As mãos que balançam o berço
O blog do mauro publica o texto da professora Soraya Franke, os amigos e amigas deveriam ler com a devida atenção e se perguntar por que participam das redes de intrigas na internet.
Eis o texto:
Tenho muitos amigos virtuais. Gente que conheço pessoalmente e admiro e outro tanto de gente que aprendi a conhecer através de suas ideias e ideais, no universo internet. Por meio dessas pessoas tive acesso a uma série de campanhas humanitárias, das quais participei assinando listas ou até me envolvendo mais do que o tempo disponível de minha vida pessoal. Participar de algo pelo bem do outro nos faz, mesmo que por instantes, pessoas solidárias, responsáveis, abertas ao mundo,...e uma centena de outros adjetivos muito louváveis.
Nesse espírito de solidariedade virtual reencaminhei emails de crianças desaparecidas (alguns até mesmo na dúvida), participei de spans para que outra pudesse realizar uma cirurgia, assinei no Avaaz o abaixo-assinado pela vida de Sakineh (vítima de um crime político de um estado ditatorial e teocrático e fundamentalista). Que bom que a Internet pode contribuir para que sejamos mais humanos, que não nos deixemos endurecer frente às mazelas alheias, que nos faça ser mais gente, unindo-nos em nossas diferenças. Mas também pode expor as fragilidades de nossos métodos, de nossas concepções e contradições.
Um dia desses recebi um email de uma amiga, solicitando a divulgação maior possível, pois se tratava de “um horror”, acompanhado do termo “isso é ser humano?” Contava o caso de uma entrevista realizada por Oprah Winfrey ao designer Tommy Hilfiger. Oprah teria lhe perguntado se era verdade um comentário atribuído a ele: “Se eu tivesse sabido que os negros americanos, os judeus, os latinos, espanhóis, venezuelanos, cubanos, os argentinos, chilenos, mexicanos, bolivianos, peruanos, brasileiros e os asiáticos comprariam minha roupa, não a teria desenhado tão boa. Desejaria que esse tipo de gente não comprasse minha roupa, pois ela é feita para gente caucásica, de alta classe e preferiria doar aos porcos.” Hilfiger teria respondido com um sucinto sim, admitindo também seu ódio pelos judeus e sua admiração por Hitler. Ao final do email, o pedido: “Por favor, envia este mensagem a todas as pessoas que podem estar fazendo a fortuna desta pessoa que fomenta o ódio, a discriminação e o racismo.” Respondi de imediato para a minha amiga, indignada com o conteúdo, mas não reencaminhei a mensagem aos meus amigos. Fiz bem. Fui ao youtube e descobri que essa entrevista é mais falsa que nota de três reais! Há um vídeo de desmentido com a Oprah e o Tommy Hilfiger, em entrevista realizada após a circulação do boato por email. Eu deveria ter olhado antes e respondido depois.
No início de novembro veio à tona a onda de preconceito contra os nordestinos, veiculada na internet. Veio à tona. Já estava lá durante toda a campanha eleitoral (e antes dela) para desqualificar o presidente Lula, os programas de governo e a candidata da situação. Mas no dia seguinte à eleição, além da desmoralização pelo fomento do ódio, da discriminação e do racismo, estava a responsabilização dos nordestinos pela decretação de um futuro obscuro e nebuloso. Ódio e inculcação do medo. No entanto, ao encaminhar um texto intitulado “Carta de Repúdio”, um texto de desagravo ao povo nordestino e de valorização da diversidade, recebi uma resposta, apenas uma, mas significativa: “A campanha já terminou.”
A mão que oferece solidariedade pode também negar, compactuar ou se omitir, dependendo de quem comete o “erro”. Sinto muito, mas não acredito em solidariedade de faz-de-conta; não acredito que o mal causado pelos outros seja diferente do mal causado por nós mesmos; não acredito que o preconceito seja tolerável porque alguns se negam a enxergar sua origem, porque isso representaria revisitar suas opiniões e, quem sabe, modificá-las. Podemos ser, sem querer ser, sociedade em movimento, a mão que balança o berço.
