Mídia faz da violência no RJ um espetáculo
Jornalismo B
O Rio de Janeiro viveu nos últimos dias momentos de extrema violência. Depois de manter as favelas abandonadas por décadas, o Estado resolveu lembrar delas e ocupá-las com seu aparelho de repressão. Os traficantes que comandavam os morros invadidos pela polícia e pelo exército tentaram resistir ou fugir, e o conflito se estabeleceu (uma análise da situação por outro viés AQUI). No meio disso tudo, muitos moradores que pouco ou nada tinham a ver com o tráfico sofreram nas mãos da polícia, viram suas casas invadidas, depredadas e roubadas, mas isso pouco saiu na mídia.
A cobertura da imprensa brasileira foi ampla, gigantesca. Canais pagos de televisão transmitindo imagens ao vivo por horas ininterruptas, canais abertos interrompendo suas programações e dedicando telejornais quase inteiros para o assunto, portais com todas as manchetes principais da capa tratando do Rio de Janeiro, jornais impressos com páginas e mais páginas trazendo grandes fotos do confronto.
Entre boas imagens e pouco conteúdo de qualidade, a cobertura de um modo geral foi absolutamente favorável à ação policial. Exaltou-se a “guerra”, conceituação que remete irremediavelmente e tolera muitas “baixas”, cria um clima de permissividade a atos mais violentos. Exaltou-se a força e a união entre polícias civil e militar e exército. A adrenalina no ar era verdadeira, mas a espetacularização leva sempre à perda da profundidade analítica, leva sempre ao subentendimento das circunstâncias.
O clima de Tropa de Elite 3 criado em parte pelos fatos, mas, em boa parte, pela mídia, faz tudo parecer um filme ou um jogo de vídeo game, e aí perde-se pelo caminho a importância humanitária do que acontecia lá, com pessoas morrendo de lado a lado, outras vendo suas casas invadidas, sua privacidade violada, seus direitos desrespeitados. Esse lado das ações policiais apenas agora começa a vir à tona. E muito brevemente. Uma matéria sobre esses abusos foi ao ar nesta segunda no Jornal Nacional, ficou por pouco tempo na capa da Globo.com e já desapareceu.
O apoio da mídia foi grande a ponto de ser desproporcional e causar estranheza. A heroização da polícia sugere uma onda conservadora, de apoio à repressão armada, apoio ao tratamento do problema da violência como uma questão puramente de polícia, sem identificar as profundas raízes sociais da questão.
O jornal gaúcho Zero Hora, por exemplo, teve a cada edição uma matéria que pouco mais fazia do que fazer de um conflito dessa envergadura um circo. Destaque para três matérias. Na sexta-feira, entrevista com José Padilha, diretor de Tropa de Elite. Domingo, “A análise do ‘Capitão Nascimento’” é uma das chamadas de capa, para uma entrevista com o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel. Nesta segunda-feira, por fim, as páginas 4 e 5 são dedicadas ao “Tabuleiro da asfixia ao tráfico”. A arte gráfica, bem feita, traz bonequinhos como os antigos brinquedos de “forte apache”, e um tabuleiro ao melhor estilo “War” ocupando as duas páginas.
As tentativas insistentes de passar-se a impressão de total apoio popular às ações policiais exageraram um sentimento que realmente parece existir, criando descrédito nos leitores e telespectadores mais atentos. Essa ideia foi reiterada dia a dia, sem qualquer questionamento. O fotógrafo Rafael Vilela, em um comentário aqui no Jornalismo B, chama atenção para uma legenda em fotos da Folha Online, que diz: “Moradores participam de manifestação em apoio à operação militar no Complexo do Alemão, no Rio”. A foto, porém, mostra pessoas com cartazes pedindo paz, “Guerra não” e até “Governo incoerente / somos inocentes”. Para a Folha, isso é apoio à operação militar.
Vale destacar como fator positivo na cobertura o bom trabalho dos repórteres fotográficos de diversos veículos, que demonstraram mais uma vez a alta qualidade do fotojornalismo brasileiro nas mais variadas situações.
Postado por Alexandre Haubrich
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