado com o que a fundação estava fazendo aos índios. Tudo isso nos anos 70 e 80 do século passado. Depois das prisões, Tiuré asilou-se no Canadá.

Tiuré voltou ao Brasil. E diz que os documentos e fatos que testemunhou na Funai comprovam a intenção dos militares de exterminar os remanescentes indígenas. Muitos desses documentos foram em parte conhecidos. Indicavam com clareza o propósito, no mínimo, de extinguir as culturas indígenas e as reservas.

A Comissão Nacional da Verdade precisa ouvir Tiuré. E precisa buscar os documentos da Funai daqueles anos. Sobretudo os do período em que esteve entregue ao coronel Ivan Zanoni Hausen, figura controvertida na própria FAB desde que se dispôs a metralhar o acampamento de companheiros seus que se rebelaram contra o governo Juscelino. As opiniões de Zanoni, em relação aos índios, lembravam os primórdios da campanha nazista contra os judeus.

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