Nos EUA, o presidente Obama como pré-candidato enfrentou o racismo; como candidato uma onda de boatos de que seria "terrorista muçulmano", estrangeiro, anti-Cristo; e como presidente a maior resistência já vista por um chefe de estado daquele país para implantar modestíssimas reformas sociais, inclusive de dentro de seu partido, fazendo com que o Partido Democrata amargasse a derrota que aconteceu recentemente. Além disso, o Tea Party, grupo ultraconservador contrário aos projetos de melhorias no sistema de seguro e prestação de cuidados de saúde, ampliou sua participação no congresso, utilizando-se de um discurso difamatório, religioso e xenófobo (ódio), mas camuflado de boas intenções (medo). Financiado por Wall Street (aquela que quebrou e colocou o mundo em crise) e pelas seguradoras de saúde privadas, o Tea Party contou com o apoio de uma grande rede de televisão. Por aqui só foi massivamente divulgada a derrota do Obama.
No Brasil, pós-eleição, circulam mensagens camufladas de alerta sobre a dívida pública, de forma “didática, possível de ser entendida por qualquer pessoa". Na saudação inicial, o profeta do apocalipse dispara “quem vai pagar a conta são seus filhos e netos”. Ou seja, um defensor do modelo que levou o mundo a entrar na crise, critica o modelo que soube amenizar os efeitos da crise internacional e é reconhecido. Não vou me estender por aqui. Quem quiser saber sobre o tema (para concordar ou discordar) pode acessar um livro online no site da Fazenda, escrito por especialistas renomados, formados nas melhores universidades do país e do mundo. Está tudo lá, tratado cientificamente e com transparência.
Entre os contrários e os favoráveis a qualquer posição ou opinião deveria existir o espaço para a dúvida, a linha tênue que separa a denúncia da calúnia, a informação do boato, o esclarecimento da manipulação. Por isso, a importância de sempre verificar a procedência e o contradito de tudo que nos chega pela grande imprensa (especialmente quando o assunto ocupar quase todo o Jornal Nacional), pela internet e por email, antes de clicar no encaminhar. Mesmo aquele conteúdo que parece, em princípio, cheio de boas intenções ou muito próximo de nossas concepções. Podemos, sim, escolher e não permitir que mãos mal intencionadas façam uso das nossas mãos e das nossas redes de amigos para balançar seus berços. Do contrário, soaria bastante demagógico enviar emails de solidariedade a dor dos “estrangeiros”, “pobres”, “discriminados” que não batem a nossa porta, que ficam distantes e só transitam entre nós virtualmente, através da internet.
Soraya Franke
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BAITASAR
A amiga e navegante Soraya dá oportunidade ao resmungão do Baitasar (agora na beirada do fogo assando um costelão e pendurado num chopp... na mão que não balança o espeto) abrir o rosário de queixas e lamúrias dos amigos e amigas, gente do bem, que ele diz que se prestam a engordar essas redes de intrigas.
O Baitasar é um ajudante do blog do mauro, sem salário ou qualquer pagamento de serviço prestado (ainda estamos discutindo, entre uma rodada de chopp e um churrasco de costela, qual é o serviço que ele pode prestar), é inconformado com essas coisas de falsidade e neutralidade ideológica de qualquer um.
Ele tem teoria (principalmente, durante os serviços de assar e chopear) que essa gente boa não faz nada sem saber.
E se faz (ele parou pra virar o chopp e refrescar a garganta) sem perguntar ou pesquisar, tem preguiça do contradito ou gosta de embalançar o berço.
Dá exemplo: "Fazem o anúncio que a campanha política já terminou e bah, lá vem cartinha de e-mail com enredo de mexerico."
Deixa pra lá, quem precisa de cuidados, agora, é o costelão e a garganta.
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